Vicente Amato Neto
Vicente Amato Neto nasceu aos 24 de julho de 1927, em São Paulo, onde sempre morou. É descendente de imigrantes italianos: seu pai foi alfaiate de clientela socialmente modesta; e sua mãe cuidava dos afazeres domésticos e tricotava para angariar algum dinheiro, sobretudo para evitar que ele trabalhasse e prejudicasse os estudos.
Cursou o primário e ginasial no Ginásio Nossa Senhora do Carmo dos Irmãos Maristas, e o colegial no Colégio Estadual Presidente Roosevelt, onde lecionavam magníficos professores. A seguir, em 1946, foi o primeiro membro de extensa família a ingressar numa faculdade. Tornou-se médico em 1951, e recebeu duas benesses fundamentais para sua carreira de médico e professor universitário: Serviço dedicado às doenças infecciosas e parasitárias, iniciado com pioneiro ímpeto no Hospital das Clínicas de São Paulo, e começo histórico de residência médica aí. Participou desse programa na primeira turma de tal tipo existente no Brasil, composta por vinte e nove colegas recém-formados, dos quais dois, especificamente, da parte que desejava antes não cogitada em planos semelhantes profissionalmente.
Vicente Amato Neto teve vocação para a medicina através da influência de leituras, exemplos dados por profissionais brilhantes, fatos memoráveis e circunstâncias estimulantes; e para enveredar por pesquisas nada pretensiosas, além do conhecimento de pessoas dispostas a ajudar, ensinar e estimular.
Esses acontecimentos marcantes em sua vida como médico e docente universitário, possibilitaram cumprimento de inédita vocação que ocorreu como fruto de conjunturas, em época que não contava com ramo clínico-assistencial-universitário específico.
Tornou-se livre-docente em 1958, sem ser docente da Universidade de São Paulo, e, em 1976, após concurso atingiu a posição de professor titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias, nele tendo ocupado durante mais de uma ocasião a posição de chefe, executando projeto progressista, original, democrático e construtivo.
Na vida acadêmica sempre respeitou estas obrigações: formar e atualizar profissionais; buscar conhecimentos novos pela investigação e apoiar a comunidade.
Quanto às pesquisas agiu como docente às aplicadas, dando valor à imperiosidade de olhar as coisas com os olhos do ver. Dedicou-se a questões diversificadas para ajudar a elucidar fatos que presenciou, crendo que se comportou proveitosamente. Ao lado desse procedimento dedicou-se mais intensamente à Doença de Chagas, à toxoplasmose, às enteroparasitoses e às imunizações. Orgulha-se de avanços concretizados, hoje aproveitados cotidianamente. Para ele a pesquisa científica é pouco estimulável ou produtiva se não tiver implicação social. Levou essa compostura a sério e concretizou determinadas ações proveitosas no atendimento médico-profissional e em saúde pública. Apenas como ilustração citam-se algumas: transmissão do Trypanosoma cruzi por transfusão de sangue e respectiva prevenção; descrição clínico-laboratorial da forma aguda da doença de Chagas pós-natal; explicação dos tipos de toxoplasmose adquirida pós-natal; desvendamento da toxoplasmose tifoídica; introdução do método de Baermann modificado no diagnóstico da entrongiloidíase, permitindo avaliações diagnósticas, apreciações epidemiológicas, rigoroso controle de tratamentos e encontro de acontecimentos graves; ingresso do xenodiagnóstico in vitro no contexto da Doença de Chagas; constantes investigações sobre enteroparasitoses, sobretudo com preocupações clínicas e terapêuticas que até serviram para a elaboração de normas para uso amplo de medicamentos pelo Ministério da Saúde; aplicabilidade do Quantitative Buffy Coat – QBC em assuntos relativos à Doença de Chagas.
Informações sobre publicações de pesquisas, divulgação, livros escritos, participações em eventos científicos, prêmios e diplomas recebidos estão em meios Informações sobre publicações de pesquisas, divulgação, livros escritos, participações em eventos científicos, prêmios e diplomas recebidos estão em meios informativos e nos dois volumes de Memórias Seletivas (Lemos Editorial, 2002. Segmento Farma, 2012). Os quinze livros versam principalmente sobre doenças infectoparasitárias ou saúde pública, procurando promover ensino e atualizações. Também contêm críticas e intenção de orientar.
Vicente Amato Neto tornou-se superintendente do glorioso e gigantesco Hospital das Clínicas (HC), quando foi afastado, ao menos transitoriamente, de suas tarefas costumeiras. Aceitou essa função para tentar retribuir o que a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e essa instituição hospitalar, a ela vinculada, presentearam-lhe. Dizem que a gestão, intencionalmente voltada para o social, agradou. Nessa fase convidaram-no para assumir o posto de ministro da Saúde, mas rejeitou surpreendentemente por temer impossibilidade de devolver programas perante politicagem imprópria. Pasmem, depois o colocaram como secretário de Estado da Saúde de São Paulo. Concordou e referiu que havia cometido “enorme contradição, porquanto o que assustou antes ali estava claramente através de oportunismo, vaidades, corrupção e pleno emprego do órgão para obter vantagens políticas ou de várias ordens”. Protestou e, com alegria, demitiram-no.
Na Secretaria de Estado da Saúde pôde produzir parte do que pretendia e assim obteve pequeno consolo. Disse: “Desculpem-me se eu exagerar na obrigação de ser sincero: esse componente governamental albergava irregularidades de múltiplos tipos e, portanto, prejudiciais e indesejáveis. Não me comportei de maneira imprudente: na Superintendência concordei com o pedido e procedi construtivamente; a propósito da Secretaria, tristemente não valorizei o temor sentido em tempo anterior diante de solicitação congênere e de outro porte”.
Vicente Amato Neto participou como membro de colegiados e de muitas comissões, salientando-se: Conselho Consultivo do Conselho Nacional de Pesquisas; Comissão de Assessoramento em Imunizações da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; Programa Integrado de Doenças Endêmicas do Conselho Nacional de Pesquisas; Comissão de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids da Secretaria de Estado de São Paulo; e Comissão de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do Ministério da Saúde. Ademais, fundou dois Centros de Estudos: Centro de Estudos Walter Leser do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da FMUSP; e Centro de Estudos Samuel B. Pessôa do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo. Esses dados são exemplos que reiteradamente procurou cooperar em múltiplas instâncias. Idealizou e propugnou pela fundação de entidades, entre elas a Associação Médica Ítalo-Brasileira e a Associação Brasileira de Imunizações. Alegra-se ao recordar que ajudou a criar a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, que sistematicamente cumpre seus nobres desígnios e congrega eminentes professores e cientistas. Foi também honrado em presidi-la e, sem pausas, esteve às ordens dela. A instituição dedicada a assuntos pertinentes às doenças tropicais deu-se em hotel situado bem ao lado do campus da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo.
Ele esteve lá, na ocasião, em companhia de ilustres personalidades, verdadeiros ícones na área em foco. A sociedade, desde a origem, concretiza o que prometeu efetuar e procede através de idealizações progressistas. O fulcro são as enfermidades que estão no rótulo da sociedade, mas, evidentemente, outros males infecciosos recebem justa atenção, formando coerência com pesquisas, ensino e atendimento.
Vicente Amato Neto apoiou o professor Carlos da Silva Lacaz na implantação do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, no qual, prazerosamente, atuou como diretor, sem remuneração especial, e estabelecendo estilo com necessários avanços em saúde pública.
Participou como idealizador, membro, secretário ou presidente de colegiados, comissões, centro de estudos e grupos assessores de diversificadas corporações. Tudo relacionado com ensino, pesquisas, saúde pública e esportes. Galgou a condição de professor emérito da FMUSP.
Refere que “esta oportunidade é ideal para manifestar portentosa gratidão aos que o ajudaram”.
NOTAS:
A biografia foi fornecida pelo autor. A foto foi obtida por ocasião de sua posse na Academia de Medicina de São Paulo, em 4 de outubro de 2013, ocorrida no anfiteatro da Associação Paulista de Medicina.
Pequenas inserções e adaptações do texto ao perfil desta secção, assim como as notas de rodapé foram feitas pelo Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
O acadêmico Vicente Amato Neto faleceu em 11 de dezembro de 2018, aos 91 anos.
Graduou-se na 34ª turma da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Sua tese para a obtenção da livre-docência intitulou-se Contribuição ao Conhecimento da Forma Aguda da Doença de Chagas.
São de sua lavra as seguintes obras científicas e literárias: Atualização sobre Imunizações (1968); Diagnóstico das Parasitoses Intestinais pelo Exame das Fezes (em coautoria com Rubens Campos, 1968); Tratamento das Parasitoses Intestinais (1969); Temas de Medicina e Saúde (1969); Imunopatologia Tropical (em coautoria com Carlos da Silva Lacaz e Ernesto Mendes, 1969); Toxoplasmose (em coautoria com Rubens Campos (1970); Doenças Transmissíveis (em coautoria com José Luís da Silveira Baldy, 1989); Crônicas do Tempo de uma Peste: A Aids (1989); Aids – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (em coautoria com David Everson Uip, Eduardo Franco Motti, Jacyr Pasternak, Marcos Boulos e Vicente Sabbaga Amato, s/d); De Parto a Infarto: Coletânea de Contos Médico-Policiais (em coautoria com Jacyr Pasternak, (1990); Imunizações (1991); Exame Parasitológico das Fezes (em coautoria com Lúcia de Lacerda Correa,1991); Aids: Amores, Transtornos e Desgraças (em coautoria com Jacyr Pasternak, 1994); Aids na Prática Médica (em coautoria com Eduardo Alexandrino Servolo de Medeiros, Esper Georges Kallas,1996); Febre de Origem Indeterminada (1998); Imunização em Imunodeprimidos (em coautoria com Marta Heloísa Lopes, 1999); Parasitoses Intestinais: Diagnóstico e Tratamento (em coautoria com Pedro Paulo Chieffi e Ronaldo César Borges Gryschek, 2001); ; Contos Médico-Policiais (em coautoria com Jacyr Pasternak e Walter Nelson Cardo, 2003); Trombone a Quatro Mãos: Crônicas sobre a Saúde Pública, Doenças Infecciosas, Aids e Assuntos Correlatos (em coautoria com Jacyr Pasternak, 2004); Antibióticos na Prática Médica (em coautoria com Antonio Carlos Nicodemo e Hélio Vasconcellos Lopes, 2007); Controvérsias em Imunizações (em coautoria com Lily Yin Weckx e Renato de Ávila Kfouri, 2008); e Parasitologia: Uma Abordagem Clínica (em coautoria com Valdir Sabbaga Amato e Ronaldo César Borges Gryschek, 2008).
Atuou como superintendente do Hospital das Clínicas de 1987 a 1992.
Exerceu o cargo de secretário de Estado da Saúde de São Paulo de 18 de novembro de 1992 a 17 de julho de 1993.
Aids: Acquired Immunodeficiency Syndrome.
Carlos da Silva Lacaz foi presidente da Academia de Medicina de São Paulo durante um mandato anual entre 1962-1963, e é o patrono da cadeira nº 53 desse sodalício.
Dirigiu o Instituto de Medicina Tropical de São Paulo de 1985 a 1988.