Euryclides de Jesus Zerbini
Euryclides de Jesus Zerbini nasceu em Guaratinguetá (SP), aos 7 de maio de 1912, pelas mãos do médico Homero Benedito Ottoni, sendo registrado em 10 de maio de 1912. A casa onde nasceu localizava-se à Rua Visconde de Guaratinguetá, demolida para dar lugar à atual estação Rodoviária da cidade. Era filho do professor Eugênio Zerbini e de Ernestina Teane Zerbini.
Terminou o curso colegial sem descobrir sua vocação, mas seu pai o incentivou a seguir medicina. No início da faculdade assistiu a uma cirurgia e pensou em desistir. Durante a Revolução Constitucionalista de 1932 apresentou-se como soldado e, na frente de batalha, acostumou-se aos sangramentos das dilacerações vendo o trabalho de atendimento aos feridos, tomando gosto pela cirurgia.
Em 1935, com 23 anos, graduou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e, posteriormente, especializou-se no Hospital das Clínicas em cirurgia geral. Trabalhou inicialmente com Alípio Corrêa Netto2 , especializando-se em cirurgia torácica. Foi nomeado professor da FMUSP em 1936, quando tinha apenas 24 anos, defendendo uma brilhante tese sobre os Efeitos da Vitamina C na Cicatrização das Feridas.
Em 2 de dezembro de 1941, com apenas 29 anos (!), ingressou como membro titular da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo.
Em 1942 atendeu no pronto-socorro um garoto de sete anos com um estilhaço de ferro dentro do peito. Ele não hesitou: abriu o coração do menino e religou sua artéria coronária, salvando a vida do futuro mecânico Disnei Zanolini. Esse grande feito estimulou-o a seguir para os Estados Unidos da América (EUA), onde se especializou em 1944, durante seis meses, em cirurgia torácica – cardíaca e pulmonar. Já em 1945 começou a dedicar-se à cirurgia intracardíaca.
De volta ao Brasil tornou-se diretor do pronto-socorro do Hospital das Clínicas de São Paulo e cirurgião do Instituto de Cardiologia, onde organizou, em 1947, uma equipe de especialistas em cirurgia cardíaca.
O grande cirurgião idealizou, em 1950, o Centro de Ensino de Cirurgia Cardíaca, embrião do futuro Instituto do Coração.
Em 1957, iniciou, em animais, experiências para abertura do coração, utilizando circulação extracorpórea. Na Universidade de Minneapolis (EUA), foi colega de Christian Barnard, o primeiro cirurgião a realizar um transplante cardíaco.
Casou-se, em cerimônia religiosa, aos 24 de janeiro de 1949, na Igreja do Convento do Carmo, com Dirce, da Costa Zerbini, sua ex-aluna de clínica cirúrgica e médica diplomada em 1948 pela FMUSP, que dedicada à pesquisa, desenvolveu em 1958, o primeiro circuito para circulação extracorpórea no Brasil. Desse conúbio nasceram Roberto, Ricardo e Eduardo.
Zerbini perdeu um filho médico, Eduardo, diplomado em 1977 pela Escola Paulista de Medicina. Eduardo seguiria a carreira paterna, quando faleceu em 30 de janeiro de 1978, de maneira trágica, vítima de um lamentável acidente. O então diretor da Faculdade de Medicina da USP, professor Carlos da Silva Lacaz3 , acompanhou Zerbini e sua família em todo esse doloroso transe. Eduardo já havia entrado, por concurso, na residência do Hospital das Clínicas.
Durante alguns anos, Dirce, sua esposa, auxiliou Zerbini na execução da chamada circulação extracorpórea, necessária à prática da cirurgia cardíaca. Idealizou as primeiras máquinas de perfusão na oficina experimental do Hospital das Clínicas, em São Paulo, e tornou-se responsável pela perfusão da equipe cirúrgica do marido, sendo sua principal colaboradora.
No dia 25 de maio de 1968, Zerbini tornou-se o primeiro médico brasileiro e o quinto do mundo a realizar um transplante de coração, apenas seis meses após o transplante pioneiro, realizado em dezembro de 1967, pelo cirurgião sul-africano Christian Barnard. Na noite desse dia, no centro cirúrgico do Hospital das Clínicas de São Paulo, ele transplantou o coração de Luis Ferreira de Barros, morto por atropelamento, para o peito do lavrador João Ferreira da Cunha, conhecido como João Boiadeiro. João viveria apenas 28 dias com seu novo coração em decorrência da rejeição –, e Zerbini realizaria mais dois transplantes ainda nos anos 1960. Um dos transplantados, o empresário Ugo Orlandi, viveu 15 meses após a cirurgia.
Nos anos sessenta, o último transplante de coração feito por Zerbini e sua equipe aconteceu em 7 de janeiro de 1969. O êxito do cirurgião foi de grande importância não só nos meios científicos nacionais, mas também internacionais, trazendo para o país a admiração e o respeito das outras nações, e tornando o Brasil um dos mais avançados centros de cirurgia cardíaca do mundo. Ele dizia: “Operar é divertido, é uma arte, é ciência e faz bem aos outros”.
Euryclides de Jesus Zerbini ingressou em 28 de novembro de 1974, como membro honorário da vetusta Academia Nacional de Medicina. Fundou o Instituto do Coração, o InCor, em 1975, instituição que se tornaria um dos mais conceituados estabelecimentos hospitalares da América. Mais tarde, fazendo parte do InCor, surgiu a Fundação Zerbini para o Desenvolvimento da Bioengenharia, que também começou exportar a tecnologia.
Os transplantes cardíacos foram retomados em 1980, graças à descoberta da ciclosporina, droga capaz de evitar que o organismo do paciente rejeitasse o órgão transplantado.
Em 1985, aos 73 anos de idade, Zerbini voltou aos transplantes cardíacos, já na fase dos medicamentos antirrejeição e, novamente, foi pioneiro ao realizar em 3 de junho daquele ano, o primeiro transplante de coração num paciente, Manoel Amorim da Silva, portador da doença de Chagas.
Durante seus 58 anos de carreira, Zerbini recebeu 125 títulos honoríficos e inúmeras homenagens de governos de todo o mundo. Foi autor do volume III – Cirurgia do Tórax (1979) da obra “Clínica Cirúrgica Alípio Corrêa Netto”.
Realizou mais de 40 mil cirurgias cardíacas, pessoalmente ou por meio de sua equipe. Participou de 314 congressos médicos e trabalhou incessantemente até poucos meses antes de morrer. Ele costumava dizer que “morreria operando” – e quase cumpriu essa profecia.
Em 1988, Zerbini foi objeto de uma biografia escrita pelo jornalista Celso Arnaldo Araujo e intitulada “Dr. Zerbini – O Operário do Coração”, na qual é descrita toda a sua trajetória profissional e a própria história da cirurgia cardíaca brasileira, que teve em Zerbini seu fio condutor.
Euryclides de Jesus Zerbini faleceu aos 81 anos, no InCor, por volta das 10 horas do dia 23 de outubro de 1993 (sábado), vítima de um melanoma generalizado. O atestado de óbito foi passado pelo seu médico assistente, professor José Antônio Franchini Ramires4 , cardiologista do InCor. Os padres Leo (Leocir) Pessini e João Inácio Mildner, capelães do Hospital das Clínicas, proferiram a oração de despedida.
Seu nome é honrado como patrono da cadeira no 29 da augusta Academia de Medicina de São Paulo, e numa escola na cidade de Campinas, no bairro Ponte Preta.
Em 1999 foi lançado o livro “Doutor Zerbini – Um Coração pela Vida” de autoria de Renata Braga.
Em 2010, a médica e historiadora Yvonne Capuano5 , publicou uma nova biografia num livro que intitulou “Dr. Zerbini – O Médico e o Mito.
NOTAS:
Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
Alípio Corrêa Netto foi presidente durante um mandato anual entre 1947-1948 da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, e é o patrono da cadeira no 12 desse silogeu.
Carlos da Silva Lacaz foi presidente durante um mandato anual entre 1962-1963 da Academia de Medicina de São Paulo, e é o patrono da cadeira no 53 desse silogeu.
José Antônio Franchini Ramires é membro honorário da Academia de Medicina de São Paulo.
Yvonne Capuano foi presidente durante um mandato bienal entre 2009-2010 da Academia de Medicina de São Paulo, e é membro titular e emérito da cadeira no 64 sob o patrono de Maria Augusta Generoso Estrela.