Francisco Borges Vieira
Francisco Borges Vieira nasceu em Mogi das Cruzes, em 30 de agosto de 1893. Foi casado com Felícia Deffine Borges Vieira e teve um filho engenheiro, Léo Roberto Deffine Borges Vieira.
Em 1917 completou o curso médico na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, defendendo tese e colando grau de doutor em medicina.
Vindo para São Paulo, recebeu honroso convite do professor Geraldo Horácio de Paula Souza, que acabava de ser nomeado professor substituto de higiene, para ser preparador da cadeira, para cuja chefia o governo havia contratado, com a Fundação Rockefeller, o dr. Samuel Taylor Darling, higienista norte-americano de grande valor e experiência. Naquela época a cadeira de higiene funcionava na Rua Brigadeiro Tobias, n o 45, antigo palacete dos Barões de Piracicaba.
Foi nomeado em 27 de fevereiro de 1918. Fez um curto estágio no Instituto Bacteriológico de São Paulo, a cargo do dr. Teodoro Bayma e, em seguida, foi comissionado pelo governo para fazer estudos especializados de higiene nos Estados Unidos da América, de 1o de março de 1918 a 1o de dezembro de 1920, sob os auspícios da Fundação Rockefeller. Essa fundação estava criando uma Escola de Higiene em Baltimore, estado de Maryland, junto à famosa Universidade John Hopkins.
Nessa Universidade fez o curso de doutorado em higiene, que se estendeu por dois anos letivos, escrevendo para a obtenção do diploma um trabalho intitulado Studies on the Distribution and Changes of Colicloacae Types of Bacteria in Sewage. Assim, doutorou-se em Saúde Pública em 1920.
Durante o período de férias frequentou laboratórios de saúde pública, como o de New York State Department of Health, em Albany, sob a direção do dr. A. Wadsworth. Realizou curso de técnica de laboratório de saúde pública em Boston, na Universidade de Harvard, em conjunção com o Massachussets Institute of Technology, sob a direção do grande higienista dr. William Sedgwick, assim como fez uma viagem de estudo pelas principais cidades norte-americanas, visitando os serviços de tratamento de águas, esgotos, lixo, laboratórios de saúde pública e outras organizações de caráter sanitário, oficiais ou particulares.
Antes de regressar, fez estágio no Instituto Rockefeller de New York, no laboratório do bacteriologista Hideyo Noguchi, familiarizando-se com a técnica introduzida por ele para o isolamento e identificação da Leptospira icteroides, que o mesmo julgava ter descoberto como agente causal da febre amarela que ocorrera em Cuba.
Voltando a São Paulo, devotou-se logo aos seus misteres de preparador da cadeira de higiene no Instituto de Higiene, que era um anexo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a qual pertencia.
Desde essa época vinha se dedicando exclusivamente ao ensino de higiene em todos os seus graus, assim como ao estudo de problemas sanitários, fazendo uma série de publicações a respeito.
Um ano após o seu regresso a São Paulo, em 1921, grassando no interior da Bahia uma epidemia de febre amarela, para lá se transportou, a convite do dr. Carlos Chagas, diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública, a fim de experimentar os métodos criados pelo professor Noguchi, sendo, para esse fim, comissionado em 22 de abril do referido ano.
Na epidemia de febre amarela da Bahia a L. icteroides não foi encontrada por Borges Vieira em investigações bacteriológicas e imunológicas, conforme conferência que pronunciou na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo logo depois, e, posteriormente publicada, não somente no boletim dessa sociedade científica como nos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, na Revista Médico-Cirúrgica do Brasil e no Boletim Oficial de la Secretaria de Sanidad de Cuba. O professor Borges Vieira seria, portanto, o primeiro a se manifestar em desabono à descoberta do saudoso cientista japonês Hideyo Noguchi.
Hoje, pode-se ter certeza que os casos de febre amarela de Cuba eram apenas casos de leptospirose.
Além do exercício ininterrupto do ensino de higiene na Faculdade de Medicina, no Instituto de Higiene, na Escola de Enfermagem, na Escola de Serviço Social e, em outras instituições, pronunciou ainda conferências e palestras de interesse didático. Colaborou na organização e ensino de vários cursos de higiene, tendo publicado uma série de trabalhos sobre matéria sanitária que ascendem, provavelmente a uma centena.
Em 2 de julho de 1924, tendo resolvido o professor Paula Souza, então diretor do Serviço Sanitário, dedicar-se exclusivamente à direção desse departamento, assumiu, por indicação dele e disposição do governo, a regência da cadeira de higiene da Faculdade de Medicina, o que se prolongou até 1929, pois, em 1927, o professor Paula Souza deixara a direção do Serviço Sanitário e partira para a Europa, convidado como técnico junto à Sociedade das Nações, em Genebra.
Aos 26 de dezembro de 1924, através do decreto no 2.018, o laboratório de higiene transformou-se em Instituto de Higiene de São Paulo com auxílio da Fundação Rockefeller, e com atribuição de se transformar numa Escola de Saúde Pública.
Com a criação da docência-livre na Faculdade de Medicina, Borges Vieira foi investido nas funções de docente-livre de higiene dessa escola.
Em 1931 foi nomeado para exercer o cargo de diretor-geral do Serviço Sanitário do Estado e, pouco tempo depois, para o cargo de diretor-geral do Departamento de Saúde Pública.
Como professor participou dos Cursos de Enfermagem de Emergência durante os confrontos entre paulistas e o governo central na Revolução de 1932.
Em 1935 foi nomeado pela segunda vez para exercer, em comissão, o cargo de diretor-geral do Serviço Sanitário, nele permanecendo até 1937, quando solicitou exoneração, retomando seu lugar efetivo de 1o assistente de higiene; chefe de laboratório da cadeira de higiene da Faculdade de Medicina e chefe da Secção Técnica de Epidemiologia, passando a lecionar essa matéria nos cursos de médicos sanitaristas e educadores sanitários, além de auxiliar o professor Paula Souza em aulas teóricas e práticas de higiene da Faculdade de Medicina.
Em 1936 foi reconduzido à docência-livre de higiene por concurso de títulos.
O Instituto de Higiene transformou-se em Faculdade de Higiene e Saúde Pública pelo decreto-lei no 14.837 de 10 de julho de 1945, inaugurado pomposamente em 29 de novembro desse ano.
Por várias vezes Borges Vieira substituiu o professor Paula Souza na regência da cadeira de higiene da Faculdade de Medicina, como na direção do Instituto de Higiene e, após, na Faculdade de Higiene e Saúde Pública.
Apaixonado que foi pela causa da saúde pública, compareceu, com exceção do último, a todos os Congressos Brasileiros de Higiene realizados desde 1924, bem como a numerosos outros conclaves nacionais, aos quais emprestou sempre o calor de seu entusiasmo e o fulgor de sua privilegiada inteligência. Não fora o seu invulgar dinamismo, o VII Congresso Brasileiro de Higiene realizado em São Paulo, em dezembro de 1948, do qual foi o secretário-geral, não teria alcançado o brilhantismo de que se revestiu.
Era o professor Borges Vieira sócio e membro de várias entidades científicas nacionais e estrangeiras.
Exemplo de retidão e de caráter, Borges Vieira foi grande higienista; imprimiu uma grande mudança nos Serviços de Saúde do estado de São Paulo; contribuiu para a introdução dos serviços de caça-mosquitos na capital e no interior, o que acabou com a febre amarela em nosso estado, deixando bem gravadas as marcas de sua passagem entre colegas, amigos e discípulos, pela dignidade que caracterizava todos seus atos.
O professor Borges Vieira faleceu em São Paulo, em 31 de agosto de 1950, com 57 anos, de doença renal crônica terminal de causa idiopática, sendo enterrado em Mogi das Cruzes (SP).
NOTAS:
Esta biografia é uma autoria do Acad. Jenner Cruz, titular e emérito da cadeira nº 39 da Academia de Medicina de São Paulo, sob o patrono de Francisco Borges Vieira.
Pequenas inserções e adaptações do texto ao perfil desta secção, assim como as notas de rodapé foram feitas pelo Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
Francisco Borges Vieira foi o 1º vice-diretor da Faculdade de Higiene e Saúde Pública.