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Biografia

Ignácio Proença de Gouvêa 

Ignácio Proença de Gouvêa nasceu em 5 de maio de 1892, em Santa Tereza de Valença (RJ). Era filho de Manoel Soares de Gouvêa e de Ignácia Proença de Gouvêa. Viveu na fazenda do pai até completar quatro anos de idade, indo morar, a seguir, no Rio de Janeiro, onde sua família fixou residência. 

Com o falecimento de seu pai, em 1897, vítima de febre amarela, mudou-se com sua mãe para Belo Horizonte, onde ela se manteve lecionando em escola primária. Devido a dificuldades financeiras da mãe, Ignácio começou a trabalhar aos 12 anos na Companhia de Força e Luz de Belo Horizonte, a fim de manter seus estudos. 

Ao formar-se no ginásio decidiu que queria ser médico e, para tanto, teria que mudar-se para o Rio de Janeiro ou Salvador, únicas cidades do Brasil onde havia faculdade de medicina, o que não era compatível com suas condições financeiras. Seu desejo só se concretizou em 1911, graças a um bilhete de loteria e o apoio de um tio, professor Hilário de Gouvêa , professor de otorrinolaringologia da Praia Vermelha e morador no Rio de Janeiro. 

Ignácio Proença de Gouvêa matriculou-se na Faculdade Nacional de Medicina, naquele mesmo ano. O seu sustento foi conseguido graças ao esforço de sua mãe que lecionava línguas e fazia trabalhos manuais. A partir do 2º ano do curso médico, foi nomeado monitor da cadeira de história natural e, no ano seguinte, passou a auxiliar de aulas práticas da cadeira de microbiologia e fisiologia do professor Bruno Lobo. 

Graduou-se em medicina em 1916, tendo preparado tese de doutoramento orientada pelo professor Hilário de Gouvêa. Nessa ocasião relacionou-se mais com sua colega de turma Etelvina de Lima Pedroso, que também tinha o mesmo orientador para a sua tese. Ela era de família tradicional de São Paulo, o que influiu muito na decisão de Ignácio mudar-se para a capital paulista com a sua mãe, conciliando seus projetos matrimoniais e a perspectiva de tornar-se professor de história natural médica de uma faculdade de medicina pioneira em São Paulo, a convite do professor Ulisses Paranhos, reitor da Universidade Livre de São Paulo, criada em 1911 e com suas atividades encerradas pelo Governo do Estado, em 1917, tendo em vista a implantação da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, atual Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 

Casou-se com a dra. Etelvina, em 26 de julho de 1917, abrindo com ela consultório anexo à sua residência. Mais tarde assumiu a direção do ambulatório médico da Indústria de Juta Maria Zélia, criada pioneiramente em moldes baseados na Rerum Novarum , apoiando o trabalhador e a sua família de uma maneira integral, tanto em saúde como na área social.

Ignácio Proença de Gouvêa morou vários anos na vila operária da indústria, atendendo o operariado e suas respectivas famílias. Era também responsável pela creche, pela farmácia, pelo laboratório clínico e pela assistência domiciliar. Foi uma experiência inovadora que serviu de modelo para a futura Previdência Social, criada em 1934, pelo Governo Federal. 

Em 1918 começou a trabalhar na Assistência Pública, serviço equivalente, na época, ao Samu atual. Lá permaneceu até 1927, quando foi nomeado diretor-geral de Higiene e Saúde do Município de São Paulo. 

Nessa época era médico particular de Carlos de Campos, então presidente do Estado de São Paulo, e de seu irmão, Sílvio de Campos, deputado federal. Ambos influíram no engajamento político do dr. Proença, como membro do PRP – Partido Republicano Paulista, que apoiava Washington Luís, o presidente da república. Nessas circunstâncias foi afastado do cargo público por dois anos e preso durante dois meses. Era líder político no Belenzinho desde 1920, mantendo consultório na Farmácia Mallet (legalmente permitido na época). 

Após o ocorrido em 1930, abandonou definitivamente a política, mas, em 1932, colaborou com a Revolução Constitucionalista de São Paulo, trabalhando como médico voluntário para prestar socorro às vítimas das frentes de batalha trazidas a São Paulo. Depois disso dedicou-se apenas aos cargos públicos que exerceu, especialmente como diretor de Higiene e Saúde, o qual reassumiu em 1933, permanecendo nele até 1945, quando se tornou o primeiro secretário de Cultura, Higiene e Saúde de São Paulo (Administração Abraão Ribeiro). 

Merecem destaques algumas iniciativas que marcaram significativamente sua carreira como servidor municipal. Na administração Pires do Rio, na década de 20, reorganizou os serviços médicos e sanitários da prefeitura com modernização da limpeza pública; o controle sanitário de alimentos, especialmente da carne, desde sua origem no matadouro de Carapicuíba até a sua distribuição à partir do Tendal Único da Lapa, onde instalou o 1o Laboratório Bromatológico de São Paulo, controlando a qualidade dos produtos distribuídos pelos grandes frigoríficos estrangeiros. 

Enquanto diretor do departamento de Higiene e Saúde participou, na década de 30, da construção, organização e controle do Mercado Municipal, na Rua Cantareira; do Entreposto de Verduras e Legumes, precursor do Ceagesp5 atual. Por esses dois locais é que chegavam e eram distribuídos para consumo os alimentos produzidos na periferia e colocados à disposição da população. Na Rua Pedroso 180, organizou um serviço sanitário de grande importância para a comunidade: controle de saúde dos manipuladores de alimentos servidos aos consumidores (balconistas de bares, garçons, empregadas domésticas, açougueiros, etc.). O controle visava especificamente doenças transmissíveis através dos alimentos. 

Na Limpeza Pública, modernizou seus equipamentos com tração animal e proporcionou aos trabalhadores melhores condições de trabalho, com refeitórios para alimentá-los, além de controle de saúde pela Prefeitura. 

Verificou, no final dos anos 20, que os operários da Limpeza Pública mantinham desde 1928, uma “arrecadação particular e espontânea, visando auxiliar aos companheiros e a seus familiares que ficassem doentes”, internando-os na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e no Hospital Matarazzo. Ao saber das dificuldades dos operários em manter essa coleta, o dr. Proença convenceu o então prefeito Fábio Prado, a instalar, em 1934, o primeiro Hospital Municipal num antigo Hospital da Cruz Vermelha, muito bem equipado e montado em prédio alugado ao Círculo Isotérico do Pensamento, no Largo São Paulo, à Rua São Paulo, esquina da Conselheiro Furtado, com capacidade para 80 leitos. 

Graças a um excelente corpo clínico, a maioria proveniente da Faculdade de Medicina, instalada, na época, nas enfermarias da Santa Casa de São Paulo, e comandado pelo Ayres Neto , proporcionaram, desde então, assistência médica de ótima qualidade aos operários da Prefeitura. 

Como secretario de Educação, Cultura e Higiene da Prefeitura de São Paulo criou, na década de 50, os primeiros parques infantis e o Departamento de Assistência à Infância e Maternidade (Daim), abrangendo a puericultura, as imunizações infantis, a assistência escolar e o pré-natal das gestantes nos Postos de Puericultura, depois denominados Postos de Saúde. 

Também na década de 50 foi concretizado um velho sonho do dr. Proença, ocasião em que foi criado o Pronto-Socorro Municipal (PSM) em substituição à antiga Assistência Pública. Com a colaboração de uma equipe do Hospital das Clínicas (Carmino Caricchio, Primo Curti, Álvaro Dino de Almeida , Joaquim Rossini, Jaime Rosembojn, Walter Bloise, dentre outros) foi inicialmente adequado o Pronto-Socorro Central, no Pátio do Colégio, com a rede de PSMs extendida rapidamente para a Barra Funda, Tatuapé, Ipiranga, Santo Amaro, Jabaquara, São Miguel, Santana, etc., com equipes de resgate, chefiadas por médicos treinados em primeiros socorros. Integrando a rede de pronto-socorros aos serviços universitários, instalou unidades de prontosocorros municipais no Hospital das Clínicas, na Santa Casa de São Paulo e no Hospital São Paulo. 

Considerando a insuficiência de leitos de maternidade para gestantes sem recursos na década de 50, apesar da existência do Amparo Maternal e da Casa Maternal, dr. Proença montou, no Ipiranga, num prédio originalmente destinado à escola, um Abrigo Obstétrico para atender mulheres em trabalho de parto “socorridas” pelo ProntoSocorro Municipal. Mais tarde, aproveitou outra ala do mesmo prédio para organizar um Abrigo Pediátrico destinado especialmente para assistir crianças com desidratação por diarreia no verão e afecções respiratórias no inverno, suprindo a carência de leitos pediátricos nos hospitais de São Paulo. Após a sua morte recebeu o seu nome, por iniciativa do professor Carlos da Silva Lacaz8 , então secretário de Higiene e Saúde. 

Nos últimos quinze anos de sua vida, após o falecimento de sua mãe, o dr. Ignácio tornou-se um cristão fervoroso, alternando suas atividades médicas ou administrativas com ações sociais de apoio a pessoas carentes internadas em hospital públicos ou em entidades filantrópicas, sem dizer quem era ou então dizendo chamar-se “dr. José”. Apesar da sua dedicação ao trabalho ocupá-lo desde as primeiras horas das manhãs até altas horas da madrugada, não deixava de visitar asilos e hospitais diariamente, para perguntar aos pacientes mais carentes: “O que você está precisando?” ou “O que você tem vontade de comer?” ou “Você quer que eu leve algum recado ou uma cartinha a alguém? ”. Sempre onipresente, o dr. Proença ainda ia diariamente aos diversos serviços públicos sob sua responsabilidade. E arranjava tempo para ir despachar até depois da meia noite na Intendência da Rua Cantareira, ao lado do Mercado Central, e posteriormente na Rua Pedroso 180, onde se situava do Departamento de Higiene e Saúde. E atento a tudo o que acontecia em São Paulo, esteve presente ao incêndio que destruiu as instalações do Hospital Municipal no Largo São Paulo, em 1942, comandando os trabalhos de socorro. Verificando ainda faltar um paciente, graças ao fato de conhecer todos os internados na instituição, enfrentou os riscos ao adentrar no sinistro e salvá-lo a tempo. 

Ignácio Proença de Gouvêa faleceu com 64 anos, em 7 de dezembro de 1956, acometido de câncer pulmonar . Deixou um exemplo incomum de amor à família e de dedicação extraordinária à comunidade, auxiliando os mais carentes, especialmente os operários da Prefeitura e os cidadãos sem família, sem distinção de raça ou condição social, internados nos asilos e hospitais conveniados da Prefeitura de São Paulo. Suas ações de caridade seguiram permanentemente um princípio cristão que ele repetia com muito orgulho: “O que a mão direita faz, a mão esquerda não precisa saber!”. 

NOTAS: 

Esta biografia é uma autoria do Acad. Fernando Proença de Gouveia, titular e emérito da cadeira nº 36 da Academia de Medicina de São Paulo, cujo patrono é Ignácio Proença de Gouvêa, seu pai. Presidiu esse sodalício durante um mandato bienal entre 1989-1990. 

Pequenas inserções e adaptações do texto ao perfil desta secção, assim como as notas de rodapé foram feitas pelo Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.

Hilário de Gouvêa (1843-1923) graduou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1866, defendendo tese intitulada “Do Glaucoma: Dos Sucos Digestivos, Estudo Químico-Farmacológico sobre a Estricnina, Veratrina e Brucina. Operações Reclamadas pelos Tumores Hemorroidais”. Nessa escola tornou-se catedrático de clínica oftalmológica 

Rerum Novarum: Primeira encíclica social do Papa Leão XIII (1810-1903) publicada em 1891.  

Samu – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. 

Ceagesp – Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo. 

José Ayres Netto foi presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, durante dois mandatos anuais entre 1919-1920 e 1934-1935, e é o patrono da cadeira nº 105 desse sodalício.

Álvaro Dino de Almeida é o patrono da cadeira nº 18 da Academia de Medicina de São Paulo.

Carlos da Silva Lacaz foi presidente da Academia de Medicina de São Paulo durante um mandato anual entre 1962-1963, e é o patrono da cadeira nº 53 desse sodalício. 

Aditamento: Ignácio Proença de Gouveia foi casado com dra. Etelvina Pedroso Gouveia e teve cinco filhos, sendo dois homens e três mulheres. Sua missa de sétimo dia foi celebrada na Catedral Metropolitana de São Paulo, a pedido do prefeito municipal Wladimir de Toledo Piza, na qual compareceram inúmeras autoridades e milhares de funcionários e amigos.  Seu nome é honrado como patrono da cadeira nº 36 da augusta Academia de Medicina de São Paulo, assim como dá nome ao Hospital Municipal “Dr. Ignácio de Proença Gouvêa” no Parque da Mooca, e a uma rua no bairro da Casa Verde, na capital paulista.