Walter Edgard Maffei
Walter Edgard Maffei, mais conhecido simplesmente por Maffei, nasceu aos 15 de janeiro de 1905, na cidade de Salto de Itu (SP). Graduou-se em 1930 pela Faculdade de Medicina de São Paulo, hoje, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Aí se dedicou à careira acadêmica, galgando a condição de professor livredocente de anatomia patológica.
Fez estágio de aperfeiçoamento por aproximadamente dois anos no Hospital de Salpêtrière, em Paris, onde se destacou pelos seus conhecimentos, particularmente de neuropatologia. Regressou ao Brasil em consequência da II Guerra Mundial.
Permaneceu na FMUSP até 1945, uma vez que fora colocado em disponibilidade pelo então catedrático de anatomia patológica, professor Ludgero da Cunha Motta. Egresso, passou a exercer o cargo de patologista no Hospital Psiquiátrico de Franco da Rocha, onde ficou conhecido. Tornaram-se famosas as reuniões anatomoclínicas que organizava, aos sábados, para a discussão de óbitos dos psicopatas, aonde afluíam muitos médicos da capital para participar.
Walter Maffei dedicou-se também à estruturação dos departamentos de patologia da Faculdade de Medicina de Sorocaba da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Aqui, fundou, em 2 de janeiro de 1952, o Serviço de Anatomia Patológica, auxiliado pelos jovens patologistas José Donato de Próspero e Carlos Marigo. Segundo José Donato de Próspero, que com ele conviveu muitos anos, Maffei era portador de “notório saber e tinha fama de cientista polêmico; era enérgico, competente e grande didata”. Por outro lado, alguns “alegavam dificuldade de relacionamento com ele, em virtude de sua forte personalidade, além de atitudes polêmicas, principalmente pelas opiniões divergentes sobre diversos aspectos da medicina, muitas vezes discordantes dos conhecimentos de então.”
Walter Maffei era antes de tudo um patologista geral, porém interessou-se particularmente pela neuropatologia, cujo entusiasmo e conhecimentos ultrapassaram os limites do país.
Trabalhava de forma sui generis; não dava trégua e não perdoava erros devidos à inexperiência de seus assistentes. Por sua vez constituiu grupos de estudos e não se importava de reunir-se semanalmente com seus alunos em horários extracurriculares. Certa feita surgiu-lhe uma indagação de seus assistentes, a fim de que ele orientasse quais livros indicaria para estudar anatomia patológica. Ao que ele rapidamente respondeu: “Anotem aí, moços – os melhores livros que eu conheço, e são os únicos que existem, são a aula de autópsias e o microscópio. Depois de anos com esse ‘livros’, complementem o estudo com qualquer outro.”
Maffei criou também na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, memoráveis reuniões anatomoclínicas que lotavam o antigo anfiteatro da biblioteca, delas participando profissionais de nomeada, como Aldo Bruno Definis, Oscar Monteiro de Barros e Edwin Castelo, dentre outros. Eram sessões concorridas e muitos médicos de dentro e de fora da instituição se faziam presentes, motivados pela excelente qualidade científica que elas encerravam. Essas reuniões foram um motivo a mais para que, mais tarde, surgisse a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Nessa época Maffei teve a ideia, rapidamente assimilada pelos seus assistentes, de se criar uma revista científica, a fim de incentivar a produção e a publicação de trabalhos não somente da anatomia patológica, mas também de outros departamentos. Assim, em 1955, sob a inspiração de Maffei, tendo Carlos Marigo, seu assistente, como diretor, surgiram os “Arquivos Médicos da Santa Casa de São Paulo”. Editada trimestralmente, perdurou por várias décadas, sendo continuada após um período de inativação de aproximadamente três anos por questões econômicas, por “Santa Casa Medical Journal”.
Walter Maffei foi também um dos grandes protagonistas para que surgisse nas dependências da Santa Casa uma faculdade de medicina. Sempre dizia: “Um hospital desse tamanho e com essa importância e tradição, não sobreviverá sem estudantes. Precisamos pensar numa futura faculdade para incentivar o ensino e a pesquisa, além de desenvolver a assistência médica”. Esse sonho foi robustecido em 1962, com a criação da Associação dos Médicos da Santa Casa de São Paulo, presidida por Emílio Athie, outro grande entusiasta da ideia. Em maio de 1963 foi inaugurada a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, tendo em seu primeiro Conselho Departamental, os ilustres professores Walter Edgard Maffei, Eduardo da Costa Manso e Oscar Monteiro de Barros.
Segundo sua aluna e biógrafa Carmen Lúcia Penteado Lancellotti, Maffei era “carismático, irônico e considerado por todos irreverente. Possuidor de conceitos absolutamente não convencionais, ninguém conseguia ficar indiferente à sua personalidade: ou o amavam ou não o levavam muito a sério. Era um livre pensador e não se interessava em provar nada. Outro aspecto de sua personalidade que me fascinava era sua didática. Quem pode esquecer-se do início de seu Curso de Neuropatologia, quando ele comparava os lobos cerebrais com os sete anões da Branca de Neve. As suas aulas eram uma mistura de conhecimentos científicos, de dados históricos e de fábulas. Logo no início de minha residência em patologia, disse a ele que tencionava fazer neuropatologia e que gostaria muito de sua orientação. Ao que ele me respondeu: ‘Muito bem, pois de hoje em diante, você vai ser a responsável por todas as atividades relacionadas com a neuropatologia – anatomoclínicas com os neurologistas e neurocirurgiões; estudos necroscópicos dos encéfalos e estudos histopatológicos das peças’. E eu então rebati: Mas dr. Maffei, eu não sei nada. E ele: ‘Minha filha, é assim que se aprende’. Quero enfatizar esse seu espírito aberto, não competitivo e, para mim, extremamente estimulante, que me abriu todas as portas físicas e do conhecimento para a neuropatologia. A partir desse momento posso dizer que fui uma das raríssimas pessoas que puderam desfrutar o privilégio de sua companhia diária durante cerca de 20 anos.”
Maffei enfatizava nos seus ensinamentos que “a herança genética referia-se sempre à penetrância dos genes, e aos caracteres fenotípicos, nem sempre iguais aos genotípicos”. Seu raciocínio clínico era baseado no binômio “alergia versus anergia”; quando a imunologia era ainda incipiente, ele já tinha teorias que, posteriormente, se confirmaram. Dava muita importância aos biótipos humanos; em suas aulas, no necrotério, ignorando os dados clínicos, discorria sobre as doenças somente pela análise do biótipo do cadáver e, quase sempre, acertava os diagnósticos envolvidos com a causa mortis. Tinha reserva quanto à indústria farmacêutica; dizia que os alunos eram propagandistas de laboratório, pois não se preocupavam em entender como aconteciam as doenças. Aliás, a lista de medicamentos que prescrevia era muito enxuta, constando, entre eles, o ácido clorídrico a 50%; levedo de cerveja; cloreto de cálcio; emplastros cutâneos para deslocar o órgão choque para a pele, dentre outros incomuns na prática clínica de seu tempo. Gostava de observar os fatos chegando às raias do fatalismo, pois achava que na melhor das hipóteses, não se podia interferir muito no rumo dos acontecimentos, talvez apenas minimizá-los. Entretanto, não desestimulava seus discípulos por novas informações, mesmo quando se confrontavam diretamente com suas ideias. Era extremamente desprendido de dinheiro; quando seus alunos encaminhavam-lhe pacientes, geralmente crônicos e que já tinham passado por diversos tratamentos sem sucesso, atendia-os sem qualquer remuneração. Dizia que “a única vez que cobrou uma consulta foi roubado quando ia para casa de ônibus, e esse foi um aviso de que não deveria ter cobrado.”
Maffei era uma pessoa acessível e de larga cultura, conhecendo desde a obra de Agatha Christie até os clássicos da literatura; apreciava música lírica e clássica. A propósito, confidenciara diversas vezes à sua aluna Carmen Lancellotti, que não tinha conseguido realizar um dos seus maiores sonhos – tocar violino – apesar das horas intermináveis que se dedicou ao estudo desse instrumento. Por fim, convencera-se de que não possuía essa habilidade que, como todas as outras, tem cunho genético.
Dentre outros de seus aforismos têm-se: “Não existe sentido em guardar o seu conhecimento só para si. Ele sempre precisará ser repassado a outros, senão, não terá qualquer valor”, e “O médico existe porque existem doentes.”
Walter Maffei foi também catedrático de patologia geral e de anatomia patológica da Faculdade de Medicina de Sorocaba da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), de 1955 até o seu falecimento, em 1991. Ingressou na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, em 3 de novembro de 1937. Foi membro de honra da Sociedade Francesa de Neurologia e patrono, em 1984, da 29ª turma da Faculdade de Medicina de Sorocaba da PUC-SP. Escreveu os livros: As Bases Anatomopatológicas da Neuriatria e Psiquiatria (1951, em dois volumes: volume 1 com 781 páginas e volume 2 com 1.112 páginas); Os Fundamentos da Medicina (1968); e Human Topography for Oncology – Oncotop a Proposal (1992, post-mortem em coautoria com Rodolfo Brumini, 345 páginas).
Walter Edgard Maffei faleceu em 10 de setembro de 1991, contando com 86 anos. Seu nome é honrado como patrono da cadeira no 98 da augusta Academia de Medicina de São Paulo. Na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo dá nome a um prêmio do Departamento Científico do Diretório Acadêmico Manoel de Abreu , e à Liga de Neurociências; dá também nome a uma avenida no bairro residencial Santa Madre Paulina, na cidade de Salto (SP).
NOTAS:
Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
Oscar Monteiro de Barros foi presidente da Academia de Medicina de São Paulo durante um mandato anual entre 1956-1957, e é patrono da cadeira nº 69 desse sodalício.
Manoel Dias de Abreu é patrono da cadeira nº 37 da Academia de Medicina de São Paulo.