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Reestruturação do SUS

21.10.2013 | Gerais

Nelson Guimarães Proença  

Tomou posse no princípio de setembro o novo Se­cretário de Estado da Saúde, dr. David Uip. Em seu discurso de posse, criticou o programa “Mais Médicos” e incluiu a seguinte frase: “… Saúde se faz com investimento, com a multidisciplinaridade, um médico sozinho não vai resolver” (O Estado de S. Paulo, 6/9/2013, página A20). 

Concordo com o Senhor Secretário. Foi exatamente esse o tema que abordei em palestra recente perante a Diretoria da Associação Paulista de Medicina (26/07/2013), ao atender convite de seu Presidente, dr. Florisval Meinão. Julgo oportuno realçar, agora, alguns pontos que comentei então. 

Creio que o Governo Federal está conduzindo a discussão com o foco errado sobre o tema. Vejo que as entidades médicas de todo o País estão sendo envolvidas nessas discussões sobre “fatos criados” por Brasília. Recorde-se que tais iniciativas já foram designadas, no passado, como “factoides”, isto é, “falsos fatos”. O Governo escolhe o jogo, define as regras (podendo mudá-las conforme sua conveniência), escala a equipe de juízes e nós, médicos, aceitamos o confronto. Entramos em campo, dispostos para o que der e vier. 

Precisamos mudar o foco das discussões urgentemente. Mudar o foco significa rediscutir o Sistema Público de Saúde, o SUS, corrigindo suas imperfeições e também seus equívocos. E quais são as imperfeições e equívocos? São vários, mas obviamente de três ordens: sua estrutura, seu financiamento, sua gestão. São questões complexas, mas destaco alguns pontos essenciais. 

No que se refere à questão Estrutural, o SUS distribuiu as atenções à Saúde, corretamente, em três níveis de complexidade: Primário, Secundário e Terciário. Mas não ficou suficientemente esclarecido que o nível fundamental, do qual depende a eficácia de todo o Sistema, é a Atenção Básica à Saúde. Essa incompreensão tem levado a distorções graves, como aconteceu com o Programa Saúde da Família (PSF) e com a criação das AMAs (estas, pela Prefeitura de São Paulo). 

É necessário criar consenso. A peça fundamental do SUS é a Unidade Básica de Saúde, a UBS, e não o PSF. Ou a UBS funciona e o Sistema poderá funcionar, ou ela não funciona e o Sistema jamais funcionará. E por que atualmente ocorre seu mau funcionamento? Porque cometemos, no início dos anos 1990, um equívoco de consequên­cias trágicas. Colocamos no centro da UBS a figura do “Médico Generalista”, um profissional que tudo sabe e que tudo resolve, ficando ele responsável pela Atenção Primária. O resultado é conhecido: como esse médico não existe (e nunca existirá), o resultado é que a Atenção Básica está praticando atendimento não resolutivo. Em geral, ela se limita a fazer mera triagem de pacientes, os quais são encaminhados para o nível Secundário. 

Minha proposta, feita pela primeira vez em 1995, foi a de criar um modelo de UBS que deveria ser adotado em todo o País. Quanto ao atendimento médico, a figura do Generalista seria substituída por um trio multidisciplinar: o Pediatra, o Clínico e o Ginecologista/Obstetra. O PSF deixaria de substituir a UBS, como vem acontecendo ultimamente. O PSF recuperaria seu papel de ligação entre a UBS e a população local, resgatando-se, assim, a proposta inicial do seu criador, o Ministro Adib Jatene. 

A segunda questão é a do Financiamento. Não apenas o do SUS como um todo. Mas, sobretudo, o de seus diferentes níveis de Atenção à Saúde. Defendo uma mudança na lei que criou o SUS para possibilitar a inclusão de um ponto que considero fundamental: cada um dos níveis com orçamento próprio! É a única maneira de garantir os recursos necessários para o nível básico, assegurando seu êxito. 

Agora, a questão da Gestão. A administração pública, nos âmbitos federal, estadual e municipal, trabalha exclusivamente com números, não com qualidade. Sem a devida resolução das demandas, na Atenção Básica, haverá a sobrecarga do nível Secundário e, também, do Terciário. Para dar qualidade e resolução ao atendimento, na UBS, é preciso levar em conta três aspectos: fazer a avaliação do desempenho a partir do estabelecimento de índices e metas a serem alcançados; introdução de protocolos; e, também, a Educação Continuada dos profissionais de Saúde. 

Essa discussão precisa ser feita e vai muito além dos pontos que destaquei. Mas considero válido que sejam citados, como referência, para o debate mais aprofundado. É por aí que temos de caminhar, não nos limitando a figurantes das jogadas de “marketing” do Governo Federal. 

Nelson Guimarães Proença 

Ex-presidente da Associação Paulista de Medicina

Ex-presidente da Associação Médica Brasileira

Membro da Academia de Medicina de São Paulo