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A água, para onde foi?

18.03.2015 | Gerais

Nelson Guimarães Proença

A Filosofia é tão antiga quanto a humanidade, nasceram juntas, siamesas, assim continuaram através dos tempos. Observar o que se passa ao redor, registrar fatos e ocorrências, interpretá-los, buscar sua coerência, encontrar os elos que existem entre os seres e as coisas são atributos de todos nós, daí nasce o impulso para filosofar. Isso é universal, uma característica da raça humana, não depende de época ou lugar. Filosofamos todos os dias, mesmo sem ter consciência disso. Aquilo que concluímos, apresentamos a nossos semelhantes, sugerimos que não deixem de levar em conta as conclusões a que chegamos, elas nos parecem judiciosas. Agora, se a realidade cotidiana confirmará nossas especulações filosóficas, isso já é outra coisa. Nossa Filosofia precisa buscar alicerce em fatos demonstrativos, que confirmem que estávamos certos. Ao darmos esse passo em busca da confirmação de teses propostas, estamos contribuindo para nascer e fazer crescer a Ciência. Filosofia e Ciência sempre estiveram juntas ao longo de toda a história humana. Foi assim desde a antiga Alexandria, do tempo dos Faraós, foi assim em Atenas, quinhentos anos antes de Cristo, será sempre assim, em todas as épocas e em todos os lugares. 

As narrativas que chegaram até nós contam que Newton descansava à sombra de uma macieira, quando uma das frutas caiu em sua cabeça. Dizem que pensou em voz alta: “— Que diabo, por que maçãs caem sempre para baixo, por que não caem para cima?”. Dizem os cronistas da época que foi, então, que começou a ser formulada aquela que depois receberia o nome de Lei da Gravidade. A partir daí desenvolveram-se experimentações que puderam comprovar a atração entre os corpos, firmando a Lei de Newton. Nesse exemplo estão a Filosofia e a Ciência de braços dados. 

Mas darei outro exemplo. Com Lavoisier, o que aconteceu? Ele sempre estava envolvido em experimentos de laboratório, com a Química e a Física, impressionava-se diante da versatilidade das substâncias com as quais trabalhava. Estas assumiam as mais diferentes formas segundo as combinações a que eram submetidas. Mas nenhuma das substâncias se perdia, elas apenas se transformavam, assumindo expressões diversas. Se tivermos um pouco de imaginação, podemos ver Lavoisier, preocupado e pensativo, até conseguir encontrar o conceito exato que encantou o mundo da época e encanta o mundo de agora: “— Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Mais uma vez a Filosofia e a Ciência se abraçaram, incorporando ao Saber um conceito essencial. 

Passo agora a justificar essa breve e descomprometida divagação das relações entre a Ciência e a Filosofia. Eu a fiz pensando em como estamos precisando de um novo Newton, ou de um novo Lavoisier, para nos ajudar a esclarecer um mistério de nossa atualidade. Um mistério que para mim gerou uma preocupação que me acompanha há algum tempo, mais precisamente desde o mês de abril de 2012 quando vi fotos publicadas em um jornal que muito me impressionaram, daí eu as ter recortado, plastificado e guardado, revendo-as vez ou outra. Foram feitas por um satélite que fotografou o polo norte no ano de 1979, voltando a fotografá-lo, exatamente na mesma posição, em 2012. Comparadas as duas fotos, ficou nítida a redução à metade do gelo acumulado, fazendo prever seu completo desaparecimento lá por volta de 2035. Recentemente, em setembro de 2014, vi outra matéria publicada em jornais, também sobre o agravamento do degelo, mas agora no polo sul. 

O gelo e o degelo das reservas polares são o fator mandatário do equilíbrio climático mundial. Não há dúvidas por parte dos estudiosos de que esse grave problema, o do degelo, está provocando as mudanças climáticas que todos nós temos acompanhado. Elas são a consequência direta do degelo nas calotas polares. As secas prolongadas em regiões que as desconheciam; as chuvas torrenciais e inundações onde isso não ocorria; invernos com temperaturas abaixo de quarenta graus negativos; temperaturas chegando à casa dos quarenta graus positivos em zonas antes de clima temperado. Todos os estudiosos reconhecem a gravidade da situação. Mas, ao lado dessas preocupações, há outra questão ainda não suficientemente debatida. 

Para onde está indo a água resultante do degelo polar? 

Há anos, quando a questão começou a preocupar os pesquisadores, imaginou-se que a água dos polos se distribuiria pelos mares e elevaria seus níveis em um metro, dois metros, talvez mais e, em consequência, todas as cidades costeiras, pelo mundo afora, ficariam submersas. Isso não ocorreu! Para onde foi, então, tanta água? Outro dado muito preocupante. No Brasil, os estudiosos do Cerrado Central (Bahia, Goiás, Mato Grosso) constatam o desaparecimento dos rios locais e a redução do lençol freático. Já estão prevendo a completa desertificação do Cerrado, a qual virá acompanhada da redução do volume de águas do rio São Francisco. 

Para onde foi, então, tanta água? 

Tento esclarecer minha inquietação, recorro à internet, não encontro nada que me satisfaça. Para essas questões, devem ser oferecidas várias respostas, mas há uma que para mim se tornou recorrente. Uma resposta que até aqui só tem servido para meu uso pessoal, sei que estou abusando um pouco do meu direito de filosofar, afinal ela nada tem de científica. Mas desejo compartilhar essas inquietudes com outros preocupados com o tema, existem muitos deles por esse mundo afora. 

Não é possível que a resposta certa esteja na ruptura da camada de ozônio, aquela que envolve a atmosfera e que, até o século 20, manteve o sistema fechado? A ruptura, todos sabem, foi simplesmente chamada “o buraco da camada de ozônio”, ele está situado nas proximidades do polo sul, mais para o lado do ocea­no Pacífico do que do Atlântico. Leio e releio as informações disponíveis sobre essa ruptura e começo a pensar em uma hipótese que não me parece descabida, é possível que tenha vínculo com a redução do estoque da água disponível no planeta Terra.  

Eventuais leitores dessa especulação, pensem comigo: quais as consequências da ruptura da camada de ozônio, que relação ela pode representar para o futuro de nosso planeta? Não é possível ignorar o que a Ciência já demonstrou: a camada de ozônio é a responsável pela manutenção do equilíbrio natural do nosso sistema, não se esqueçam de que foi esse equilíbrio que permitiu a Lavoisier formular seu postulado. 

A verdade de hoje é esta: o planeta Terra deixou de ser um sistema fechado. Não sendo fechado, não fica restrito a ele, planeta Terra, a aplicação da Lei de Newton, a da atração entre os corpos. Até o aparecimento do “buraco”, há poucas décadas, a atração da gravidade se fazia obrigatoriamente da atmosfera terrestre para o solo, não havia outra possibilidade. Mas se a atmosfera terrestre não é mais um sistema fechado, é preciso pensar no sistema solar como um todo, pois “balão furado” não tem como segurar seu conteúdo. 

Aí está, é simples assim, o planeta Terra é um “balão furado” e é por ali, por esse furo, que está escapando o vapor de água de nosso pequeno mundo. Uma água que está se dispersando por todo o imenso sistema solar, atraída por nossos vizinhos! Pura Filosofia, todos dirão. Não está sendo dada a devida atenção à tragédia que já está anunciada, que está diante de nós. Se nada fizermos para mudar a terrível realidade da perda da água de nosso mundo de hoje, mais adiante teremos de mudar o texto da Lei de Lavoisier: “— Na Natureza tudo se perde e nada se cria”. Essa será a inevitável consequên­cia do buraco que ninguém pensa em fechar. 

Na última semana de outubro de 2014, foi realizado, em Copenhague, o “Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática” (na sigla em inglês, IPCC). Ele é preparatório para a Conferência Mundial, de altíssima relevância, em maio de 2015, sediada em Paris. O documento que está sendo discutido em Copenhague informa que a concentração do gás carbônico, do metano, do óxido nitroso, entre outros gases, todos nocivos para a atmosfera terrestre, aumentou no ano de 2014, prejudicando ainda mais a integridade da camada de ozônio. 

Para terminar, uma notícia enganosamente auspiciosa, pois, bem examinada, não é animadora. Reuniu-se em Pequim, na primeira quinzena de novembro de 2014, a cúpula do G-20, ocasião em que o Presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, e o Presidente da China, Xi Jinping, firmaram um acordo ao qual deram a aparência de importante. Mas que é importante só mesmo na aparência. Intenções: até 2030, os Estados Unidos e, até 2035, a China, procurarão reduzir algo em torno de 30% da emissão de gases industriais. Um perfeito exemplo de compromisso vago, anunciado para acalmar a opinião pública; passadas duas décadas, veremos quais justificativas serão dadas para explicar por que as metas não foram cumpridas. 

Encerro. Compareci com a Filosofia, agora é a vez da Ciência. Está na hora de a Filosofia e a Ciência se darem novamente as mãos para informar a todos nós sobre o futuro que nos aguarda, para orientar sobre as medidas que urgentemente precisam ser aplicadas. Talvez a humanidade volte a ter juízo, talvez tome em tempo hábil atitudes e decisões. Antes que seja tarde demais!

Nelson Guimarães Proença 

Membro da Academia de Medicina de São Paulo, 

Ex-Presidente da Associação Médica Brasileira