Honorável Vô Rói-Rói
Arary da Cruz Tiriba
Bigode, fios branqueados; idade avançada, 4 anos. Das aventuras
sem conta, sobrevivente único. Em seu esgoto par-
ticular, rodeado por adolescentes excitados por ouvi-lo. Acerca do arriscado mundo por eles desconhecido! O da mundanida- de da superficie!
Vô RÓI-RÓI, o tratamento carinhoso dos ratinhos ao velho murideo.
-Digam, meus queridos. Quem? O maior inimigo. Quem?
Plateia em coro. “Miau-Miau”
– Negativo! “Miau-Miau”, nunca! Páreo pra nós, jamais! Bichómem, o inimigo! Maldoso como ele só! CUI- DEM-SE! AS ARMADILHAS! AROMA DE QUEIJO! A ATRAÇÃO COM VENENO MORTAL! Mas, de tão cruel, seu fim será sua autodestruição. Nossa, a persistência biológica! Nossa, a vitória final!
[Cartilha do discurso: perigos que ameaçam a famiglia… enfrentamento com o inimigo… disfarces na cidade… esconderijo na habitação… cautelas a observar…]
-Não se exponham, não sejam primários, ocultem os “caroços de azeitona” que denunciam as tocas!
– Vô! conta mais uma! – reclama a colônia. – Daquelas histórias! Dos super-heróis!
O velho guerreiro cede ante os chichiados dos irrequietos topolinos:
– Vamos lá, a dos branquelos miúdos; a aristocrata criava-os para se exibir com os indefesos. Pendurava-os no pescoço, o colar animado! Socorridos por nossa aliada… guardem este nome, garotos! Nome, sobrenome: “Lépe Tos- pira”, pequenininha, magrinha, aguerrida! A sectária não teme o Bichomem. Pode, até, eliminá-lo. Pois não levou em conta a exibicionista! Sem conversa! Pro espaço com a excêntrica! Quem manda a socialite se exceder? … Rato-catita não está pra gola, pra colarinho, muito menos pra colar! Não se esqueçam, calungos! Se maneirarem com Lépe Tos- pira, a superioridade sobre Bichomem estará assegurada.
-Outra, Vô RÓI-RÓI! Aquela da donzela e do titio Hill Ary Hante.
– Tá bom, tá bom, vou contar…
Desnorteada, apavorada, seminua!!! A donzela pede socorro ao vizinho médico. Ao assentar-se na comua, de dentro dela – pelame encharcado, titio Hill Ary Hante emergiu da latrina, escondeu-se pra rir do que aprontou.
Para o inusitado safari, lá foi o esculápio esculachar o voyeur. Caçada infrutifera, tio arteiro, não quis conversa, deu na pata. O médico nem chegou a recomendar tapa-olhos pro tio trocista nem cinto de castidade pra moçoila. – Vô, verdade? Carne de neném… Que tem de especial?
– DELICIOSA! Tenra, macia, hum! Que sabor! Bichomem, Bichinfante, qualquer tamanho, se não inimigo, hoje, certamente o será amanhã. Portanto, não se arreceiem do berro de neném. Não nos afugentará ao devorarmos o narizinho, a orelhinha, o pipiu. Ora! Se foi largado pela mamãe descuidada, mamadeira ao lado do travesseiro… chamariz irresistivel! E o inverso não é verdadeiro? Do outro lado do mundo o ORIENTAL, morganho, musaranho, viram panelada, iguaria, sabiam?! Bichómem oferece no cardápio “mice” recém-natos para as caranguejeiras! Então, meus queridos, elas por elas!
Vô, que fazer com Bichómem velho, doente, gafeirento?
Indefensos, paraliticos, morféticos? Como lidar com eles? Qual o problema? Incapacitados! Imóveis! Ora! Desprezados pela parentada! … Extremidades insensiveis… melhor ainda! Morder/roer, roer/morder, à vontade, sem hesitar! SEM PARAR!
Com a corda toda o Vô RÓI-RÓI… E continua…
– No paiol jamais interrompam o desjejum. Conselheiro Ratoneiro adverte: “Se o granjeiro enfia a mão no saco de milho, abocanhe-a firme, não solte a mão dele! Quem mandou ser imprudente?”
E emenda outra, o Vô:
– Tio Bizarro cometeu ratice. Entrou na oficina, atacou a costureira que pedalava a Singer, mordeu-a no pé! Não satisfeito, investiu contra as demais artesãs. Contrariou o MANUAL DE AÇÃO em território inimigo, em pleno dia, às claras! … Tio Bizarro bebia, passava da conta. Ou estaria “mamado” ou louco de todo.
E prosseguindo…
– Conhecem a do Hotel Cinco Estrelas?
Porteiro engalanado! Quepe vistoso! Encargo, suplementar, servir desjejum para a turma da madrugada. À abertura do guarda-louça… SURPRESA! Espantava – Mickey families – a chusma dos priminhos Disney. Desjejum do “far- dado”: café com leite, pãozinho quente, aditivado de xixi da tribo, artimanha da nossa Lépe Tospira. Tombou… olhos,
pele, mijação, tudo, tudo, cor de laranja-baia madura.* Morreu pela boca, o galhardão.
Histórias sobre histórias, ninguém segura Vô RÓI-RÓI!
-Ah! Rapazes, a da Avenida, da Paulista famosa! Ali, a concentração da parentada Classe A, chiquê! E obesa! Pudera! No lixo das lanchonetes… nutrientes dando sopa! Não raro, o companheiro pançudo apavora o Bichómem em sua sala ou sobe no edificio – acima do térreo. Pura recreação! Precursor de DOMINGO na PAULISTA!
No hotel de luxo do perimetro, o gringo foi recepcionado – Welcome – no box de banho pelo primo Capiango. Deu no ESTADÃO!
Roda [ainda atenta…] em torno do Vô RÓI-RÓI. Agora, a descrever o Metro…
Bichomem aprendeu a fazer escavação… Com quem? Com quem?! Conosco, ora! Toca deslumbrante, maravilhosa! Noite alta, emudece, um túmulo, medo nenhum! Rataria do mundo inteiro o preto, o cinzento, o albino, o rato-de-bambu, o rato-do-mato, o rato-d’água, o rato-coró, o rato-da-taquara, o rato-de-barriga-branca – caberia na galeria sem fim! EMPRESA nos combate, mas as tubulações e as fiações deixam nossos dentes afiados, vale a pena o risco! Ali, cautela, meninos!
E Vô garganteia. Ouçam! Os episódios Carandiru.
– Operação presidiário 001. O recluso atraiu o meo pra cela dele; queria-o Mestre de Obra para abrir túnel até o outro lado da rua. Mas de graça, sem retribuição, pode?! O parente não se livrava do cativeiro, do trabalho escravo. Designada pelo PCC (PRIMAZ COMANDANTE-CHEFE), Lépe Tospira, ela agiu como de costume: mandou “Pijama Listrado” considerado inconveniente pro beleléu….
Operação presidiário 002. O agente carcerário conhecia em profundidade acontecimentos intramuros do presidio. Pediu sigilo, falou na surdina pra não perder a posição… PSIU!
-… facinora violento atirado na solitária… à noite clamou por socorro… negativo!… jamais enxergaria a luz do dia… na manhã seguinte, dele, só a carcaça… nossos focinhudos demonstraram não temer bandidagem… exterminaram-no… devoraram-lhe as visceras! Da noite pro dia!!! COMERAM-NO EM VIDA!!!
… Ratinhos… so… no oo… len toss… Só os assanhados a pedir mais.
[Afinado, firme, afirmando, o NARRADOR V6 RÓI-ROI]
– Enfermeira retorna pra casa noite avançada, depara-se com nosso irmão dentro da casa. Alarmada, pega da vassoura para castigá-lo. Em rota de fuga, o cinzento entra na banheira de ferro esmaltado. Lá dentro, punido pra valer, espuma sangue pela boca, enfurecido!… Mas escapa da peça, refugia-se sob as cobertas onde dorme o cônjuge! Marido, acorda! Tem um ratão ai, marido!!!
Marido: “Yo se, mujer! Deixa Raton dormir, no é hora de brincar”. [maridinho espanhol, apellido Raton]
Mão da mulher sob as cobertas de “los dos ratones”… tcham-tcham-tcham… hora e vez da tenaz dentária cravada na mão da servidora da saúde! Pendurado! Triunfante, o tetrapatas!… Ódio de parte a parte! Guerra é guerra! Matar ou morrer! La Dona tenta esganar o primo com a outra mão; fracassa, alcança o facão, abre a barriga do sócio, assassina-o! Surpresa! Não é sócio, é sócia! Doze pares de mamas, gênero feminino, barrigada! Pejada! Ninhada! 14 crias! [microcesárea, aborto polirraticida – Nota Prévia à Sociedade de Ginecologia e Obstetricia Murina]
Fêmea tão valente jamais se viu! Não fugiu à luta… Vô RÓI-RÓI compareceu ao funeral da companheira Rhataz Ana… Grávida, mas como defendeu a prole!
Mulher de Raton também se deu mal. Dramático o confronto!… Susto, sangue, SUS, soma: sofrimento, só… Ratona ou Bichomem/mulher- fêmeas mais briguentas que os varões! Sobretudo em defesa da prole!
ronc… ronc… ronc…
…e Vô RÓI-RÓI não para…
– Como agir nas enchentes? Sabemos nadar, mas não somos peixinho de aquário para viver embaixo d’água. Nosso alo- jamento ficou inundado? Resta o refugio dentro da habitação do Bichómem. Incompatibilidade com morador? E dai? Se nos rechaçam… Reagir! Atacar! Morder pra valer! CRAVAR DENTES!
ronc… ronc… ronc… ronc…
-Sabem, vocês, quantos somos? Adianto-lhes o recenseamento anunciado pelo ITAPEAR (Instituto Tales, Pitágoras e Aristóteles), e-mail <i.tapear@rataria.com.br>. Nossas patas rigorosamente contadas, uma a uma; ao resultado, acrescentado número de caudas. Da divisão por cinco: milhões, bilhões, trilhões!!! População da confraria pauliceica! Supera Bichomens!
ronc… ronc… ronc… ronc… ronc…
Vô RÓI-RÓI sob empolgamento [apenas dele]
ROER, ROER, meu primeiro e grande objetivo, crianças… journey to the Center of Earth, atingir o EXTREMO ORIENTE! Estou de partida pr’aprender a rastejar de ponta-cabeça, là pelo Japão! Sonho antigo prestes à realização! Mas, se não voltar, eu, RÓI-RÓL, deixo instruções. “MENINOS! Não deixem esfriar a aliança com os primos silvestres. Nós — urbanizados -, associados à urinosa Lépe Tospira… mais os primos campesinos, aliados ao fecalino gringo Hantan Vee Russ, juntos, constituiremos sorrateiro exército contra o pretensioso Bichómem. Se ousar enfrentar membros do clã ratinheiro, que se cuide! Bandeira cinzenta, nossa flâmula! Representa a ação subterrânea de nossa seita. Nossas células
continuarǎo camufladas, blá-bla-bla…”
– VIVA nosso xixi! VIVA nossa caca! Nossas armas, nossos dentes! VIVA nossa poderosa arcada canina! Amiguinhos! VORACIDADE! AGRESSIVIDADE!
A essa altura, primeira-dama Rhat O’Nice, tom suave, porém… categórico:
–RÓI-RÓI, meu querido! Facção cochilando! Para de fabular! Dia clareando, meo! O toucinho rançoso molhado no chá de que você tanto gosta antes de roncar, esfriando, amor! Anda! Já! Já! Pro escuro! Pra dentro da canalização!
Qualquer semelhança com a realidade
é mera coincidência.
Arary da Cruz Tiriba
Médico infectologista e sanitarista, Professor Titular
de Doenças Infecciosas e Parasitárias (aposentado,
em atuação voluntária na UNIFESP/Escola Paulista
de Medicina), Emérito da Academia de Medicina de São Paulo