120 anos, por Acad. Jenner Cruz
Fui tesoureiro, por muitos anos, da Regional de São Paulo da Sociedade Brasileira de Nefrologia, antes de se chamar Sonesp.
Deixei de sê-lo porque resolveram proibir que eu renovasse a minha candidatura. Não sei se foi por alguém de espírito renovador ou porque eu era muito rigoroso com os inadimplentes. Aqueles que atrasavam o pagamento recebiam cartas mensais até que saldassem o seu débito.
Naquela época, por minha iniciativa, fazíamos reuniões científicas mensais em diferentes serviços paulistanos e também em Campinas, com o professor doutor Antonio Carlos Leitão de Campos Castro.
Foi dessa forma que vim a conhecer o doutor Walter Pinheiro Nogueira, Fundador do Departamento de Hipertensão Arterial e Nefrologia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia da Cidade de São Paulo, responsável pela organização das reuniões daquele instituto.
Em março de 2010, o Suplemento Cultural da APM publicou um interessante relato (A melhor idade) sobre um paciente com 120 anos de idade.
Há algum tempo, li que, quando nascemos, temos capacidade de viver 120 anos e só morremos antes devido a doenças, estilo de vida, tabagismo e outros acontecimentos. Esse articulista previa que, com os transplantes e os novos medicamentos, aqueles que já existem e outros por vir, poderíamos chegar aos 150 anos.
Quando eu comecei a tratar pacientes, ainda como acadêmico de Medicina e antes do aparecimento dessas drogas maravilhosas, há 60 anos, aos poucos notei que os pacientes que atingiam 100 anos de idade eram magros, tinham hipotensão essencial, isto é, mantinham a sua pressão arterial em aproximadamente 90/60 mmHg até idade muito avançada, sem nenhum sintoma. Não eram diabéticos e tinham colesterol baixo. Nenhum deles tinha sido um grande atleta, embora sempre se mostrassem ativos física e intelectualmente. Um indivíduo não precisa ser um Einstein, pode até ser um analfabeto, mas precisa saber usar o seu cérebro diariamente.
Nessa época, tomei conhecimento do trabalho de dois médicos norte-americanos, Robinson e Brucer, publicado em 1939, que concluía que a pressão arterial normal era aquela que ficava entre 90 a 120/60 a 80 mmHg, e eu, paulatinamente, passei a tratar os meus pacientes com esse objetivo, bem como a ensinar aos meus alunos de Medicina na Universidade de Mogi das Cruzes. Quando eu mencionei isso em um Congresso da Sociedade Brasileira de Hipertensão Arterial, fui formalmente contestado, para não dizer tudo o que falaram e pensaram.
Infelizmente, a maior parte dos autores médicos no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos não pensava do mesmo modo. Estabeleceu-se, de forma empírica, o nível de 140/90 mmHg como valor normal para adultos, acreditando-se que, para os idosos, esse valor deveria ser mais alto.
Felizmente, em 2003, o 7th Joint, do US Department of Health and Human Services, reunindo 73 especialistas em tratamento da hipertensão arterial norte-americanos de diferentes centros e universidades, colocou um ponto final no assunto: pressão arterial normal é aquela inferior a 120 mmHg de máxima e a 80 mmHg de mínima.
Foi uma gritaria geral, quer no Brasil, quer na Europa. Parece que, lentamente, eles estão caindo em si e aceitando esses novos níveis.
Graças aos novos medicamentos, combate ao tabagismo e outras medidas salutares já estamos vivendo mais.
Em 2008, os jornais noticiaram que havia nos Estados Unidos quase um milhão de pessoas com mais de 90 anos de idade, e, no Brasil, o Instituto Nacional de Seguridade Social informava que 159 brasileiros com mais de 110 anos de idade estavam vivos e recebendo aposentadoria! Isso sem contar aqueles que não estavam cadastrados no INSS.
Porém, hoje é diferente, pois a maior parte dos que vivem mais de 100 anos são “gordinhos”, embora costumem emagrecer quando estão prestes a falecer.
Os jovens devem ser magros: isso, além de ser mais saudável, é muito bom para a nossa autoconfiança e vida amorosa. Ao nos olharmos em um espelho, temos de ficar contentes com o que vemos, mas, aproximadamente aos 50 anos de idade, coincidindo com o início da menopausa no sexo feminino, sofremos uma série de transformações em nosso corpo e tendemos a engordar um pouco. A obesidade, a partir dessa idade, não costuma ser patológica, desde que não seja exagerada.
Acredito que nem toda obesidade é fatal por si só.
Provavelmente, as grandes obesidades, como a obesidade mórbida, índice de massa corpórea superior a 40, devam constituir um risco cardiovascular independente, isto é, podem matar independentemente de outros fatores. Contudo, em um paciente não diabético, sem a síndrome de resistência à insulina, o limite para se considerar uma obesidade perigosa, estando todos os outros fatores de risco normais, ainda não está cientificamente determinado.
Alguns meses antes de chegarmos a falecer de uma causa natural, em idade muito avançada, começa-se a emagrecer, o organismo entra em catabolismo e não consegue mais aproveitar adequadamente o que é ingerido.
Recentemente, em Mogi das Cruzes, em um simpósio, o professor doutor José Osmar Medina Pestana, médico do Hospital do Rim em São Paulo e professor titular da Escola Paulista de Medicina, na qual se faz atualmente mais transplantes renais por ano em todo o mundo graças à sua atuação, falou que o sonho de fazermos um rim novo para um paciente cujos rins deixaram de funcionar, utilizando as células do próprio doente, deveria demorar cerca de 30 anos para acontecer.
Foi pelo professor Nils Alwall, presidente da Sociedade Internacional de Nefrologia, de 1975 a 1978, que, pela primeira vez, eu soube que em algum dia esse sonho seria possível.
Conheci, quando criança, o professor doutor José Barros Magaldi, à época estudante de Medicina e colega de um tio meu. O professor Magaldi, que era um excelente cardiologista e clínico geral, além de pesquisador, foi convidado pelo também professor doutor Luiz Venere Décourt para assumir a chefia do Grupo de Nefrologia da 2ª Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que ele criara.
Posteriormente, as duas Nefrologias, da 1ª e da 2ª Clínica Médica, se uniram e passaram a constituir uma Disciplina Autônoma. Nessa ocasião, o professor Magaldi passou a ser meu chefe, uma vez que eu pertencia à 1ª Clínica Médica.
Um dia, ele nos contou qual pesquisa experimental estava fazendo, bem como relatou que, quando se corta uma minhoca exatamente no meio, as duas partes se reconstroem e viram duas minhocas. Contou também que, quando se corta o rabo de uma lagartixa, este volta a crescer e fica exatamente como era. Eu nunca cortei uma minhoca em duas, mas já vi na minha casa algumas lagartixas com o rabo cortado, as quais, depois, apareciam com o rabo íntegro. Nunca soube se era o mesmo animal.
No homem, a reconstrução é muito menor, mas, mesmo assim, quando se corta o dedo, por exemplo, sem decepá-lo, o organismo refaz a parte cortada exatamente como era. Em algumas pessoas, em geral nas negras, o reparo pode ser exuberante, o que faz aparecer o tecido queloide, formando uma cicatriz. Eu tinha uma cicatriz no dedo mínimo da mão esquerda, que foi sumindo até desaparecer totalmente. Logo, tanto o nosso organismo quanto o daqueles animais devem fabricar substâncias responsáveis por essa reconstrução. E o professor tentava descobrir o processo em que se davam esses mecanismos ou essas substâncias.
Agora estão na “moda” as células-tronco embrionárias, células totipotentes capazes de fazer um rim, um coração, ou seja, órgãos responsáveis, a partir da união de um óvulo com um espermatozoide, pelo surgimento de um indivíduo completo.
Há muitos anos, quando eu era médico chefe da Superintendência de Águas e Esgoto da Cidade de São Paulo, que mais tarde viria a ser Sabesp, conversando com um de seus engenheiros fui agraciado com sua observação: ele falou que admirava os médicos, pois estes, quando descobrem algo, correm para difundir o seu achado, enquanto os engenheiros, por exemplo, fazem o contrário, ou seja, tratam de escondê-la a sete chaves, para usufruírem monetariamente de sua descoberta.
No mundo, em vários países, existem pesquisadores tentando descobrir como fazer um rim novo utilizando células de um paciente com doença renal crônica terminal. Eu acredito que esse fato ocorrerá mais cedo do que se pensa, e não teremos de esperar 30 anos.