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Século XVII Aurora da Liberdade Científica, por Acad. Nadim Farid Safatle

23.10.2010 | Tertúlias

FUNDAÇÃO DAS ACADEMIAS.

No início do século XVII grave crise econômica assolava a Itália com as descobertas marítimas de Colombo e outros grandes navegadores. O poder de Veneza e Gênova começou a diminuir. A Espanha era tomada pela guerra de sucessão e a Alemanha pela dos Trinta Anos. Enquanto isso, a Holanda e a Inglaterra aumentavam seu poder marítimo a medicina ocupava grande espaço.
Entre muitos despontava Sir Isaac Newton (1642-1727), grande cientista e matemático inglês.
Newton e Leibniz desenvolveram independente e simultaneamente o Cálculo (processo matemático indispensável ao progresso científico).
Indagado sobre suas descobertas, disse:
-se consegui ver mais longe do que outros seres humanos é porque subi em ombros de gigantes.
-não sei que aspecto tomo aos olhos do mundo, mas, para mim tenho a impressão de ter sido uma criança que brinca a beira-mar e se diverte em descobrir um seixo mais liso ou uma concha mais bonita que as outras, enquanto que o imenso oceano da verdade permanece misterioso perante meus olhos.
William Gilbert (1544-1603), médico e físico inglês. Em 1573 estabeleceu-se em Londres onde galgou os degraus da fama como médico. Presidente do Colégio de Medicina em 1600. Foi considerado por Galileu com o criador do Método Experimental.

Os filósofos se caracterizavam por serem orientadores de uma época pioneira e constituíam figuras importantes na medicina. Muitas foram as descobertas desse século que demonstravam a excelência de dois princípios:
– que a natureza deve ser estudada diretamente e sem hesitação.
-que as lendas e superstições devem ser desprezadas e varridas os dogmas de modo a criar o novo espírito de investigação e crítica objetiva.
A época foi de grande individualismo na medicina, com grandes descobertas.
Galileu Galilei (1564-1642), astrônomo e físico italiano. Em 1609 inventou o telescópio após ter conhecimento da descoberta do oftalmologista holandês Hans Lippershey (1587-1619) que a utilizava para as batalhas. Galileu, por vez, construiu um tubo voltado para céu com aumento de 32 vezes. Invertendo as posições passou a examinar os insetos.
No Saggiatore Galileu fala deste instrumento, dado o nome de “microscópio” pelo naturalista Faber, membro da Accademia dei Lincei.
Galileu foi o primeiro a estabelecer as bases do método experimental. Afirmou a necessidade de se fazer exames a luz da ciência e a de reproduzir experimentalmente os fenômenos conhecidos, cientificar-se de suas causas e de sua explicação:
-A natureza está escrita em símbolos matemáticos.
A medicina prática não fez grandes progressos, seguindo a direção dada pelos grandes matemáticos e anatomistas da Renascença em espírito de liberdade.
A medicina impulsionada pelo movimento filosófico se preparava para penetrar-nos mais íntimos segredos da vida. Havia relação direta com a experimentação.
René Descartes, filósofo e matemático francês (1596-1650). Por ser o latim a linguagem dos cultos assinava suas obras como Renatus Cartesius, e o movimento filosófico criado por ele como cartesianismo. O idioma francês ia substituindo o latim na linguagem universal, porém, expressou em latim:
-Cogito, ergo sum (penso, logo existo).
E por isso, é considerado com justiça o pai da filosofia moderna.
A existência de um fato duvidoso, portanto, ter uma dúvida, significava a própria existência.
Descartes tinha vasto conhecimento da matemática, ciências naturais e também, da anatomia e fisiologia. O seu livro De Homine(1662) foi considerado o primeiro texto de Fisiologia.
Giambatista Della Porta (1540-1615), o pioneiro da ótica, da câmara-escura e da luneta. Foi fundador da Academia dei Segreti, 1560. Demonstrou que a visão não era devida a raios que partem dos olhos e, sim dos que neles penetravam.
A Anatomia já vinha com grandes descobertas no século anterior:
Andreas Vesalius (1514-1564), anatomista flamengo. Descendia de uma grande linhagem de médicos originária de Wesel, daí seu sobrenome.
Foi cirurgião militar no norte da Europa e grande era sua vocação para dissecar, na época não bem visto.
Encontrou na Itália Renascentista mais liberdade intelectual. Ensinou anatomia nas Universidades de Pavia, Bolonha e Piza.
Como Mondino de Luzzi (1275-1326) reabilitou o uso pessoal de dissecar.
Fez reproduções anatômicas em desenhos e ocupou a corte de Carlos V e Felipe II da Espanha como médico.
Condenado por roubos de cadáveres e disseca-los foi condenado à morte, porém, devido seu prestígio, revogado.
Morreu de naufrágio em navio quando voltava da peregrinação na Terra Santa.
Gabriel Falópio (1523-1562), anatomista italiano sucedeu na cátedra Vesalius. Fez descrições do ouvido interno e dos órgãos reprodutores (trompas de Falópio)
Voltando ao século XVII, William Harvey (1578-1657), médico inglês fez estudos na escola médica de Pádua, na época a mais famosa do mundo e graduou-se em Cambridge. Estudou, em particular o coração e os vasos sanguíneos. O coração é uma bomba que contrai e empurra o sangue para dentro das artérias; as válvulas que separam as câmeras superiores e inferiores (aurículas e ventrículos) somente permitem a passagem do sangue em uma só direção.
Descreveu com minúcia o comportamento do sistema circulatório em circuito fechado do coração para as artérias e destas para as veias que voltavam para o coração.
Publicou um livro: Exercitatio de Motu Cordis et Sanguinis (A propósito dos movimentos do coração e do sangue). Contudo, não sabia explicar como o sangue arterial passava para o venoso.
Aí entrou Marcello Malpigui (1628-1694), fisiologista italiano, fundador da Ciência da Anatomia dos Tecidos. De posse do microscópio desenvolvido pelo seu amigo Kepler e seu jovem assistente Torricelli descreveu os capilares. Aos 28 anos já era professor da Universidade de Piza. Foi duramente atacado pelos opositores às suas idéias pelos adeptos da teoria de Galeno. A luta foi tão violenta que em 1689 foi assaltado por dois companheiros de universidade. Passou seus últimos anos em Roma sob proteção de Inocêncio XII, fazendo dele seu médico.
Fez estudo profundo dos nódulos linfáticos (corpúsculos de Malpigui) e nos rins (glomérulos de Malpigui);
Um dos fatores mais importantes do pensamento científico desse século foi a criação de várias academias.
A necessidade de demonstrar suas experiências e descobertas e o desejo de torná-las públicas dentro da comunidade científica criaram-se as academias.
Literalmente a palavra “academia” começou a ser empregada em meados do século XV, na Itália e no início do século XVI, na França para designar as reuniões de.
Intelectuais humanistas realizadas com regularidades e animadas por sábios eminentes.
Frequentemente essas academias se contrapunham às universidades, como centro da vanguarda filosófica e literária, científica. A academia de Lincei a mais antiga, fundada em Roma pelo príncipe Cesi em 1603, em virtude da figura de um lince como símbolo da acuidade visual.
A difusão deste amor pela pesquisa científica e o desejo de trocar idéias literárias e médicas fez com que surgissem sociedades onde os cientistas e os aspirantes pudessem colher dados e comunicar os resultados de seus trabalhos.
Assim, 1622 foram fundadas em Rostok a Societas Ermeneutica com pouca duração. Em 1635 Académie Française fundada pelo cardeal Richelieu. Em 1652 na Alemanha o Collegium Naturae Curiosorum.
Em 1648, sob Ferdinando II, grão duque da Toscana lançou-se os alicerces da famosa Academia Del Cimento (Academia de experimentação) que definitivamente organizada pelo príncipe-cardeal Leopoldo da Toscana em 1657. O próprio cardeal que fez experiências de física era membro da academia que se reunia no palácio do grão duque. Esta Academia foi o ardor científico que iluminou a Itália nesta época. Esta Academia foi generosamente apoiada por Leopoldo e exerceria indubitavelmente influência decisiva no desenvolvimento científico na Itália se não tivesse sido dissolvida pelo príncipe em 1667.
A criação de novas Academias se expandiu pelo continente: em 1662 a Royal Society of London recebeu seus estatutos das mãos de Carlos II. Dois anos mais tarde começou a publicar suas Philosophical Transactions que continua até agora a ser uma das revistas científicas mais reconhecidas do mundo. Ationgium um padrão tão alto publicando comunicações de cientistas de destaque da Europa como Malpighi e
Leewenhöck.
Em 1665 a Académie des Sciences da França fundada por Colbert, começando suas publicações em 1699.
Seguiram-se muitas outras como a de Brescia, Bolonha, Dublin e Berlim que se tornaram o centro de atividade científica. Pela primeira vez na história, o trabalho experimental aproveitava da colaboração inteligente e cordial de homens que trabalhavam em vários campos do conhecimento.
Na história da ciência as academias completavam a obra das universidades no período do Renascimento e preparavam o caminho para os laboratórios das escolas modernas.
Finalmente, couberam as academias através das publicações dos relatórios de suas reuniões darem origem aos primeiros jornais científicos. O primeiro destes foi o Journal des Sçavants (Paris, 1665).
Na última metade do século XVII este movimento literário foi um fator importante no desenvolvimento da ciência médica.
A principal característica desse século foi que a ciência tornou-se experimental, a medicina acompanhou a filosofia porque a própria filosofia dirigiu-se para a natureza, a fim de seguir as ciências naturais, a química e a física. A crítica objetiva e a colaboração tornaram-se indispensáveis. A necessidade de se comunicar e divulgar suas descobertas com outros cientistas e de trocar opiniões fez com que nascessem as academias e as revistas científicas
Durante a Renascença a ciência fora especialmente neolatina com instrução científica organizada. Mas século XVII em todos os paises civilizados esta colaboração dos cientistas tomou uma feição decisiva e característica com aumento dos intercâmbios.

“Foi numa época em que havia numerosos médicos cientistas, mas não havia medicina científica”.
Teve início a internacionalização dos conhecimentos: o trabalho de Robert Boyle foi conhecido na Itália quase tão cedo quanto na Inglaterra. Malpigui tornava-se popular não só em Bolonha como em Londres. Harvey anunciava suas descobertas simultaneamente em Flandres, na Inglaterra, na Alemanha e por toda a Europa.
Foi Thomas Sydenhan (1624-1689) que teve o grande mérito, fiel aos princípios de Hipócrates de reconhecer a necessidade de voltar ao leito do paciente e a observação clínica. Descreveu a coréia de Sydenhan (dança de São Vito).
Na Itália, Georgio Baglivi, 1696 escreveu de praxe medica foi profundo observador clínico:
-que o moço saiba que nunca achará livro mais interessante e mais intuitivo do que o próprio doente.
Robert Boyle, físico e químico inglês (1627-1691). Propunha a tese de que todos os trabalhos experimentais deviam ser divulgados a fim de que outros pudessem repeti-los, confirma-los e deles obter benefícios. Desde então, tornou-se um dogma da pesquisa científica. A interferência dos interesses industriais e bélicos agia no sentido contrário.
Aselli (1622) descreve os linfáticos.
Jean Peaguet (1622-1674), o canal torácico.
Francis Glisson (1597-1677) estudou a anatomia do fígado e descreveu sua cápsula.
Thomas Wharton (1614-1673), o canal da glândula maxilar.
Nills Stenon (1638-86), canal da parótida.
J.C.Brunner, as glândulas duodenais.
J.C.Peyer, placas no intestino.
T.Kercking (1670) válvulas coniventes
Johann G.Wirsung (1600-1643), canal pancreático
Ruysch, anatomista injetou corante nos vasos
Cowper, glândulas uretrais
Antoni van Leewenhoech (1632-1723) lentes simples e convexas
Nichols Tulp (1593-1674) aula de anatomia por Rembrant.
Reniegner de Graaf (1641-1673), descreveu os órgãos de reprodução.
Isaac Newton-lei da gravidade
Johann Kepler- o movimento dos planetas
Pascal-a pressão barométrica
Evangelista Torricelli-barômetro
Thomas Sydenhan (1624-1689) teve grande mérito, fiel aos princípios de Hipócrates de reconhecer a necessidade de voltar ao bom senso e, métodos práticos. Trouxe ele a observação clínica e a experiência pessoal.
M.Aurelio Severino na cirurgia (1580-1656) Traqueostomia nas difterias.
Pierre Dionis , em Paris (faleceu 1718) foi cirurgião da Casa Real da França e fundador da Academia Real de Cirurgia- litotomia

Prof.Arturo Castiglioni, Prof. Da Universidade de Pádua em 1947 diz:
A difusão da cultura médica tornou-se cada vez mais extensa, a troca de conhecimentos se tornou internacional, o pequeno número de homens corajosos tornou-se, com o tempo, um grupo maior, e finalmente uma multidão formidável contra a qual não conseguiram prevalecer as artes do inimigo. Assim, no fim deste século, quando a cooperação da medicina e das ciências naturais se estava acentuando, já vemos o esboço dos traços essenciais do grande edifício da ciência médica experimental. Já várias especialidades começavam a se destacar do tronco principal. A cirurgia tornou-se uma arte comparável, em dignidade, à medicina. A anatomia, retirada das mãos dos cirurgiões barbeiros, tornou-se uma ciência exata sob a qual os médicos se apoiavam respeitosamente. A higiene, a saúde pública e a medicina legal codificaram seus princípios; a obstetrícia, a oftalmologia e a odontologia tornaram-se disciplinas organizadas sobre bases científicas. Finalmente, ao lado das universidades surgiram as academias que foram o berço das futuras sociedades científicas do mesmo modo que os primeiros jornais literários fundados neste século tornaram-se os precursores dos jornais científicos.
Aqui temos uma larga preparação para a medicina moderna. Fazia-se sentir a necessidade de substituir os sistemas inadequados de medicina por outros que pudessem incorporar todas as descobertas, investigações científicas do século e fossem mais capazes de explicar os problemas biológicos e patológicos do futuro.