Uma nação: um contrato social
Nelson Guimarães Proença
Um povo disposto a se unir, buscando formar uma Nação, deve estabelecer primeiro seu Contrato Social. E o Contrato Social tem de conter, de modo expresso e claro, acessível à compreensão de todos, os princípios básicos que lhe deram origem.
Assim foi, desde sempre. Os regimes instituídos de baixo para cima, através dos séculos, que se propunham a unir um grupo humano, sempre procuraram garantir segurança e bem-estar, a cada qual e a todos os que iriam conviver.
A ruptura do Contrato Social, vinda de governantes que apenas temporariamente estavam encarregados de zelar pelo respeito aos princípios nele contidos, exigiu no passado a mobilização do Povo e a convergência da Nacionalidade, buscando unificar ideias e concentrar energia. Energia e ideias são premissas necessárias para que se torne possível alcançar um novo equilíbrio social.
A História de nosso Brasil tem alternado momentos de grande participação popular, com momentos que se originaram no âmbito dos que detinham o poder que emana da força. Houve momentos críticos que exigiram atitudes corajosas e decisivas, no seio da população, permitindo encontrar novos caminhos e superar tensões que eram então vividas por toda a Nação. Mas tivemos também momentos em que foi implantado um poder discricionário, menos identificado com a população brasileira.
Estamos vivendo hoje – neste ano de 2017 – um novo momento crítico da História de nosso País. Há mudanças que precisam ser feitas. Mudanças urgentes e profundas. Por onde começar?
Trata-se apenas de aprovar algumas leis que, ao menos temporariamente, tragam algum reforço à abalada estrutura, do País?
Se a resposta a esta pergunta for “SIM”, basta solicitar aos atuais membros do Congresso Nacional que demonstrem sua preocupação com a profunda crise que vivemos e que aprovem algumas medidas paliativas. Há várias delas já postas sobre a Mesa, aguardando a votação. Sua aprovação ajudará a retardar, por algum tempo, o desabamento da estrutura política-econômica-social do Brasil.
Se a resposta for “NÃO”, se for “vamos parar com os remendos”, é preciso ir mais ao fundo das questões que estão em debate. É preciso procurar o ponto de origem, a raiz dos problemas que estamos vivendo.
Questões de raiz exigem que o debate seja colocado diante de uma imensa plateia, que é formada pela população brasileira. Aberto um debate, há um ponto em que teremos uma manifestação unânime: os políticos brasileiros já não representam os eleitores, pois muitos deles colocaram para si mesmos, como alicerce da relação governantes/governados, o binômio corrupção/propina.
Significativa parte da chamada “classe política” tornou habitual, corriqueira, diz até que é coisa compreensível e aceitável a prática criminosa de desviar os recursos que todos nós entregamos ao Poder Público, sob forma de impostos. Desviar para si e para grupos de assaltantes, estes dizendo fazer parte da “iniciativa privada”.
O QUE FAZER?
Quanto ao combate à degeneração criminosa desta parcela de políticos e de saqueadores, trata-se de exigir sua exemplar punição, com todo o rigor da Lei, penso que aqui todos estão de acordo.
É preciso reconhecer que muitos dos que debatem a crise de hoje entendem que basta proceder a tal punição que esta seria a medida suficiente para restabelecer a confiança do povo brasileiro no seu sistema de governo. Mas será mesmo que basta punir criminosos para que tudo retorne à normalidade?
Discordo! Isto não basta! Explico minha opinião.
Acompanhei de perto toda a tramitação da Constituição de 1988, desde a sua origem até a sua aprovação final. Na época, eu era o Presidente da Associação Médica Brasileira, a AMB. Naqueles anos, nossa Diretoria, juntamente com os que representavam o Conselho Federal de Medicina e a Federação Nacional dos Médicos, também com representantes de Sociedades Médicas de especialidades, estivemos presentes – muito presentes – no decorrer da tramitação. Atentos ao que se discutia e, tanto quanto possível, participantes. Afinal, uma ativa presença era o que os médicos esperavam de nós, seus representantes.
O QUE VIMOS, O QUE ACONTECEU?
A Constituição de 1988 foi elaborada, discutida e aprovada sob pressão dos representantes de sindicatos, de associações classistas, dos chamados movimentos populares. Todos procuraram incluir no texto final privilégios para seus representados. Os grupos mais atuantes conseguiram o que desejavam e, diga-se de passagem, com destaque para os que representavam o funcionalismo público.
Para acalmar os que não se sentiam suficientemente privilegiados, prometia-se que seriam atendidos depois, por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional, uma PEC. Destaque-se novamente: isto realmente aconteceu, alguns grupos que não puderam ser privilegiados no texto da Constituição foram privilegiados depois, por meio de PECs.
Isto precisa ser recordado, compreendido e devidamente avaliado, também é necessário refletir sobre sua importância na provocação de suas atuais consequências. A Constituição de 1988 está repleta de decisões que não legislaram para o povo brasileiro; legislaram, isto sim, para interesses corporativos.
O resultado, qual foi? Não foram criados no Brasil os fundamentos que deveriam alicerçar a República Democrática do Brasil, baseada em princípios que a todos se aplicam. O que se implantou foi a República Corporativa do Brasil, que contempla grupos melhor organizados, que pressionam mais.
Hoje são muitos os que reconhecem que, ao lado da preo-cupação em punir os que roubaram o povo brasileiro, há esta outra questão, também fundamental: dar fim a privilégios. É preciso rever a Constituição Brasileira para assegurar, em seu texto, os mesmos direitos e os mesmos deveres para toda a cidadania.
Nelson Guimarães Proença
Ex-Presidente da Associação Médica Brasileira,
Ex-Presidente da Associação Paulista de Medicina e Membro da Academia
de Medicina de São Paulo.
FONTE: Revista APM – Suplemento Cultural – outubro de 2017 – nº 295