Política Não É Profissão
Nelson Guimarães Proença
Já dissemos que é preciso ir ao fundo para buscar e encontrar as raízes da Democracia.
Vamos então retornar a um passado mais distante, recordando o ano de 1787, quando se reuniram na Filadélfia, Pennsylvania, os fundadores da Democracia Norte-Americana. Sob a liderança de George Washington, votaram os pontos básicos que a ela deram alicerce, seus princípios aprovados permanecem válidos até nossos dias e fundamentaram também as modernas Democracias no mundo todo.
Foram poucos e precisos esses princípios, que deram raízes à Democracia, procurando estabelecer condições de igualdade de oportunidades para todos. Para todos aqueles que compõem o corpo social.
Igualdade no voto.
Igualdade nos Deveres.
Igualdade nos Direitos.
Na Democracia, escolhidos por eleição direta os que terão a responsabilidade de a todos representar, não podem os eleitos perder de vista o significado principal desta representação. Estarão falando sempre – obrigatoriamente – não apenas em seu nome, ou em nome de familiares e amigos, mas em nome de todos os seus representados. Nunca poderão perder de vista os direitos e os deveres, exigíveis e aplicáveis a todos os que compõem a Nação, inclusive e sobretudo, a si mesmos, os eleitos.
Compreender as necessidades do Corpo Social e encontrar caminhos que contribuam para atendê-las: eis a razão, a essência, o objetivo da Democracia.
Estabelecer privilégios que beneficiem alguns, em prejuízo de muitos, é a negação da Democracia.
Buscar a igualdade para todos e estabelecer privilégios para alguns são condutas incompatíveis entre si.
Tornou-se inesgotável a multiplicação de setores corporativamente organizados, levando ao surgimento do conceito de lobby, ao qual cabe organizar as pressões sobre os que detêm o comando das Instituições do país. Os lobbies atuam, buscam e conseguem benefícios, vantagens e privilégios para os grupos que representam. Sua atuação não tem limites e realmente envolve os que compõem a representação política.
Até aqui, temos sido cuidadosos na seleção das palavras, falando em “representação” política e não em “classe” política. Mas, quando analisamos melhor o cenário político brasileiro, constatamos que existe, sim, uma “classe política”. A “classe política” é composta, em sua absoluta maioria, por representantes dos interesses de grupos e a estes procura recompensar, concedendo-lhes benefícios e privilégios.
A “classe política” atua junto às Instituições Públicas e delas consegue arrancar os recursos que beneficiam – e até mesmo enriquecem – os grupos que representa.
Recursos públicos! Os recursos são públicos e quem os origina é o conjunto da população que trabalha, que luta, que se esforça, que cria a riqueza nacional.
Mas, e seu destino? Como são aplicados os recursos públicos? Hoje, no Brasil, grande parte do fruto do trabalho de todos é apropriada somente por alguns. O cenário é cada vez mais assustador, pois, no Brasil, a apropriação criminosa do produto nacional atingiu seu ponto mais alto, pois a prática do lobby foi complementada pela mais escancarada corrupção do Poder Público.
São hoje em menor número as pessoas que se dedicam à Política obedecendo aos princípios da Moral e da Ética, e, ao contrário, são incontáveis os que se dedicam a saquear os cofres da Nação. A atuação dos corruptos e dos corruptores está nos levando rapidamente para um grande desastre social e econômico, colocando em risco a paz e a estabilidade que todos desejam para o Brasil.
O que fazer? Temos de buscar a resposta indo às raízes dos problemas. É certo que, por esta procura de raízes, irão nos chamar de “radicais”. Que nos chamem assim, pois, de fato, é preciso ir às raízes da discussão.
Procuro agora contribuir para a discussão radical, pois julgo necessário destacar de modo claro algumas medidas que são imperativas.
Primeiro lugar
Política não é profissão!
O conjunto da população, com seu voto, escolhe seus representantes, mas os escolhidos não são profissionais. São representantes transitórios, com prazo determinado para cumprir sua missão, podendo e devendo ser depois substituídos.
Para não criar “profissionais” da política, para assegurar a constante renovação dos representantes, é preciso que os eleitos não possam repetir por mais de duas vezes o mesmo mandato. Isto já está aceito – e vigente – para os cargos do Poder Executivo: Presidência da República, Governo dos Estados, Prefeituras Municipais. Agora, chegou o momento de estender esse impedimento também para os cargos legislativos, sejam eles de esfera federal, estadual ou municipal: Congresso Federal, Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais.
Segundo lugar
O período de atividade no Poder Legislativo não precisa se estender por mais de dois meses em cada ano. Um mês para as Comissões Legislativas é quanto basta para que elas possam analisar Projetos de Lei, dando seus pareceres. Outro mês para as Sessões Plenárias discutirem, emendarem, aprovarem, rejeitarem Projetos constantes de sua pauta.
Nos dez meses restantes do ano, os eleitos devem voltar às suas origens e às suas profissões, ao cotidiano de suas vidas e à militância partidária, em suas regiões, convivendo e ouvindo seus representados.
Terceiro e importante ponto
Não há nenhuma razão que justifique a concessão de copiosos salários mensais para os eleitos, para os que irão cumprir sua atividade somente por dois meses em cada ano. Durante o período de atividade legislativa, é justificável, sim, uma justa reposição que cubra suas despesas. Mas, no restante do ano, isso não se justifica, pois Política não é profissão, todos estarão de volta às respectivas profissões. Mais importante ainda: não se justifica a montagem de gabinetes caríssimos e desnecessários, à disposição de cada eleito. Nos dois meses de atividades legislativas, um grupo limitado de funcionários basta, eles podem ser funcionários públicos provisoriamente comissionados nos Legislativos.
Quarto ponto
É importante que cada representante eleito continue a recolher a contribuição previdenciária que sempre recolheu, garantindo sua futura aposentadoria. Mas que se aposente na sua profissão, não como “político profissional”.
Todas essas considerações são evidentemente radicais. Descem às raízes dos problemas que hoje nos afligem, sobretudo aos problemas decorrentes da corrupção institucionalizada. Corruptos e corruptores costumam dizer que: “– Sempre foi assim e assim continuará a ser”. Completam de modo cínico: “– O que não pode é desviar dinheiro demais”. O povo não aceita essas afirmações, não aceita que temos de nos conformar, que isto é algo que não pode ser evitado.
Em decorrência de uma nova forma de se fazer a representação política, é claro que todos irão perguntar: se os eleitos não são profissionais, à política sempre inteiramente dedicados, como irá então se formar a opinião pública?
Aqui entra a questão da busca da convergência de opiniões. Ela necessariamente deve ser estimulada por intermédio de partidos políticos, realmente representativos do conjunto social.
Mas essa já é uma outra discussão.
Nelson Guimarães Proença
Membro da Academia de Medicina de São Paulo, Ex-presidente da Associação Médica Brasileira e Ex-presidente da Associação Paulista
de Medicina.