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A decadência da psiquiatria IV (o problema da propaganda), por Acad. Guido Arturo Palomba

20.03.2012 | Tertúlias

O último jornal de importante associação brasileira destinado à classe médica psiquiátrica publicou, sem rebuços, a preocupante notícia de que recentemente, em congresso nacional da especialidade, foram distribuídos prêmios aos seus maiores investidores.
Com todo o respeito, pasmem: dos vinte e cinco maiores investidores, vinte e três são laboratórios farmacêuticos! (Os outros dois são um plano de saúde e uma clínica psiquiátrica particular.)
A referida notícia diz que os recursos recebidos dos patrocinadores são aplicados pela entidade na educação continuada, no jornal e na revista, além de financiamento de congressos e outros eventos científicos. E arremata dizendo: “(dar prêmios a esses patrocinadores) é uma forma de estreitar ainda mais os laços (da entidade beneficiada) com essas organizações (indústrias farmacêuticas) e valorizar o investimento que é feito na psiquiatria”. De passagem, o prêmio aos patrocinadores campeões foi
distribuído em jantar à véspera da abertura do congresso brasileiro da especialidade.
Com respeito, pondere o distinto leitor as três perguntas que seguem, para, ao final, concluírmos juntos: 1) Qual o remédio psiquiátrico que mais vende no Brasil e no mundo?: a) antidepressivo; b) qualquer outro remédio; c) nenhuma das anteriores. 2) Qual o diagnóstico mais frequente em psiquiatria?: a) transtorno bipolar; b) qualquer outra doença; c) nenhuma das anteriores. 3) Das doze páginas inteiras de propaganda publicadas na última edição de importante revista nacional de psiquiatria, quantas
são de antidepressivos?: a) dez páginas; b) qualquer outro número; c) nenhuma das anteriores.
Se o prezado leitor responder “a” às perguntas, fica fácil concluir porque vinte e três dos vinte e cinco maiores investidores em entidade psiquiátrica brasileira são fabricantes de remédios antidepressivos, que brigam de foice na disputa pelo prêmio Quem vende mais. Nessas mesmas publicações (o jornal e a revista), a maioria dos artigos é sobre uso de antidepressivos: “Adesão terapêutica ao transtorno bipolar”; “Tratamento de depressão bipolar”; “Tratamento de manutenção bipolar” e vai daí para frente. E o que preocupa é que não se diz uma só palavra sobre conflito de interesse.
Porém, nessa terra arrasada pelos antidepressivos administrados sob a justificativa de “espectro bipolar”, fruto pago pelos fabricantes de remédios, nasce uma semente de esperança. O Conselho Federal de Medicina, atento ao problema entre indústrias farmacêuticas e médicos, divulgou, em 14 de fevereiro passado, acordo firmado com as indústrias farmacêuticas, a fim de que se diminuam os brindes, as viagens e os jantares distribuídos a médicos.
Doravante, haverá certas regras a inibir as benesses de todo o gênero que os interesses maiores dos fabricantes de remédio, de modo especial antidepressivos, usam para fagocitar o pobre médico, hoje já bastante rendido aos “fazem-me rir de última geração”.
É preciso ser justo e reconhecer que as indústrias farmacêuticas cumprem o que devem fazer e o fazem bem: propaganda e venda. Esse é o seu escopo. Porém, o do médico é bem diverso: o interesse está no paciente e em mais nada. Não podem os jantares à tripa forra, as passagens aéreas e os hotéis com estrelas ditar o quadro clínico e a prescrição. Aí está o problema, pois o médico, submetido à propaganda maciça sobre o conceito de uma doença e seu remédio, quando diante de paciente que tem
possibilidades de se encaixar nesse contexto, poderá ser traído pela ideia-afetiva da propaganda, que costuma invadir o pensamento das pessoas, até das mais equilibradas, e alterar o raciocínio associativo e a lógica que dirige e determina o curso do seu trabalho técnico.
É o problema da propaganda. Válida mas nociva, no caso da decadente psiquiatria atual.