Parto Domiciliar, por Acad. Affonso Renato Meira
Apesar de movimentos procurando mostrar as vantagens financeiras e psicológicas, alem da ausência de uma ferida operatória, inexistente em partos domiciliares, cresce em quase todos os países a demanda pela ida da parturiente à maternidade para dar a luz a sua criança. É sempre de hábito em cada situação considerar que a evolução do seu tempo é sempre mais rápida e mais profunda do que em tempos anteriores. Assim o costume do parto hospitalar se difundiu.
Apesar de que se possa considerar que o parto normal e os atos da cirurgia obstétrica devam ser realizados acatando preceitos incisos e a precisas indicações que não podem ser tomadas por interesses financeiros e nem pela conveniência, seja do médico, seja da parturiente, na realidade, do dia a dia dos tempos atuais, nem sempre isso é o que ocorre.
Surge em grupos de mulheres brasileiras um desejo de poder decidir que sua criança possa vir à luz em sua casa. Antes de uma decisão científica oferecida pelos valores e conhecimentos incontestáveis da medicina é preciso meditar sobre o desejo da mulher parturiente e sobre a repercussão do fato em toda a sociedade.
A dúvida é estabelecer a quem cabe essa decisão, uma vez que ela, muitas vezes, não esta baseada no que é preconizado pelas ciências médicas, o que seria o desejável.
Tendo surgido em um momento histórico em que o mundo recebia inúmeras inovações científicas e tecnológicas relativas à vida humana, o pensamento bioético surgiu não como uma nova disciplina ou sequer uma nova visão ou orientação da ética médica. Com a preocupação a respeito da conduta dos profissionais de saúde, em particular o médico, quando das ocorrências que envolviam a saúde, à vida e à morte a nova percepção apresentava uma concepção abrangente, não represada pelos interesses de camadas ou categorias sociais. A bioética surgiu como um paradigma holístico, que mais do que uma relação multidisciplinar compreende na realidade uma visão transdisciplinar. É uma ideia acima das disciplinas, pois não possui conteúdo próprio, não possui metodologia estabelecida, não tem finalidade a ser atingida. Nada determina, tudo pode discutir. Não é assunto para especialistas, mas para estudiosos das mais diferentes formações. Estudiosos que levantam suas dúvidas a procura do que deve ser feito como conduta ideal para a sociedade, naquele momento de acordo com a verdade científica, com a emoção das pessoas e com os valores da cultura. Com essa visão é que a analise bioética se faz para compreender o que ocorre na sociedade, não a procura de respostas, mas levantando questões que acontecem no cotidiano ou nos momentos que fatos relevantes em termos da saúde, da vida e da morte acontecem. E é com essa visão que algumas considerações aqui serão expostas.
Ao se refletir sobre no que se basear para tomar a decisão de se realizar um parto hospitalar, desejado pelo médico, contrário ao querer materno de ter seu filho em casa, um primeiro aspecto, a se tomar em conta, é que essa decisão deve estar restrita a sua necessidade de acordo com o que se encontra nos conhecimentos das ciências da saúde.
A natureza, na sua sabedoria, faz que, na normalidade, nada deve se antepor ao fato da mulher se reproduzir, até sem auxílio. Em culturas de povos ágrafos, como a dos Tupinambás, a mulher dava a luz no chão ou deitada numa tábua, assistida pelo futuro pai e parentes.
Evidente que com os atuais conhecimentos das ciências da saúde não se preconiza esse tipo de parto, mas o que se deve entender é que uma criança pode vir a nascer sem qualquer auxílio de uma técnica mais sofisticada. Essa tecnologia moderna deve chegar para o auxílio e não como primeira instância a ser tomada. Portanto como primeiro parâmetro para a realização do parto hospitalar é a indicação precisa estabelecida pelos conhecimentos científicos oferecidos pela obstetrícia, e não o desejo da parturiente ou do obstetra. Havendo uma decisão médica para se efetuar uma internação hospitalar é extremamente improvável que a gestante a ela não queira se expor. Não existe barreira cultural alguma que se possa revelar para evitar esse procedimento, e a gestante com o seu emocional voltado para o parto que vai ocorrer, tem o desejo é que ele se conclua com o nascimento de uma criança saudável.
Dentro ainda do âmbito da razão e do que ensina a Escola Médica o aspecto ético profissional precisa ser atendido. O alvo de toda atenção do médico é a saúde de seu cliente; no caso em pauta o alvo do obstetra é a saúde da gestante, para o benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo. É, também, preceito ético a obrigação de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos da orientação seja clínica ou cirúrgica. Cabe, portanto ao obstetra informar a paciente todos os passos que são tomados em uma internação hospitalar realçando os cuidados e as medidas possíveis e cabíveis em caso ocorra alguma eventualidade não desejável, esclarecendo os riscos que podem advir da ausência desses cuidados.
Em um segundo momento é preciso verificar como a sociedade sente o assunto, quais os aspectos emocionais que o envolve e quais são os valores culturais percebidos. Em uma sociedade urbano-industrializada, característica das sociedades ocidentais, o valor da medicina baseada nos conhecimentos das ciências da saúde é a que se considera aceita por todos. É verdade que a medicina alternativa sempre consegue ocupar um local para se estabelecer com seus conhecimentos empíricos ou místicos. Todavia, no que se refere à decisão por uma internação hospitalar, esses valores afastados da medicina científica não apresentam objeções.
Entretanto, o aparecimento de personagens de prestígio mundial divulgando valores referentes ao parto realizado em casa, ocupa com essa revelação, os valores que em momentos outros foram preenchidos por valores tradicionais.
E assim ressurgiu agora em grupos sociais mais esclarecidos uma aspiração de realizar seu parto em casa, ao lado de todos os valores do seu quotidiano. É preciso ter em mente que entre mulheres de nível econômico mais baixo e mais longe dos grandes centros não é raro o parto domiciliar.
Nessas áreas desprovidas de uma suficiência em número de leitos hospitalares, muitas vezes.
os leitos não preenchidos pelos partos feitos em casa se destinam a outras pacientes de emergência como casos de hemorragias uterinas ou eclampsia. Não só os aspectos financeiros de interesse da paciente devem ser observados e analisados, mas também os aspectos econômicos de interesse da sociedade.
O princípio da autonomia da paciente que é referido nas normas éticas da medicina brasileira quando considera vedado ao obstetra, ou qualquer outro médico, desrespeitar o direito da paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida, tem como finalidade o respeito à pessoa da paciente e não a obrigação do médico de atender o que queira o paciente. No caso de o obstetra ou qualquer outro médico, e o cliente ou a gestante, não estabelecerem uma concordância sobre os procedimentos a serem realizados, pode o obstetra dentro dos padrões éticos em vigor encaminhar a paciente para outro médico.
Não há como não considerar todos esses aspectos quando se imagina em punir os médicos que expressam seus pontos de vista em entenderem que o parto domiciliar seja algo viável.
Os médicos que não desejarem não são obrigados a realizar partos domiciliares e as parturientes que não desejarem a se internar que permaneçam em suas casas.
Como corolário dessas reflexões caberia saber o que deve ser definido, quando não existe uma indicação obstétrica precisa para ser efetuada a internação hospitalar e a gestante tem o seu emocional solicitando a sua permanência no domicílio. A quem cabe decidir: ao obstetra ou a gestante. A bioética, como já foi referida, não traz normas ou respostas, somente leva a pensar e a refletir sobre as situações. Dessa análise talvez possa restar dizer que cabe ao obstetra tranquilizar a gestante e explanar as vantagens e a naturalidade do parto normal, que pode e deve ser realizado em ambiente propício e esse é o ambiente hospitalar e esclarecer os riscos, inclusive os que podem ocorrer com quem se nega a usufruir desses benefícios da moderna medicina. A decisão de uma internação será produto da avaliação desses riscos em relação com o anseio da gestante convertido no seu desejo de um parto domiciliar. Juntos obstetra e
gestante saberão avaliar o que deva ser realizado verificando na oportunidade os riscos e os benefícios da decisão a tomar frente à situação estabelecida.