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A decadência da psiquiatria VI – A psiquiatria está balofa, por Acad. Guido Arturo Palomba

15.02.2013 | Tertúlias

Com a proliferação das novas faculdades de Medicina, a quantidade de psiquiatras despreparados multiplicou-se geometricamente, e isso tem explicação lógica: falta de professores competentes para o ensino da especialidade; e, o que é pior, como todos sabemos, muitos dos piores alunos dos cursos de medicina acabam escolhendo a psiquiatria para o exercício da profissão, isso porque essa especialidade é diferente das demais.
Nas outras especialidades, os sinais e os sintomas clínicos da doença são evidentes e todos os médicos podem observá-los igualmente. Por exemplo, uma tíbia fraturada, uma disritmia cardíaca, uma lesão dermatológica podem ser vistas igualmente pelo ortopedista, pelo dermatologista, pelo cardiologista e até pelo psiquiatra. Porém ,em psiquiatria, embora os sinais e os sintomas das doenças mentais sejam bem delimitados e distintos como em qualquer outra especialidade médica, geralmente não são vistos claramente por outros especialistas de outras especialidades, pois isso exige conhecimento específico. Essa característica abre espaço para que psiquiatras despreparados façam interpretações clínicas distorcidas. Por exemplo, no caso de um doente mental delirando e alucinando, não raro ouvirem-se opiniões de que está fingindo; quanto a um indivíduo triste porque o seu cachorro de estimação morreu, não raro dizer-se que é portador de transtorno bipolar; e um homem normal com 80 anos de idade e com alguns lapsos mnêmicos não escapa do famigerado diagnóstico de doença de Alzheimer. E assim por diante.
A psiquiatria, ao contrário do que acontece com a maioria das outras especialidades médicas, dá margem a certas concepções às vezes bizarras, encapadas com a falsa ideia de que se trata de resultado de pesquisa séria, o “último grito das experiências científicas”.
O fato de a psiquiatria ter essa abertura para a enrolação, onde tudo é possível, acaba sendo a especialidade na qual os grandes erros médicos não são evidenciados como nas outras especialidades médicas. Nestas, por exemplo, se o cirurgião esquecer uma pinça no abdome do paciente e isso resultar em morte, pode o médico sofrer processo civil, penal e disciplinar no Conselho Regional de Medicina, além de ser condenado à perda do CRM, ao pagamento de indenização e à cadeia. Ao passo que, se o psiquiatra der, por exemplo, atestado (ou laudo) dizendo que o paciente tem capacidade mental de entendimento e de determinação e esse, em curto espaço de tempo, dilapidar o próprio patrimônio ou matar pessoas, dificilmente sofrerá quaisquer sanções. A verdade é que para a pinça esquecida no abdome há as radiografias e outras evidências para outros verem e condenar; no atestado (ou laudo) ordinário, cuja negligência, imperícia e imprudência se equivalem à conduta do cirurgião relapso, não há imagem física a registrar o erro, facilitando as justificativas para se safar das penas, por exemplo “o paciente estava muito bem no momento do exame” etc.
O problema maior da psiquiatria está na formação dos psiquiatras, uma verdadeira barbaridade. Como já dissemos uma vez, e isso não é piada, alguns pensam que Jaspers, Kretschmer e Kraepelin eram zagueiros da seleção de futebol alemã do passado, e não três mestres indispensáveis da base da psiquiatria.
A esse propósito, o último exame para avaliar os novos médicos, elaborado pelo CRM, mostrou que, nas áreas de conhecimento, a saúde mental teve a mais baixa média.
É preciso recordar que as indústrias farmacêuticas, cientes dessa fraqueza de formação do médico na área da saúde mental, mobilizaram-se, a fim de aumentar as suas vendas. Assim, investiram na “formação” do psiquiatra, patrocinando congressos, mesas-redondas, publicações periódicas e tudo mais que possa divulgar e formar a opinião dos únicos que podem receitar: o médico.
Nesse mesmo sentido, na última revista Ser Médico (nov./dez. 2012), editada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, há excelente artigo que traz entrevista com Marcia Angell, professora de Medicina Social da Harvard University, que adverte: “laboratórios farmacêuticos não deveriam participar da ‘educação’ de médicos, pois não se espera que forneçam informações objetivas a respeito de produtos comercializados por eles próprios” (p. 5).
A verdade é que, “ensinando psiquiatria”, laboratórios doutrinaram os psiquiatras para o alargamento do diagnóstico, de modo que comportamentos absolutamente normais sejam dados como patológicos, aumentando consideravelmente o número de “doentes” e justificando a administração de remédios. No citado artigo da doutora Angell, lê-se: “observa-se que problemas de comportamento motivados por fatores sociais, econômicos e familiares passaram a ser enquadrados na categoria ‘distúrbios psiquiátricos’, porque psiquiatras que definem essas doenças têm conflitos financeiros de
interesse” (p. 6).
A bem ver, a psiquiatria está balofa, inchada pelos famigerados protocolos (critérios para enquadrar diagnóstico), pelas pílulas da felicidade, pelo espectro bipolar, pelo transtorno da rebeldia, pelo triunfo da minimização da seriedade das doenças mentais e pela vitória da expansão irresponsável das fronteiras do diagnóstico. Uma verdadeira loucura coletiva.