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Adesivo De Fibrina: Conceitos e Aplicações Em Cirurgias Miringoplásticas

13.09.2017 | Acadêmicos, Gerais

O uso de produtos derivados do plasma para facilitar a hemostasia foi inicialmente descrito por Bergel em 1909, que utilizou fibrina em pó para tamponamento de pequenos vasos. No começo dos anos 70, a ampla aceitação de produtos de plasma nos EUA sofreu uma redução significativa causada pelo risco de contaminação pelo vírus HIV. Na década de 80, seu uso como adesivo foi ampliado e sua aplicação experimental e clínica sofreu um grande impulso. Por ser um derivado de plasma humano, o risco de infecção viral foi a primeira preocupação. A partir daí esforços intensos foram dedicados à identificação de novos métodos para a detecção e inativação viral. 

Estudos que utilizam concentrados de fator VIII, tratados a vapor, têm demonstrado consistentemente a inativação efetiva de hepatites A, B e C e do HIV. O adesivo fibrínico talvez seja um dos derivados do plasma mais complexos, tanto no que se refere à composição, quanto às aplicações clínicas. Esse produto imita a última fase da cascata de coagulação através da ativação do fibrogênio pela trombina, conduzindo à formação de um coágulo de fibrina semirrígido. Este coágulo consolida-se e adere ao local onde é aplicado, atuando como um agente capaz de propiciar o fechamento hermético à prova de líquidos e de manter os tecidos e os materiais de configuração desejada, ao mesmo tempo em que evidencia propriedades hemostáticas e cicatrizantes. 

Na Europa, EUA, Japão e Canadá, onde são licenciados os adesivos fibrínicos, são usados em diversas situações cirúrgicas, como por exemplo, para deter ou controlar sangramentos ou para propiciar fechamento hermético à prova de ar e de líquidos. Até o presente momento não há outros materiais adesivos, biológicos ou sintéticos, com igual utilidade em termos de compatibilidade tissular, ausência de toxicidade e benefícios clínicos. Tem a vantagem clínica significativa de ser biocompatível e biodegradável, sem induzir inflamação, reações de corpos estranhos, necrose tissular, ou fibrose extensa. 

Há alguns anos, o laboratório Imuno Vienna passou a comercializar no Brasil, através do laboratório Baxter-Biosciense, o conjunto dos componentes descritos com o nome de Tissucol, contendo os componentes nas proporções necessárias para preparar 0,5; 1 ou 2 ml de cola biológica. As soluções reconstituídas podem ser guardadas em seus respectivos frascos ou seringas por até 4 horas, devendo ser descartadas após esse período. O Tissucol® (Fibrinogênio Humano e Trombina Humana, Baxter) atinge 70% de sua força final nos primeiros 10 minutos. A colagem final é de aproximadamente duas horas. 

Sempre que se propõe algo de novo em terapêutica, quer clínica ou cirúrgica, encontra-se certo ceticismo por parte da classe médica, muitas vezes acostumada a aplicar métodos mais tradicionais e já consagrados. Motivados a buscar um método simples e prático para a melhora dos resultados de miringoplastias, utilizamos adesivos de fibrina (Tissucol) como coadjuvante no fechamento de perfurações timpânicas por infecção de orelha média, sem colesteatoma, buscando de certa forma um material que possa dar suporte para o processo natural de regeneração da membrana timpânica remanescente. 

As técnicas clássicas de miringoplastia, utilizando como enxerto a fáscia muscular temporal mostram insucessos que variam de 10 a 30%, dependendo do tamanho da perfuração e da técnica utilizada, sendo que as perfurações amplas são as que mais apresentam índices de insucessos com perfuração residual, principalmente por insuficiência de vascularização do enxerto livre. O advento do adesivo de fibrina Tissucol e sua utilização em cirurgia timpanoplástica reduziu muito o trabalho do cirurgião e sua equipe, oferecendo maior rapidez no ato cirúrgico, maior eficiência nos resultados e menor número de complicações, beneficiando sobremaneira o médico e o paciente. Uma perfuração pequena, uma perfuração central ou marginal podem ser indicações para esse simples método (ver técnica operatória). 

A tendência de simplificar as técnicas tradicionais para a correção de perfurações da membrana timpânica, reduzindo seus custos e operacionalidade, e tornando-as totalmente efetivas, estimula a busca de alternativas para novos enxertos e para a melhora dos que já são disponíveis atualmente, principalmente os da fáscia de músculo temporal, que são os mais utilizados com sucesso de 70 a 90%. 

Os processos envolvidos no mecanismo de fechamento de perfurações da membrana timpânica ainda são pouco compreendidos. Acredita-se que haja um efeito sinérgico exercido pelo adesivo fibrínico, que favorece a formação de fibroblastos pela presença da fibrina e do fator XIII. Esse adesivo fibrínico permite a migração dos fibroblastos do tecido circunvizinho e, com isso, a respectiva revascularização. A consequência desse processo de migração reparatória, pelo que nos é possível julgar até o presente momento, é uma permanente vedação de perfurações timpânicas com uma cicatrização com pouca rejeição do enxerto ao nível da membrana timpânica. Quando ocorre uma perfuração recidivante após a primeira intervenção, uma nova cirurgia reparadora está indicada. Com este tipo de intervenção, não existe a preocupação com a possível transmissão de vírus patogênicos para o paciente, como a hepatite A, B e C e HIV. Sua execução é simples e para o paciente e traz o mínimo de agravantes. 

O estudo na orelha média e interna com uso de Tissucol em cobaias através de microscopia eletrônica em quatro, oito e doze semanas após a cirurgia mostrou que o adesivo de fibrina foi muito bem tolerado, não apresentando nenhum efeito tóxico para a orelha média e labirinto. O método de tratamento para perfurações recorrentes representa um significativo avanço sobre o tratamento conservador em cirurgias timpanoplásticas, proporcionando 75% de sucesso nesse tipo de operação. Não observamos reações inflamatórias e/ou tóxicas no contato direto com a cola de fibrina, mostrando 87% de “pega” do enxerto em miringoplastias. 

Acreditamos que a cola de fibrina veio resolver problemas de difícil solução. O sonho de restaurar a orelha média, colocando seus diferentes elementos na sua correta posição anatômica por substitutos homólogos está agora realizado. Por isso que, com o uso correto da cola de fibrina, a tendência dos resultados é a progressiva melhora. 

Concluindo, o uso de adesivo de fibrina na cirurgia miringoplástica mostrou excelente interação com os tecidos da membrana timpânica humana; excelente biocompatibilidade; nenhuma toxicidade e ausência de manifestações alérgicas. A taxa de sucesso para o fechamento da perfuração foi semelhante a dos métodos convencionais, mostrando resultados animadores e livres de complicações, e os achados auditivos foram obtidos sem nenhuma influência para a orelha média, provando ser seguro quando empregado dentro da metodologia preconizada. 

José Evandro Andrade Prudente de Aquino 

Titular da cadeira nº 88