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Algumas particularidades do atendimento profissional

22.03.2018 | Acadêmicos, Gerais

Vicente Amato Neto

O saudoso dramaturgo Plinio Marcos, meu amigo, declarou que ficaria satisfeito se muitíssimas pessoas soubessem relatar histórias. Sofri influência disso, e, mesmo sem competência, tento fazê-lo, e os fatos que estão a seguir escritos exemplificam tal conduta. Divulgar em um suplemento cultural parece ousadia, mas ocorrências variadas retratam, sempre, costumes e atitudes de inúmeras épocas. 

– Ao começar a consulta, perguntei: o senhor tem o quê? E o perguntado, mostrando contrariedade e surpresa, respondeu: doutor, se eu soubesse o que tenho, não estaria aqui. 

– Uma senhora entrou no consultório acompanhada de criança com cinco anos de idade, doente. Realizei o que era necessário fazer e informei: tudo bem, é varicela. A mãe, nada satisfeita, revelou decepção e inquietude e falou: que tristeza, a situação ficou pior porque a catapora deve ter complicado e virou isso que o doutor disse que é uma tal de varicela. 

– Quando o paciente ingressou no consultório, era fácil perceber que estava ansioso e preocupado. Passei a dar a devida atenção a ele, que disse terem surgido alterações na pele. Ao examinar, verifiquei a presença de lesões compatíveis com herpes simples, ou simplex, se quiserem. Queixou-se de que eram incômodas e pouco dolorosas. Comuniquei o diagnóstico. A perturbação ocupava extensa área. Quando o acometido conheceu o meu parecer, revelou indignação inesperada: doutor, é impossível entender, pois julga isto simples porque não aconteceu com o senhor. Decidi evitar esclarecimento e seria melhor deixá-lo para quem estabeleceu a designação da enfermidade. 

– No Japão, idealizaram um novo antibiótico. Depois das exigidas provas prévias, começaram as observações clínicas. Escolheram-me para ajudar. Infecção no trato urinário era tida como condição muito justificada para tratamento com tal remédio que recebeu o nome de ribostamicina. Por isso, como indicação válida, prescrevi a inovação. Quando o paciente leu a receita, irritado, protestou firmemente: o doutor pensa que vim aqui para ouvir piada, brincar e ser vexado; lamento e até nunca mais. 

– Ao narrar esses fatos, lembrei-me de um conselho extremamente valoroso que recebi. Eu era aluno do quinto ano do curso de graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Quase médico. Pediram-me para dar atendimento em ambulatório. Sem preceptor na ocasião, mas contando com os ensinamentos recebidos até então. Ao elaborar a observação clínica, conforme as instruções básicas, que contêm muitas perguntas a fazer, observei pessoas, em geral simplórias, queixando-se de muitas anormalidades, talvez em parte aproveitando o encontro com o doutor. Fiquei confuso e com preocupação, sem percepção de como seria o atendimento a todos os distúrbios citados. Porém, logo após, ao encontrar em local próximo o Professor Alípio Corrêa Neto, eminente personagem no contexto da Medicina, ganhei orientação inesquecível. Apresentei-me e ouvi esta opinião: Vicente, em ocasiões semelhantes, pergunte inicialmente, em seguida à identificação, o que motivou a consulta. 

Aprendi. É preciso definir prioridade e haver objetividade. Com sensatez e considerando circunstâncias benéficas em termos operacionais e profissionais. 

Aí estão alguns relatos relacionados com atividades de médico dedicado a missões assistenciais. Semelhantes a esses colegas há muitos outros.

Vicente Amato Neto 

Professor Universitário. 

Fonte: Suplemento Cultural da APM – março – 2018- nº 299