Crise? Vamos às raízes!
Nelson Guimarães Proença
“– Cuidado, ele é muito radical.”
Quando um País está bem estruturado.
Quando as Instituições estão funcionando bem e contemplam, por igual, todo o povo que compõe a Nação.
Quando a Constituição que rege as relações entre os seres humanos que aí vivem não faz distinção entre eles, a todos assegura os mesmos direitos e deveres.
Quando tudo isto é verdadeiro, a advertência procede:
“– Cuidado com os radicais, podem destruir o que temos”.
Mas quando se pretende criar uma Nação Democrática e os alicerces estão mal estruturados, gerando crise progressivamente agravada, então, sim, é preciso ir mais ao fundo, às origens dos problemas. É preciso, sim, buscar as raízes.
Este é o desafio que enfrentamos hoje, em nosso Brasil. Há necessidade urgente de irmos às raízes das Instituições, só assim poderemos compreender a origem dos problemas e dos desafios que estão diante de nós e que atualmente tanto nos preocupam. Ao descer em busca das raízes dos problemas, certamente seremos considerados radicais.
Vamos lá então, vamos ser radicais! Todos nós vamos buscar e encontrar as origens dos problemas atuais, vamos lançar novas raízes para melhor alicerçar nossas Instituições. O objetivo é estruturar, assegurar, garantir a criação de uma Nação Democrática igualitária.
A tarefa não é fácil. Por onde começar?
São tantas as distorções a serem eliminadas, tantos os vícios que tornaram a Nação desigual para todos, que não será tarefa fácil identificar por onde iniciar. Todos precisam trazer sua contribuição para esta discussão; trago agora a minha. Vou destacar duas questões que me parecem fundamentais e preliminares, que precisam ser postas em debate.
A primeira.
Temos de reconhecer que em 1988 não foi promulgada a Constituição que queríamos, aquela que iria fundamentar a República Democrática Brasileira. O que efetivamente se aprovou foi a criação da República Corporativa do Brasil. Em seu texto, foram incluídos numerosos dispositivos que privilegiaram determinados setores profissionais, aqueles que souberam melhor se organizar e atuar junto à Assembleia Nacional Constituinte. Foram premiados os que estavam mais bem organizados e atuantes, seus privilégios terão de ser permanentemente mantidos pelo trabalho da enorme maioria do povo.
Procurando não ser exclusivista, a Assembleia Nacional Constituinte deixou abertas suas portas para que outros setores corporativos ainda não contemplados pudessem obter uma Proposta de Emenda Constitucional – uma PEC – ou mesmo uma lei comum que os incluísse entre os privilegiados. O direito de se organizar e de pressionar, de obter privilégios, foi colocado ao alcance de todos.
Foi isto! Tão simples!
Todos nós devemos hoje aceitar e pagar pelos privilégios conquistados pelos grupos melhor organizados, pois estava aberta a possibilidade de cada setor também pressionar e buscar privilégios para si próprio.
Como ficou a imensa maioria do povo, formada pelos mais fracos, os socialmente desprotegidos, que somam mais de duzentos milhões de brasileiros? Como silenciar essa maioria?
Deu-se um jeito. Foram criados programas assistenciais de distribuição mensal de pequenas quantias, para atender às necessidades básicas de cada um. No Nordeste brasileiro, segundo dados divulgados em 2017, estão sendo contempladas mais de setenta por cento das famílias com o programa Bolsa Família.
A realidade é essa e ela nos coloca diante de uma encruzilhada: vamos continuar mantendo vantagens para os que souberam conquistar privilégios? Vamos manter silenciosos os que não foram privilegiados, distribuindo bolsas caridosas? A imensa maioria dos brasileiros tem resposta imediata para essa questão: os privilégios precisam acabar.
Então é hora, sim, de sermos radicais. Temos de ser radicais!
É preciso exigir que se faça a substituição da República Corporativa do Brasil pela República Democrática Brasileira. Será preciso convocar uma nova Constituinte? Que seja convocada! Para quando e como ,é uma questão em aberto, precisa ser bem discutida.
Este foi o primeiro ponto que procurei destacar, o da República Corporativa do Brasil.
Vejamos a segunda questão, igualmente fundamental!
Trata-se da distorção da verdadeira representação popular. É urgente buscar a reforma política, pois no Brasil de hoje há uma profunda distorção do que seja a representação popular. Recorde-se a origem da Democracia, na antiga Grécia, onde a polis – a população – fazia a escolha direta de seus representantes, dos que em seu nome iriam tomar decisões. Daí a palavra “política”: alguns realmente representando o todo, a polis, falando e decidindo em seu nome.
O que temos hoje, no Brasil?
As pesquisas de opinião pública indicam que noventa e cinco por cento da população considera que os políticos são corruptos e não se sente por eles representada.
Como isto foi acontecer?
Aconteceu porque no Brasil o que temos hoje é o predomínio da figura do “político profissional”, que retira da política tudo o que pode, visando construir seu patrimônio pessoal. O “político profissional” está sempre agindo, negociando, intercedendo, desviando recursos, tendo em vista isso mesmo, seu patrimônio pessoal. Não é preciso dar exemplos e detalhar esta afirmação, a “Operação Lava-Jato” e a imprensa disto se incumbem, diariamente.
Destaque-se: há muitos eleitos que agem de acordo com os fundamentos da Democracia, mas tudo indica que hoje constituem uma minoria.
Qual a reforma política a fazer? Este é tema para outra discussão, as sugestões são muitas, é preciso que se faça uma discussão mais aprofundada.
Nelson Guimarães Proença
Membro da Academia de Medicina de São Paulo,
Ex-presidente da Associação Paulista de Medicina
e Ex-presidente da Associação Médica Brasileira.
Fonte: Suplemento Cultural da APM – março – 2018- nº 299