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Decadência da Psiquiatria

16.12.2016 | Acadêmicos, Gerais

Patologia Dual e Nosologia

Guido Arturo Palomba

Por incrível que pareça, quando se pensava que o fato de hoje se vender mais moduladores do humor do que Hipoglós; quando se descobriu que além disso criaram “novos” transtornos mentais, por exemplo, espectro bipolar, bornout, transtorno da eliminação e outros mais, todos para justificar um número maior de doentes e, consequentemente, de prescrições; quando se esperava que esses elementos juntos já seriam mais do que suficientes para decretar que a Psiquiatria chegou ao fundo do poço, eis que veio outra pachouchada sem tamanho: patologia dual (que já possui a sua sociedade, foi tema de três congressos internacionais e é agasalhada por importante associação de psiquiatras brasileiros). 

Propõem os espertos em patologia dual que o paciente pode ter dois diagnósticos principais ao mesmo tempo, por exemplo, esquizofrenia e dependência de drogas, epilepsia e alcoolismo, transtorno depressivo e transtorno obsessivo-compulsivo e daí para a frente. Os inventores dessa concepção mostram-se totalmente leigos em nosologia, uma ciência com regras, preceitos e leis, nascida da necessidade de organizar os sinais e sintomas clínicos de forma racional, disciplinando a massa caótica e desorganizada das inúmeras moléstias existentes. É uma forma sintética para concentrar e nominar a essência da doença, cujo método começou com Carlo Lineu (1707-1778, pai da taxonomia moderna) e foi se lapidando no correr dos séculos. 

Qualquer médico de boa formação sabe que, para se conhecer completamente uma doença, é necessário dominar a sua sintomatologia, anatomia patológica, patogenia, etiologia, fisiopatologia, nosologia e prognóstico. Quanto mais souber esses fundamentos mais apto estará para administrar a correta terapêutica. 

Especificamente sobre a nosologia, é ela de suma importância em Medicina e de modo especial em Psiquiatria, que agora sofre golpe forte desferido por grupo de semileigos na especialidade, que propõe o fracionamento das doenças, excusez pour la honte, como “paus mandados” das indústrias farmacêuticas, uma vez que, com mais doenças, mais fácil é empurrar remédios ao pobre do paciente. 

Esses semileigos esqueceram-se de que em Medicina de boa qualidade é preciso colocar o máximo possível de sinais e sintomas clínicos em uma única entidade nosológica, e não subdividi-los em várias. Para exemplificar, no sarampo observam-se infecção pulmonar, coriza, tosse com catarro, anorexia, conjuntivite e as características lesões maculopapulares eritematosas. 

Se o sarampo passasse pela avaliação desses psiquiatras duais, certamente uns diriam que o paciente tem transtorno pulmonar e dermatopatia; outros acrescentariam transtorno do apetite e conjuntivite também. 

Como se não bastasse a “morte” da psicopatologia, substituída pelos testes psicológicos e infantis inventários e protocolos, ataca-se hoje outro princípio da Medicina: a nosologia. Acontecendo o que aconteceu à psicopatologia, ou seja, o seu “assassinato”, cresce a possibilidade de venda de mais remédios, pois aumenta o número dos diagnósticos e, consequentemente, as prescrições medicamentosas. 

Como não se imaginava que a psicopatologia fosse morrer, é temeroso que possa um dia a nosologia desaparecer, dando lugar à dual. O “assassinato” da primeira levou o tempo de uma geração de psiquiatras, talvez o mesmo que levará para a instalação do inço que ora nasce com certo vigor. 

Então, pergunta-se: depois da futura morte da nosologia, qual será o próximo crime da serial killer indústria farmacêutica? A fisiologia, a etiologia, o prognóstico, a sintomatologia …? O tempo dirá. 

Guido Arturo Palomba
Psiquiatra forense