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Dois sonhos

16.05.2017 | Acadêmicos, Gerais

Jenner Cruz

Comecemos com um sonho relacionado à Medicina. 

Há um aumento crescente de pessoas idosas em todos os países e em todos os lugares, inclusive no Brasil. Os jornais citam vários motivos, mas esquecem o mais importante: os hipotensores. Ao contrário do que propalam, antigamente comia-se melhor, não existiam fast foods e refrigerantes, havia muito mais atividade física, não havia sedentarismo e tanta obesidade, mas não existiam os hipotensores. A maior parte dos que chegavam aos 90 anos eram portadores de hipotensão essencial, imunes à quantidade do sal da dieta. Como nefrologista, sabemos que a hipertensão arterial e o diabetes são considerados as causas mais comuns de doença renal crônica, porém esquecem que quase todas as doenças que provocam a falência renal, inclusive o diabetes, são acompanhadas de hipertensão arterial e que, em todos os casos, o perfeito controle dessa hipertensão, deixando a pressão arterial sempre inferior a 115/75 mmHg, inibe o crescimento dessa nefropatia. Para o perfeito controle dessa hipertensão, é importante o uso de dois grupos de remédios: um diurético tiazídico, que elimine na urina o sal que ingerimos, e um dos dois medicamentos que inibem a formação ou a ação da angiotensina II: ou um do grupo dos prils, como o captopril, ou um do grupo dos sartanas, como a losartana, medicamentos esses fornecidos de graça pelas farmácias populares. 

Há mais de um século descobriu-se que a ingestão de sal era a causa da hipertensão arterial. Essa verdade foi comprovada quando se descobriu que, nas comunidades onde todos habitantes não comiam sal, ninguém ficava hipertenso, nem existiam doenças que se acompanhavam sempre de elevação da pressão arterial. 

Coube ao professor e pesquisador inglês, H. E. de Wardener, num congresso da Sociedade Internacional de Nefrologia, em Atenas, na Grécia, demonstrar como tudo acontece. Ao comer sal, uma pessoa lentamente começa a aumentá-lo em seu organismo e após muitos anos, variáveis de indivíduo a indivíduo, esse sódio (o componente perigoso do cloreto de sódio, o sal de cozinha que utilizamos) começa a penetrar em várias partes do organismo. Quando ele tenta penetrar nos vasos arteriais, um mecanismo de defesa impede sua entrada, trocando o sódio pelo cálcio, fazendo o cálcio penetrar nos vasos. Na musculatura dos vasos, o cálcio provoca vasoconstrição, que produz aumento da resistência vascular periférica, ou seja, aumento da pressão arterial mínima ou pressão arterial diastólica ou, caso prefiram, hipertensão essencial. 

Por esse motivo é que, entre os hipotensores que utilizamos, há um grupo muito eficiente, denominado bloqueadores dos canais de cálcio: nifedipina, nitrendipina, felodipina, anlodipina, e outros terminados em dipina), que agem inibindo a entrada do cálcio nos vasos. 

Completando a explanação, dizemos que o sal é o nosso veneno; mas uma pessoa que foi acostumada a comer alimentos com sal jamais será capaz de parar sempre de fazê-lo. E não precisa. Eu como alimentos com sal livremente, gosto de comida com sabor, com temperos e com sal, mas, apesar da idade, mantenho minha pressão arterial sempre inferior a 115/75 mmHg qualquer hora do dia, tomando diuréticos. As farmácias fornecem gratuitamente a hidroclorotiazida, comprimidos de 25 mg. Esse medicamento atua, em geral, entre 6 e 8 horas. O comprimido que tomamos de manhã nem sempre será capaz de eliminar o sal que ingerimos no jantar ou em outra refeição ingerida mais tarde. Por esse motivo, eu tomo a clortalidona, em dose menor, 12,5 mg, cuja ação dura por volta de 48 horas. Estou sempre protegido do sal que ingiro. Na farmácia há associações de hipotensores com apenas 6,25 mg por comprimido da clortalidona, com ação idêntica, pois não há necessidade de dose alta. Quando a hipertensão é mais resistente e se está usado a hidroclorotiazida, pode haver necessidade de usar o medicamento de manhã e ao jantar, dois ao dia. 

Mas a notícia-bomba é que está sendo descoberto que doses baixas de hidralazina, um medicamento hipotensor do grupo dos vasodilatadores, cuja efetividade para o tratamento da hipertensão foi descoberta em 1950, seria capaz de diminuir a fibrose do coração, dos rins, dos vasos e outros tecidos, por uma via nova, descoberta agora, independente da angiotensina II. O Dr. Henry A. Schroeder, médico alemão radicado nos Estados Unidos, fugindo do nazismo, ao estudar a hidralazina descobriu um bom hipotensor, que não é mais vendido no Brasil, lançado aqui como Adelfan-Esidrex. Schroeder descobriu que a hidralazina agia melhor quando associada a um bradicardizante, reserpina e um diurético tiazídico, esidrez. Apenas com a descoberta de outro hipotensor vasodilatador mais potente, o minoxidil, é que ficou clara a necessidade dessa associação. Os vasodilatadores agem abrindo os vasos, opondo-se à vasoconstrição. Ora, o organismo tem obrigatoriamente de preencher o espaço vazio produzido pela vasodilatação, ocasionando aumento dos batimentos cardíacos ou taquicardia e retendo água, tendendo a produzir edema. Por esse motivo, o minoxidil tem de ser utilizado com um betabloqueador, em lugar da reserpina (que infelizmente caiu em descrédito) e um diurético mais potente, em geral de alça, como a furosemida. 

O limite de vida dos homens é de 120 anos. Estamos chegando lá. Muitos estão vivendo mais de 100 anos. O primeiro sonho: será que com nossas descobertas crescentes chegaremos a ultrapassar o limite de 120 anos? Uns acreditam que sim, dizem que chegaremos aos 150 anos, eu não creio, poderemos chegar a 121 ou 122, mas nunca a 150 anos. 

Terminemos com um sonho relacionado a viagens espaciais. 

Os jornais noticiam, cada dia, que mais planetas parecidos com a Terra estão sendo descobertos. Além da curiosidade dos astrônomos, essa pesquisa de planetas semelhantes à Terra tem várias finalidades, entre as quais duas: a Terra está envelhecendo, algum dia teremos de sair deste planeta e procurar outra morada. O que não sabemos é se existe um planeta habitado por seres superiores, semelhantes ao homem. Estamos também curiosos em saber se, por acaso, esses seres existirem quem chegará primeiro, os homens lá ou eles cá. 

Muitos dirão que isso é bobagem, um planeta igual a esse deverá estar distante a muitos anos-luz. O contato seria impossível. Não, Einstein disse que é possível viajar no espaço anulando o tempo. Em seus estudos chegou a descrever túneis ou wormholes transitáveis, por onde a nave iria, em velocidade fantástica e em um tempo mínimo. 

Nos filmes americanos de ficção científica já vimos: o Capitão Kirk fala, dirigindo-se ao piloto de sua enorme nave: “Senhor Sulo, dobra três”. Em seguida a nave some da tela em uma velocidade incrível. 

Logicamente muitos cientistas não acreditam nessas ideias. 

Isso trará problemas. Acredita-se que o astronauta chegará, em tempo mínimo, em outro planeta, mas se ele conseguir voltar para a Terra, algum tempo depois, enquanto envelheceu curto tempo durante sua viagem, encontrará uma Terra muito mais velha. Estará fazendo uma viagem para o futuro, poderá não encontrar mais aqui seus parentes e amigos, que já teriam morrido. 

Nos filmes de ficção científica há também o caminho inverso. Viagem ao passado. Isso é impossível, nunca poderemos viajar ao passado, voltar ao dia de nosso casamento, por exemplo. O que já foi não volta mais, mas viagem ao futuro e viagem a outros planetas em outro sistema solar, a muitos anos-luz de distância, é possível e algum dia, talvez, será feita. 

Em fins do século XV existiram as grandes aventuras: a descoberta da América e o caminho das Índias, e muitos anos antes as viagens de Marco Polo e dos vikings. Os europeus tinham a necessidade de grandes conquistas, mas também de migrar. Hoje também há essa necessidade de migração. Os sul-americanos pensando em viver nos Estados Unidos e os africanos querendo viver na Europa. Isso está gerando xenofobia, reação aos estrangeiros. 

Nosso sonho espacial é que no futuro, ainda muito distante, tenhamos de deixar a Terra e irmos viver em outro planeta de outro sistema solar, mas, até aquela data, já teremos descoberto os nossos novos caminhos. 

Jenner Cruz 

Membro emérito da Academia de Medicina de São Paulo