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Nova edição da Revista da Associação Paulista de Medicina traz entrevista com o Acadêmico Paulo Manuel Pêgo Fernandes

16.09.2024 | Acadêmicos

A edição Ano 58 | Nº 745 | Julho/Agosto de 2024 da Revista da Associação Paulista de Medicina trouxe a entrevista “Transplantes de órgãos no Brasil” com o Acadêmico Paulo Manuel Pêgo Fernandes, confira abaixo o texto de Ryan Felix.

Entre janeiro e setembro de 2023, foram realizados 6.766 transplantes em todo o Brasil, o maior número de procedimentos registrado em uma década. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde, foram efetuadas 3.060 doações, representando um aumento de 17% em comparação com 2022, quando foram registradas 2.604 doações.

Segundo levantamento divulgado na revista Ser Médico, do Cremesp, o rim é o órgão mais transplantado, seguido pelo transplante de fígado e coração.

Para falar sobre o panorama dos transplantes de órgãos no Brasil, a Revista da APM entrevistou Paulo Manuel Pêgo Fernandes, diretor Científico da APM e chefe da Divisão de Cirurgia Torácica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor – HC/FMUSP).

Leia mais a seguir.

O Brasil é reconhecido como referência em transplantes. Quais são os principais fatores que levam a isso?

O transplante de órgãos no Brasil foi alcançando notoriedade por alguns motivos. Primeiramente, porque temos o maior sistema público de transplantes do mundo. Nenhum outro possui um sistema que financie tão fortemente transplantes, o que promove uma equidade. Com isso, mesmo pessoas que não tenham seguro saúde e financiamento privado ou próprio podem ter acesso ao procedimento e as filas são as mesmas para todos.

Em segundo lugar, acredito que seja por uma questão de legislação. No Decreto 9.434, de 1997, foi instituída uma política de transplante para quatro áreas: legislação, organização, financiamento e educação. A partir desta lei, qualquer pessoa pode acessar a fila de transplante, independentemente da condição social, sendo assim, o que vale é a necessidade médica para a realização da transplantação. Este é um sistema, provavelmente único, a nível internacional.

Nos últimos anos, foi criada a Residência Médica em diversas áreas de transplante. Com isso, estamos formando especialistas em transplante de coração e pulmão no Instituto do Coração (InCor) e em vários outros centros e serviços que possuem um volume de procedimentos suficiente para essa formação. Dessa forma, capacitamos profissionais especializados e disseminamos a prática de transplantes por todo o País.

Em 2023, houve um aumento significativo no número de transplantes realizados e de doadores efetivos. O que acredita que contribuiu para esse aumento?

Houve um aumento no número de transplantes de alguns órgãos mais do que de outros, em parte devido ao período pós-pandemia. Durante a pandemia de Covid-19, ocorreu uma diminuição no número de transplantes em todo o mundo por vários motivos, incluindo a contaminação de muitos doadores com o vírus, tornando-os inelegíveis. Além disso, durante as fases críticas da pandemia, os leitos hospitalares, tanto nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) quanto nas Enfermarias, estavam quase todos ocupados por pacientes infectados, inviabilizando a realização de transplantes.

Esse represamento de pacientes tornou os procedimentos inviáveis temporariamente. No entanto, isso também levou outras entidades de Saúde a trabalharem mais intensamente na questão dos transplantes, proporcionando uma motivação extra para tratar mais pacientes, o que acabou sendo benéfico. Por outro lado, o Ministério da Saúde ajustou a tabela de procedimentos relacionados aos transplantes, corrigindo uma defasagem que tornava a atividade deficitária para os hospitais. Esse reajuste viabilizou a sustentabilidade do sistema e dos hospitais que realizam os procedimentos.

Como o Programa de Incremento Financeiro para o Sistema Nacional de Transplantes tem impactado a capacidade assistencial de transplantes no País?

Quando uma instituição recebe menos do que o custo para realizar um procedimento, a viabilização do transplante se torna difícil. O Programa de Incremento Financeiro tem proporcionado uma tabela mais favorável, embora o problema não esteja completamente resolvido. Para órgãos torácicos, como coração e pulmão, ainda existe uma discrepância entre o custo e o valor recebido, mas houve uma melhora significativa.

Com mais de 40 mil pessoas ainda aguardando por um transplante atualmente, quais são os principais desafios que o Brasil enfrenta para reduzir a lista de espera?

Este número tem se mantido constante. Uma questão que enfatizamos bastante, principalmente nas mídias, é a importância de incentivar as famílias a aceitarem a doação de órgãos. Isso varia de acordo com estado e época, mas ainda existe uma rejeição considerável, com quase metade das famílias recusando a doação. Acredito que a disseminação da cultura de doação de órgãos, mostrando que o doador não perde nada e os receptores se beneficiam, é essencial.

Outro fator crucial é a confiabilidade do sistema. Trabalhamos intensamente para garantir que o sistema seja o mais equitativo e transparente possível, para que as pessoas confiem. Com essa confiança, esperamos que mais pessoas se manifestem favoravelmente a doação de órgãos.

A distribuição de medicamentos imunossupressores também tem funcionado razoavelmente bem. O Brasil, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), não apenas realiza 95% dos transplantes, como também distribui imunossupressores. O SUS possui um financiamento reservado para essa finalidade, o que é imprescindível, pois os pacientes transplantados precisam tomar os imunossupressores pelo resto da vida. Não é possível fazer transplante sem acesso a esses medicamentos.

Como funciona a fila para as pessoas que precisam receber órgãos? É possível ultrapassá-la?

Cada órgão tem um critério de prioridade baseado na compatibilidade. Primeiramente, busca-se a compatibilidade sanguínea: doadores do grupo O doam para receptores do grupo O, doadores do grupo A para receptores do grupo A, e assim por diante. Se essa compatibilidade não estiver disponível, utiliza-se o critério de transfusão sanguínea compatível.

Outro fator é o tempo, o paciente que se inscreve primeiro tem prioridade sobre os demais. Além disso, a compatibilidade física é crucial, por exemplo, uma pessoa com uma superfície corporal de 100 kg não pode doar para alguém com 50 kg. Da mesma forma, um adulto não pode doar para uma criança e vice-versa, pois um coração muito pequeno não suportaria as necessidades de uma pessoa maior. Já no caso do transplante de pulmão, o órgão passa por uma câmara, em que as equipes transplantadoras analisam a questão da priorização dentro do estado.

Quando um paciente pode ser priorizado na fila de transplantes? O que se avalia para que isso aconteça?

A prioridade para transplante varia de acordo com o órgão. No caso do transplante cardíaco, por exemplo, se o paciente está em casa, razoavelmente estável, ele permanece na fila de espera. No entanto, se o paciente começar a apresentar um quadro mais grave e necessitar de hospitalização, ele entra em um critério de priorização. A situação se torna ainda mais urgente se o paciente estiver na UTI e precisar de drogas vasoativas, que só podem ser administradas via intravenosa em ambiente hospitalar. Se a gravidade aumentar a ponto de exigir um dispositivo como o balão intra-aórtico, isso indica que o caso é ainda mais crítico, aumentando o grau de priorização.

Como a capacitação de profissionais e o esclarecimento à população têm contribuído para melhorar os processos de doação e transplante?

A capacitação de profissionais e o esclarecimento à população são essenciais para a melhoria dos processos de doação e transplante. Explicar claramente o conceito de morte encefálica e os benefícios da doação é crucial. Esse é um trabalho contínuo que envolve a educação em escolas, a conscientização das famílias e a promoção de discussões em diversos contextos sociais.

Poderia falar sobre a importância de campanhas de conscientização para aumentar a doação de órgãos no Brasil?

Campanhas de conscientização são fundamentais para aumentar a doação de órgãos. Elas ajudam a esclarecer que a doação só ocorre em casos de morte encefálica documentada, diagnosticada por dois médicos em horários diferentes e confirmada por exames. Essas campanhas, como o Dia Nacional de Doação de Órgãos [27 de setembro], visam destacar a importância da doação, pois sem doadores, não há transplantes. É crucial que as pessoas compreendam e concordem com o processo de doação para que o sistema funcione efetivamente.