Medalha Presidencial “Luiz Pereira Barreto”, por Helio Begliomini
“Um pouco de reconhecimento percorre um longo caminho.”
Dale Carnegie (1883-1955), escritor e orador norte-americano.
Na reunião da diretoria da Academia de Medicina de São Paulo de 14 de junho de 2023 foi proposto, discutido e aprovado pela unanimidade dos presentes, de se instituir uma medalha que simbolizasse o mandato presidencial com as seguintes características: Seria única e de propriedade do sodalício; usada em sessões solenes pelo presidente da entidade e colocada em seu sucessor por ocasião da transmissão do cargo; no seu anverso teria a imagem de Luiz Pereira Barreto, notável médico, pensador, empreendedor, político, fundador e primeiro presidente; e no seu verso conteria o símbolo da Academia de Medicina de São Paulo.
A Academia de Medicina de São Paulo surgida como Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, em 7 de março de 1895 –, a mais longeva instituição médica paulista – tem vivido incólume em três séculos, em meio a grandes e profundas vicissitudes, à mercê da responsabilidade e galhardia de seus dignatários e diretores.
Ao menos 37 presidentes nasceram nos tempos do Império (!) e, certamente, receberam influências desse período. Alguns foram surpreendidos com a descoberta do Raio X (1895) por Wilhelm Conrad Roentgen (1845-1923); e a descoberta da radioatividade dos sais de urânio, em 1896, por Antoine-Henri Becquerel (1952-1908), bem como com a descoberta, em 1902, da existência dos elementos rádio e polônio pelo casal Marie Skłodowska-Curie (1867-1934) e Pierre Curie (1859-1906); e outros vivenciaram, posteriormente, suas respectivas utilizações clínicas. Alguns fundaram (7/3/1896) e trabalharam na Policlínica de São Paulo, entidade que persistiu por algumas décadas, na qual alguns membros – nossos precursores – da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo faziam consultas gratuitas aos pobres e, na medida do possível, também lhes forneciam remédios sem ônus, segundo a prescrição por eles realizada.
Em 1898, Adolpho Lutz (1855-1940) descobriu a malária silvestre e, alguns anos depois, juntamente com Emílio Cândido Marcondes Ribas (1862-1925), confirmaram a transmissão vetorial da febre amarela pelo mosquito Aedes aegypti (1902-1903).
Embora, em 1902, o Instituto Butantan já fornecesse soros para o tratamento de acidentes de animais peçonhentos, obtidos por meio de estudos de Vital Brazil Mineiro da Campanha (1865-1950), enfrentava-se, no Rio de Janeiro, a Revolta da Vacina, antivariólica (1904) contra as diretrizes propostas pelo eminente sanitarista Oswaldo Gonçalves Cruz (1872-1917). Nos primeiros 30 anos do século XX houve descobertas alvissareiras por pesquisadores brasileiros: em Salvador, em 1908, do Schistosoma mansoni por Manuel AugustoPirajá da Silva (1873-1961); e a descoberta, em 1909, do Trypanosoma cruzi, agente causador da Doença de Chagas, por Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas
(1879-1934); a fundação, em 1912, da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo por Arnaldo Augusto Vieira de Carvalho (1867-1920); os eflúvios da Semana de Arte Moderna (1922, São Paulo); a descoberta, em 1928, da penicilina por Alexander Fleming (1881-1955), mas também os desfortúnios da I Guerra Mundial (1914-1918); da Greve Geral de 1917, em São Paulo; da pandemia da Gripe Espanhola (1918-1919); e da Crise da Bolsa de Valores de Nova Iorque (1929) com repercussões mundiais.
Ainda é desse período a aprovação do emblema e selo da entidade, em 15/3/1920 – 25 anos após a sua fundação, na presidência de Luiz Manuel de Rezende Puech (1920-1921), bem como a inauguração em 7/3/1921, da Sede na Rua do Carmo, no 6, apogeu e esplendor arquitetônico que o sodalício teve e onde funcionou até março de 1939!
Nos 40 anos seguintes tiveram-se os benefícios da utilização clínica da penicilina e da sulfonamida; a descoberta, em 1953, da estrutura tridimensional da molécula de DNA – a dupla hélice – por Francis Harry Compton Crick (1916-2004), James Dewey Watson (1928-) e Maurice Hugh Frederick Wilkins (1916-2004); a realização do primeiro transplante bem sucedido de órgãos – de rim – entre dois gêmeos idênticos (Boston, 1954) por Joseph E. Murray (1919-2012); do primeiro transplante de coração no mundo por Christiaan Neethling Barnard (1922-2001, Cidade do Cabo – África do Sul, 1967); e do primeiro transplante de coração do Brasil e da América Latina por Euryclides de Jesus Zerbini (1912-1993, São Paulo, 1968).
Contudo, nesse período houve também os infortúnios da Revolução de 1930 com o golpe de Estado e ascensão ao poder de Getúlio Vargas (1882-1954); da Revolução Constitucionalista de 1932; da Intentona Comunista (1935); da II Guerra Mundial (1939-1945); do início da Guerra Fria (1947) e da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). Por sua vez, houve a inauguração de Brasília como capital do país (1960) e Neil Armstrong (1930-2012) se tornou, em 1969, o primeiro homem a pisar na Lua.
A entidade passou a ser chamada por Academia de Medicina de São Paulo (7/3/1954); recebeu e outorgou em 10/5/1954, o título de membro honorário a Sir Alexander Fleming, prêmio Nobel de Medicina de 1945; ademais, os mandatos presidenciais passam de um para dois anos.
Nos últimos 30 anos do século XX sobreveio a epidemia de meningite meningocócica no Brasil, mas também ocorreu a incorporação na prática médica de diversos recursos diagnósticos, como a ultrassonografia, a tomografia computadorizada, a ressonância nuclear magnética, a cintilografia, bem como o uso da ciclosporina, que reduziu a rejeição de órgãos transplantados; o grande desenvolvimento da indústria farmacêutica; o último caso de varíola no mundo (Somália, 1977); o nascimento do primeiro bebê por fertilização in vitro (Inglaterra, 1978); a identificação da AIDS (Aids – EUA, 1981); a criação do SUS – Sistema Único de Saúde do Brasil (1988); o registro do último caso de poliomielite no Brasil (1989); e o início do Projeto Genoma Humano (1990-2003).
Pari passu o mundo foi surpreendido com a queda do Muro de Berlim; com o protesto na Praça da Paz Celestial, na China (1989); a dissolução da União Soviética (1991), bem como com a criação da União Europeia pela assinatura do Tratado de Maastricht (1992).
Nesse período, graças à generosidade de diversos de seus membros, a Academia de Medicina de São Paulo adquiriu um imóvel próprio, no bairro do Itaim Bibi, que foi comprado graças aos esforços empreendidos na gestão de Marisa Campos Moraes Amato (1997-1998).
É deste primeiro quartel do século XXI o surgimento de ataques terroristas (2001); a invasão do Iraque pelos Estados Unidos da América (2003); a guerra civil na Líbia e na Síria (2011), bem como a invasão da Rússia na Ucrânia (2022) e os atentados terroristas do grupo islâmico Hamas em Israel (2023).
Nesses pouco mais de 20 anos houve acentuado desenvolvimento da bioengenharia; o aparecimento da robótica e a realização da primeira telecirurgia transoceânica (2001); bem como o surgimento no final de 2019, na China, da inesperada pandemia por uma nova cepa do coronavírus e, cerca de um ano após, em tempo recorde (!), em dezembro de 2020, no Reino Unido, o início da vacinação exitosa contra essa mortífera e sequelante moléstia.
Na contemporaneidade pesquisam-se os xenotransplantes e o desenvolvimento de promissores medicamentos nos mais diversos campos da medicina; a produção de sangue a partir de células-tronco; a utilização de vacina de RNA mensageiro contra o melanoma e a pesquisa de terapia gênica contra o câncer e a hemofilia B; vive-se a implantação da telemedicina e os desafios do uso da inteligência artificial na saúde; mas, também, infelizmente, presenciamos que não foram erradicadas nem a desnutrição, nem a fome e nem as condições mórbidas e degradantes no saneamento básico para muitos compatriotas; que boa parte da população não tem acesso dignamente adequado à saúde e aos avanços da medicina, bem como a utilização insensata de fake news e, paradoxal e retrogradamente, as campanhas antivacinais, com risco de retorno de doenças que estavam sob controle.
É desse período (2004) o surgimento do sétimo e atual Estatuto da Academia de Medicina de São Paulo, bem como a utilização da pelerine preta (2007-2008) como insígnia acadêmica.
Nesses quase 129 anos de existência ininterrupta do sodalício, que teve nove diferentes locais como sede, sendo em três deles por duas vezes, a Academia de Medicina de São Paulo viveu, enfrentou e superou inúmeros, diversificados e grandes percalços, através de abnegados membros das dezenas e dezenas de diretorias que se sucederam briosamente!
A medalha presidencial “Luiz Pereira Barreto” tenciona, enfim, valorizar e sintetizar essa trajetória de trabalho, coesão, unidade, honra e sucesso. Por anuência da atual diretoria composta igualmente por abnegados colaboradores, colorarei humildemente, pela primeira vez, esta distinção honorífica, tendo viva em minha mente e no meu coração todos esses preciosos confrades e confreiras que se dedicaram denodadamente a outrora Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, augusta Academia de Medicina de São Paulo!
Muito obrigado!
[1] Discurso da instituição da Medalha Presidencial “Luiz Pereira Barreto”, proferido na solenidade de gala por ocasião de concessão de quatro títulos de membro emérito; posse de cinco membros titulares e posse de dois membros honorários na Academia de Medicina de São Paulo, efeméride ocorrida no Auditório Professor Doutor Adib Domingos Jatene da Associação Paulista de Medicina, à Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278 – Bela Vista – 9o andar, em 9 de novembro de 2023.
A mesa de honra dos trabalhos foi composta por Luiz Pereira Barretto, tataraneto de Luiz Pereira Barreto, fundador e primeiro presidente do sodalício; José Luiz Gomes do Amaral, ex-presidente da Academia de Medicina de São Paulo (AMSP) e presidente da Associação Paulista de Medicina (APM); Sérgio Bortolai Libonati, secretário geral da AMSP; Antônio José Gonçalves, presidente eleito da APM; Edmund Chada Baracat, diretor de comunicação da AMSP; e Helio Begliomini, presidente da AMSP.