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Decadência da Psiquiatria — 8 O caso Cadu

22.10.2014 | Gerais

Guido Arturo Palomba

Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, conhecido como Cadu, assassinou o cartunista Glauco e seu filho. No processo-crime, foi instaurado incidente de insanidade mental; após ser examinado por psiquiatras forenses, emitiu-se o diagnóstico de esquizofrenia paranoide, bem como que o réu agiu em momento de delírio e alucinação. Cadu pensava que Glauco era Deus, ouvia vozes, sentia-se perseguido, visivelmente transtornado, agitado e muito agressivo. 

Em outras palavras, estava louco, sofria de esquizofrenia paranoide, fato que implicou inimputabilidade penal, ou seja, o crime não lhe pode ser penalmente atribuído (imputado) por ser doente mental. Isso significa que não se trata de criminoso comum, mas, sim, de um doente mental criminoso. Consequentemente, a lei o absolveu do crime. 

Quando isso ocorre, o juiz não aplica pena corporal (detenção), justamente porque foi absolvido do crime, mas decreta medida de segurança consistente em internação em manicômio judiciário, hoje chamado casa de custódia e tratamento psiquiátrico, pelo prazo maior que a lei comina: três anos. 

Porém, e isso é de fundamental importância, existe diferença imensa entre pena corporal (no caso do criminoso comum) e medida de segurança (no caso do doente criminoso): quando termina a pena corporal, o sentenciado é posto em liberdade, ou seja: se foi apenado com 20 anos (claro que há inúmeras reduções, benesses etc.), encerrado o prazo, vai para a rua. Já no que diz respeito à medida de segurança, somente é colocado em liberdade se a periculosidade cessar. 

Isso quer dizer que, depois dos iniciais três anos de medida de segurança detentiva, somente ganha a liberdade aquele que não mais apresentar perigo à sociedade, avaliação a ser feita por psiquiatras forenses. Do contrário, permanece internado. Decorrido mais um ano, novo exame: se apresentar periculosidade, permanece outro ano internado, e assim por diante. Tal fato pode, e deve, em certos casos, durar muitas décadas de internação, pois indivíduos como Cadu apresentam periculosidade permanente, a qual somente cessa quando, após muitos anos, a doen­ça evolui para a demência, isto é, quando atinge o seu estado terminal, ocasião em que já não tem mais capacidade de articular crime algum. Dito de outra forma: continua doente mental grave, porém sem periculosidade. 

No caso de Cadu e seu novo crime, o primeiro erro foi a improvisação de psiquiatras despreparados para avaliarem a sua periculosidade. Disseram que ela tinha diminuído e propuseram tratamento ambulatorial. A argumentação utilizada foi que seu quadro psiquiátrico era estável, mantinha bom comportamento no local no qual estava internado e, portanto, não havia justificativa clínica para continuar o tratamento sob regime de internação. Recomendaram (os psiquiatras forenses improvisados) alta hospitalar e tratamento ambulatorial. 

O segundo problema foi jurídico, pois a juíza que recebeu o laudo atestando que a periculosidade era mínima, simplesmente o aceitou, quando poderia tê-lo rejeitado, no todo ou em parte, con­forme o art. 182 do Código de Processo Penal. Rejeitá-lo seria uma questão de cautela e de bom senso, sobretudo considerando o pouco tempo decorrido entre o delito e a liberdade, em face da gravidade da doença e da violência do crime. 

A questão agora é: que fazer diante desse novo crime? Resposta: novamente instaurar incidente de insanidade mental, dar o réu como inimputável, decretar medida de segurança detentiva e ansiar que, no final do tempo mínimo inicial (três anos), não seja novamente avaliado por pessoas despreparadas, que não sabem o bê-á-bá da psiquiatria forense: esquizofrênicos paranoides jovens, que cometem crimes graves contra a vida, em decorrência de alucinações e delírios abundantes, bem como sem capacidade de avaliar a gravidade do que fizeram — mesmo que estejam fora do surto agudo, a gozar período de acalmia da doença ou controlados por remédios —, são potencialmente perigosos à sociedade. Bastam uma pequena modificação das circunstâncias pessoais, algumas noites maldormidas, estresse, uns goles de álcool, alimentação precária, um dia sem tomar remédio, uma contrariedade qualquer, para que tudo se deforme novamente. Infelizmente, essa regra não foi observada. 

Em outras palavras, esqueceram-se do prognóstico e basearam-se somente no quadro clínico a um palmo da vista. É um exemplo da decadência nesta área da psiquiatria. 

Guido Arturo Palomba 

Psiquiatra Forense