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História da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo da FMUSP

24.07.2015 | Gerais

Uma sugestão para um método do ensino

Arrigo Raia

Ao completar 100 anos, 48 dos quais vividos em serviços de cirurgia, período em que assisti e participei da maior evolução da cirurgia do aparelho digestivo de sua história, pareceu-me oportuno rememorar os fatos ocorridos no período que se inicia com a criação do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e a minha nomeação como professor titular da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo. 

Como todo historiador pode enganar-se, submeti este trabalho à apreciação de seis professores titulares que participaram do serviço desde sua criação, em 1974, quando fui nomea­do para chefiá-la, até a minha aposentadoria, em 1982. São eles: Joaquim Jose Gama Rorigues; Marcel Cerqueira Cezar Machado; Silvano Atilio Raia; Angelita Habr Gama; Joamel Bruno de Mello; e Masayuki Okumura. 

Quando cursei o 4º ano da FMUSP, em 1934, havia duas cadeiras em que era ministrado o ensino da cirurgia, a 16ª e a 17ª. Como à época os conhecimentos da cirurgia eram restritos, os professores dessas cadeiras praticavam e ensinavam toda a matéria relativa à patologia cirúrgica. 

Desde minha formatura, trabalhei no serviço de cirurgia do Professor Alípio Correa Netto, no qual, aos poucos, desenvolvi minha expertise em cirurgia do aparelho digestivo, tendo criado, com professores e assistentes, serviços clínicos, cirúrgicos e experimentais. 

Em 1953, o progresso e a evolução de vários setores da cirurgia levaram Benedito Montenegro e Alípio Correia Netto, que ocupavam as duas cadeiras, a estabelecer um acordo, não oficial, para criar o departamento de cirurgia. Uniram as duas cadeiras por eles chefiadas e criaram as disciplinas cirúrgicas. Foram, assim, os pioneiros do Departamento de Cirurgia. 

Só mais tarde, em 1969, o então reitor da universidade, Professor Miguel Reale, ratificou a formação do Departamento, agora incorporando a cadeira de cirurgia chefiada pelo Professor Edmundo Vasconcellos, conforme determinação da Congregação da Faculdade com o decreto n. 2.526, de 12/12/69. 

Em 1973, concorri a uma vaga de professor titular de cirurgia e tornei-me o primeiro titular da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo. 

Infelizmente, alguns docentes que exerciam suas funções em serviços anteriormente existentes, não conformados com a fusão dos vários serviços em uma única disciplina, iniciaram um movimento para criar uma nova disciplina de cirurgia do aparelho digestivo. Pretendiam que um dos novos cargos de Professor de Disciplina recém-criados pelo reitor fosse utilizado para originar outro cargo de Professor de Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo e, portanto, uma nova disciplina. 

Surgiu, então, uma discussão na congregação que perdurou por cerca de dois anos, uma vez que essa ideia foi apoiada também por alguns professores titulares que desconsideravam não só os argumentos defendidos por Benedito Montenegro e Alípio Corrêa Neto ao criar o Departamento de Cirurgia, como também a determinação da Congregação, sancionada pelo reitor, de manter uma só disciplina de cada especialidade cirúrgica. 

Durante cerca de dois anos, lutei veementemente nas reuniões do Conselho do Departamento de Cirurgia e da Congregação, defendendo a tese de disciplina única. Por fim, ela foi vencedora. Logo depois de me tornar professor titular, adotei uma conduta pioneira, acredito, no mundo, dividindo a especialidade em grupos dedicados, respectivamente, a cada um dos setores da disciplina, entregando a chefia a jovens cirurgiões que, gradativamente se tornaram líderes na especialidade. São eles: 

Grupo de cirurgia do esôfago sob direção do Professor Henrique Walter Pinotti. 

Grupo de cirurgia do estômago, duodeno e intestino delgado — chefe: Paulo David Branco até 1977 e, depois, Joaquim José Gama Rodrigues. 

Grupo de cirurgia de vias biliares e pâncreas — chefe: Plínio Bove até 1978 e, depois, Marcel Cerqueira César Machado. 

Grupo de cirurgia de colos e reto — chefe: Daher Elias Cutait e, ulteriormente, Angelita Habr Gama. 

Grupo de cirurgia do fígado e hipertensão portal — chefe: Silvano Raia. 

Anexos a esses grupos, foram criados ainda os seguintes serviços: 

Unidade para estudo da atividade motora de tubo digestivo. Criada em 1960 por Henrique Walter Pinotti e Agostinho Bettarello, com o apoio de Alípio Corrêa Neto, Arrigo Raia e Odorico Machado de Souza. Esse Grupo funcionou primitivamente no Departamento de Anatomia da Faculdade de Medicina e, a partir de 1973, transferiu-se para a Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo. 

Juntamente com Henrique Walter Pinotti e Germano Ellenbogen, criamos, em 1967, o setor experimental para estudo de transplante pancreático que funcionou no laboratório de técnica cirúrgica e cirurgia experimental, serviço dirigido por Américo Nasser. 

A unidade de endoscopia do tubo digestivo alto, tão importante no diagnóstico e tratamento das afecções do aparelho digestivo, apesar de ser um serviço autônomo, esteve sempre intrinsecamente ligada à disciplina. O serviço foi criado por Plínio Mattos Barreto, que o chefiou até 1969. Ano em que Joaquim José Gama Rodrigues e Akira Nakaidara organizaram a unidade de endoscopia peroral. Gama Rodrigues permaneceu na sua chefia até 1971, quando Shinishi Ishioka foi nomeado para uma vaga da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo, assumiu a chefia. 

Em 1967, Silvano Raia criou o laboratório experimental para estudo das doenças do fígado e desenvolvimento da tecnologia do transplante de fígado. 

Em 1971, com o surgimento da alimentação parenteral prolongada como método de grande utilidade no preparo do ­doente no pré-operatório e tratamento pós-operatório, e, conhecendo os bons resultados obtidos por Dudrick, encarreguei Joel Faintuch e Marcel Cerqueira Cesar Machado para constituir um grupo de trabalho a fim de estudar e aplicar esse método terapêutico. Como resultado desse trabalho, Joel Faintuch criou, no serviço, uma unidade de alimentação parenteral.  

Joel Faintuch editou, em 1976, com outros coeditores, o livro Alimentação parenteral prolongada a fim de difundir no nosso meio a experiência da literatura e aquela adquirida no serviço com essa nova modalidade terapêutica.  

Em 1974, Angelita Habr Gama criou o serviço universitário de colonoscopia que serviu de modelo para difusão desse meio propedêutico no País. 

Não foi fácil harmonizar os interesses e as aspirações de elementos com personalidades diferentes e provindos de várias escolas cirúrgicas. Todavia, com persistência, paciência, trabalho e muita compreensão, consegui organizar a Disciplina. Essa tarefa foi possível substituindo a mentalidade magister dixit pela de liderança emergencial. Nesta, o professor participa e orienta todos os setores cuja liderança é substabelecida ao responsável mais jovem. 

Estabeleceu-se, assim, uma colaboração e um entrosamento entre os elementos que trabalhavam ao meu lado, inclusive os pertencentes às duas disciplinas, cirúrgica e clínica, esta chefiada por Agostinho Bettarello. Da colaboração profícua resultante decorreram vantagens para o ensino, para o estudo dos doentes e para a pesquisa, o que permitiu mais tarde a Betarello e Pinotti fazer também a união administrativa das duas Disciplinas, formando o departamento de gastroenterologia. 

A associação demonstrou-se proveitosa não só para os estudantes, como também para os médicos. Todos participavam da visita aos doentes, das discussões sobre o diagnóstico, da indicação do tratamento e seus resultados e, nos casos de morte, os achados da necropsia. 

Tal entendimento facilitou o ensino e evitou a repetição de temas com pontos de vista diferentes, causa de confusão para a compreensão dos estudantes. Ele também foi útil a clínicos e cirurgiões, sobretudo nas doenças passíveis de cura com o tratamento clínico ou cirúrgico conforme o estágio de sua evolução. Uma advertência aos clínicos para não manter um tratamento clínico muito prolongado, gerador de complicações que dificultam a execução do ato cirúrgico. Aos cirurgiões, de não indicar um tratamento cirúrgico precoce em doenças que se podem beneficiar do tratamento clínico e para as quais a abordagem cirúrgica pode ter sequelas desagradáveis, como a síndrome de dumping, após gastrectomia. Os estudos e as pesquisas realizadas pelos vários chefes de grupo e colaboradores entrosando aspectos cirúrgicos e clínicos trouxeram algumas contribuições valiosas para o conhecimento da patologia e para tratamento de algumas moléstias do esôfago, do estômago, das vias biliares e pâncreas, do colo e também no tratamento da hipertensão portal. 

Esses estudos originaram centenas de publicações que seria enfadonho mencionar neste artigo, e mesmo fora de propósito. Elas podem ser consultadas na internet pelo nome de cada componente da disciplina. 

Fui sempre movido por um espírito universitário, segundo a filosofia do Professor Alípio Correa Neto, de quem fui assistente. Dei liberdade aos assistentes para que desenvolvessem suas atividades e criatividade, o que permitiu que sete deles se tornassem professores titulares: cinco na FMUSP e dois em outras faculdades. 

Acredito que foi uma resolução acertada, pois essa decisão constituiu-se em estímulo para que eu também continuasse trabalhando e produzindo para manter as atribuições de líder. Além dessas atividades, a Universidade e, nesse caso, a Faculdade de Medicina, têm outro objetivo: o de difundir os conhecimentos adquiridos em toda a sociedade e, em particular, no nosso caso, na sociedade médica. Com isso, permite-se que os médicos que não trabalham em serviços universitários possam ter acesso à evolução dos conhecimentos conquistados pela Academia. 

Com esse objetivo, eu e meus colaboradores ministramos centenas de cursos extracurriculares, abordando temas diversos no âmbito da cirurgia do aparelho digestivo. Dois cursos tiveram maior repercussão. Em 1972, juntamente com o Dr. Shinishi Ishioka, responsável pelo serviço da endoscopia digestiva da disciplina, entramos em entendimento com a Universidade de Nihon, em Tóquio. 

O câncer gástrico, há muito tempo, foi o mais comum no Japão, causando mortalidade elevada. Com o fito de instituir um tratamento precoce da doença e diminuir o índice de mortalidade, os pesquisadores recorreram a vários processos diagnósticos. Com a fabricação do esofagogastroscópio flexível, classificaram a lesão baseando-se na sua infiltração na parede do estômago, ajudando, assim, o cirurgião a baixar o índice de mortalidade. 

Por meio desse entendimento em 1972, 1975, 1977 e 1980 o diretor da Universidade enviou a São Paulo os seguintes professores japoneses: Takao Hayashi, endoscopista; Tatsuy Unoura, radiologista; Ariyos Iwasaki, gastroenterologista; Takache Sakabe, chefe do departamento de cirurgia. Todos membros daquela instituição e Kasuwidi Takesoe, chefe de cirurgia do Hospital Hyoma. 

Esses professores ministraram quatro cursos, nos anos citados. Cada curso oferecia 40 vagas que foram totalmente preenchidas. Inscreveram-se médicos de todos os estados brasileiros e de todos os países da América do Sul. Foi uma colaboração da disciplina para a difusão, por toda a América do Sul, dos novos conceitos de câncer gástrico precoce e seu tratamento. Pela primeira vez na história da Faculdade de Medicina, um grupo de professores estrangeiros foi enviado ao Brasil quatro vezes para difundir os resultados de uma pesquisa importante. 

Como contribuição ao ensino continuado de cirurgia do aparelho digestivo e a fim de difundir os conhecimentos resultantes da evolução e do progresso dessa especialidade em nosso meio, organizei, em 1974, um curso sob minha orientação e cuidados da professora Angelita Habr Gama, cuja finalidade era transmitir os ensinamentos atualizados aos colegas que exercem a especialidade e que trabalham fora de um serviço universitário para que eles pudessem, com acerto, conhecer os processos modernos da cirurgia do aparelho digestivo recomendado. Além disso, alertar os cirurgiões menos experientes sobre a complexidade da patologia digestiva pois, se eles não se aprofundarem no conhecimento dos seus problemas, poderão descambar para a iatrogenia. 

Este curso, que na sua primeira edição teve apenas 30 participantes, deixando-me de certa forma frustrado, tornou-se, logo depois, conhecido com o nome de Gastrão, atingindo mil inscritos. O curso continua há 38 anos sendo ministrado pelos colegas que me sucederam na direção da Disciplina com a participação de professores de outros centros universitários do país e do exterior e nele se inscrevem ainda de 950 a 1.000 médicos anualmente. 

Em 1982, com a colaboração de Henrique W. Pinotti, conseguimos o credenciamento junto ao MEC do curso de residência de especialização em cirurgia do aparelho digestivo. Essa residência visa a formação de profissionais de elevado nível e sólida experiência na especialidade. Após o estágio básico da residência em cirurgia do aparelho digestivo, a Disciplina recebe­, durante um ano, cinco residentes de 3º ano e cinco de 4º ano, visando a formação de cirurgiões especializados. 

Em 1968, juntamente com Henrique W. Pinotti e Germano Ellenbogen, realizamos o primeiro transplante de pâncreas no Brasil. Infelizmente, o resultado não foi satisfatório, pois houve rejeição e o órgão teve que ser retirado. Na ocasião, a cirurgia não foi repetida porque concluí, analisando a complexidade e o risco das várias opções cirúrgicas, que o transplante de células de ilhotas de Langherans seria o processo mais simples e que deveria resolver o problema dos diabéticos. 

Em 1968, Masayuki Okumura fez o primeiro transplante de intestino delgado no Brasil e no mundo. O paciente sobreviveu 10 dias, tornando-se o pioneiro nesse tipo de cirurgia. Esse feito rendeu a Okumura uma homenagem prestada durante congresso realizado em Toronto e no simpósio sobre transplante intestinal, sediado na cidade de Ontário, Canadá, em 1991. 

Okumura também dedicou-se à pesquisa com ratos, nos quais inoculava o tripanossoma, usou nas suas experiências cerca de 4.000 animais, e foi o primeiro pesquisador a demonstrar a presença do tripanossoma no plexo mioentérico do intestino, confirmando a etiopatogenia da doença de chagas. 

Em 1971, Silvano Raia, Arrigo Raia e Luiz Caetano da Silva iniciaram um estudo prospectivo com agrupamento aleatório para comparação de três métodos operatórios mais empregados no País para tratamento das varizes sangrantes do estômago em portadores de cirrose hepática esquistosomótica: desconexão ázigo-portal completa (realizado por Arrigo Raia), anastomose esplenorrenal clássica (realizado por Armando Teixeira da Silva) e descompressão portal seletiva (realizado por Silvano Raia). Esse estudo foi orientado pelo Group de Recherches de Methodologie Informatique e Satistique em Medicine, de Paris, e concluiu que o método que apresenta melhores resultados é a desconexão ázigo-portal completa. 

Em 1971, com base em estudos experimentais realizados por dois grupos liderados por Silvano Raia e Marcel Cerqueira Machado, ambos se uniram a Arrigo Raia para efetuar um transplante de fígado em paciente que sobreviveu 20 dias. 

Os transplantes foram, então, suspensos temporariamente­, até que novos esquemas de imunossupressores permitissem prever maior sobrevida. Silvano Raia e Marcel Cerqueira Cersar Machado continuaram os estudos experimentais sobre o método cirúrgico e, mais tarde, em 1985, Raia fez o primeiro transplante de fígado com sucesso na América Latina. 

Em 1988, ele se tornou também pioneiro mundial dos transplantes hepáticos intervivos, que melhorou as perspectivas de vida dos pacientes candidatos a essa cirurgia. Atualmente, já são referidos na literatura cerca de 5.000 casos operados com essa técnica. 

Em 1978, como presidente da sociedade para o biênio 1977/1978, com a colaboração de meus assistentes, organizei e presidi o 5º Congresso Mundial do Collegium Internationale Chirurgiae Disgetivae realizado em São Paulo, de 03 a 06 de setembro. Inscreveram-se no Congresso médicos da América do Sul, América Central, América do Norte, Europa, Ásia, África e Austrália. 

Apresentaram trabalhos não só os componentes da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo, como também os da Disciplina de Gastrenterologia Clínica. Em 1983, em homenagem à Escola Professor Alípio Corrêa Neto, que dedicou por muitos anos atenção especial às manifestações digestivas da doença, editei o livro Manifestações Digestivas da Moléstia de Chagas. 

O livro contou com a colaboração de vários professores de outros centros universitários. Nele, são tratados os aspectos da moléstia de Chagas, agente etiológico, anatomia, patologia, estudo experimental, sintomatologia clínica e, mais pormenorizadamente, o tratamento cirúrgico das várias manifestações. É descrita a normatização das várias técnicas cirúrgicas para o tratamento das diversas manifestações, particularmente aquelas desenvolvidas na disciplina e que hoje são adotadas na maioria dos centros especializados do País. 

Juntamente com Euriclydes de Jesus Zerbini, editei a 4º edição do Tratado de Clínica Cirúrgica Alípio Corrêa Netto — obra em quatro volumes. O quarto volume dedicado à cirurgia do aparelho digestivo, contendo 999 páginas, foi todo escrito por mim com a colaboração dos assistentes da Disciplina. 

Em 1989, Cordiano e Nardo publicaram um livro em dois volumes, 896 páginas sob o título Color Atlas of Gastrointestinal Surgery, no qual são descritas as várias técnicas utilizadas no tratamento das patologias digestivo. 

Para isso, foram convidados diversos cirurgiões da América, Europa e Ásia. Fui o único representante da América do Sul e escrevi o capítulo sob o título Esophagocoloplasty, com a colaboração de Ricardo Fadul. 

Graças a intenso trabalho e dedicação dos meus colaboradores, posso afirmar, sem modéstia, que a Disciplina do Aparelho Digestivo tornou-se conhecida e respeitada não só no Brasil, como também no exterior. Nas viagens que realizei fora do País, não encontrei serviços de cirurgia do aparelho digestivo que tivessem tantos elementos dedicados a cada um dos setores da patologia digestiva com os conhecimentos, a capacidade e experiência dos que compunham os vários grupos da nova disciplina. Com o nosso trabalho, contribuímos para a evolução da cirurgia digestiva em nosso meio, de tal sorte que, ao fim do meu mandato de professor, eram praticadas, no serviço, todas as técnicas cirúrgicas para tratamento das doenças do aparelho digestivo, da apendicectomia ao transplante de fígado. A especialidade cresceu tanto que é impossível, hoje, ao cirurgião que abraça a especialidade praticar todos os processos cirúrgicos para tratamento das afecções do sistema. Em geral, o especialista dedica-se, atualmente, apenas a um dos setores­ da especialidade. 

Finalizando, faço uma profissão de fé: nunca admiti uma universidade fechada feita exclusivamente para servir a interesses pessoais. Com espírito universitário, procurei estimular sempre a evolução dos meus assistentes, de trabalharem juntos em grupos, interrompendo a triste sequência que observei ao longo de minha carreira, pela qual, a cada ascensão de um novo professor titular, sacrificaram-se muitos, que, por razões circunstanciais, não sucediam ao professor que deixava o posto. Em conse­quência dessa maneira inovadora de agir, sete componentes da Disciplina dispuseram de condições para evoluir, pesquisar e publicar trabalhos que os capacitaram por concurso a conquistar o cargo de professor titular Cinco na Faculdade de Medicina da FMUSP (Silvano Raia, Henrique Walter Pinotti, Angelita Habr Gama, Joaquim José Gama Rodrigues e Marcel Cerqueira César Machado); um da Faculdade de Medicina de Santo Amaro, Joamel Bruno de Mello; e Masayuki Okumura na Faculdade de Medicina de Santo André. 

Graças ao trabalho realizado, fui surpreendido com o prêmio Jurzykowski de 1992, concedido pela Fundação Alfred Jurzykowski da Academia Americana para o Progresso da Ciência de Nova York com a seguinte justificativa “pelas significativas contribuições no campo da pesquisa e da cirurgia, autor de inúmeras publicações nacionais e estrangeiras”. Finalizando, faço votos de que aqueles que me sucederam continuem evoluindo dentro dos princípios universitários que aprendi com meus professores, que incluem obediência aos valores éticos e o reconhecimento do trabalho daqueles que nos precederam. 

Arrigo Raia 

Professor Emérito da FMUSP