Medicina baseada em evidências
Jenner Cruz
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Medicina baseada em evidências ou medicina baseada na evidência, como dizem nossos colegas portugueses, é um movimento médico que se baseia na aplicação de métodos científicos a toda prática médica. Nesse caso evidências seriam provas científicas. Um de seus fundadores foi o britânico Prof. Archie Cochrane através de seu livro “Effectiveness and efficiency random reflections on health service”. Os defensores desse movimento diziam que essa medicina de resultados se oporia à antiga medicina da autoridade. Eles adotavam a metarrevisão da literatura (meta-análises), análise do risco-benefício, estudos populacionais, etc.
Não resta a menor dúvida de que a medicina deve se basear em fatos cientificamente comprovados. Muito antes de A. Cochrane, muitos estudos foram baseados em dados provados estatisticamente. Talvez o maior tenha sido o estudo de Framingham.
Como já relatei em outra crônica, em 1948 a National Heart Institute iniciou um projeto muito ambicioso: identificar os fatores que contribuíam para a crescente causa de mortes por doenças cardiovasculares nos Estados Unidos. Assim foi criado o Framingham Heart Study, que continua a ser coordenado pela Universidade de Harvard, eleita mais uma vez como a melhor Universidade do Mundo. Essa Universidade fica na cidade de Boston, Estado de Massachusetts, e a pequena cidade de Framingham, a menos de 40 quilômetros, no mesmo Estado, faz parte do grande complexo industrial Boston.
Inicialmente, 5.209 habitantes dos dois sexos, com idades entre 30 e 62 anos, foram requisitados para a pesquisa. Eles continuariam morando na cidade de Framingham, mantendo os seus afazeres habituais, bem como realizando entrevistas, exames físicos e laboratoriais seguidos, de tempos em tempos, e recebendo pagamentos mensais. Em 1971, foram acrescidos de seus cônjuges e filhos. No ano 2000, Framingham tinha 66.910 habitantes, sendo considerada uma das maiores comunidades brasileiras dos Estados Unidos, conhecida como Little Brazil, com igrejas e lojas escritas em português e a famosa Brazilian Pizza. Será que esses brasileiros descobriram a maravilha de viver em Framingham?
Esse estudo, importantíssimo, é até hoje a base da análise de risco-benefício das doenças cardiovasculares. Portanto, a medicina há muito tempo é feita com base em evidências.
A medicina baseada na autoridade predominou há mais de 100 anos. Muitos trabalhos antigos são atribuídos a apenas um autor, mas na realidade foram escritos com a colaboração de vários assistentes, mas apenas o professor catedrático assinou a publicação. Esse fato vergonhoso não existiu somente no passado. Apesar de a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ter extinto o cargo de professor catedrático (aquele que tudo podia fazer) na década de 1970, até recentemente, alguns raros professores ainda exigem que o seu nome faça parte da publicação de uma pesquisa da qual não tomaram parte, ou impedem atividades e palestras de seus assistentes, ou proíbem que alguns deles façam concurso para livre-docência, informando que seriam reprovados se o fizessem.
Meu saudoso professor Antonio Barros de Ulhôa Cintra fez um curto estágio na Alemanha, no início do nazismo, antes de entrar no Massachusetts General Hospital, da Harvard Medical School, em Boston, serviço do professor Fuller Albright, pai da moderna endocrinologia. Ele contava que na Alemanha, naquela época, não era permitido ao estagiário dirigir-se pessoalmente ao catedrático por nenhum motivo. Quando necessário, falava antes com o primeiro assistente e, se este achasse o motivo pertinente, ambos iam falar com o professor. Saudavam Hitler em posição de sentido. Cintra continuava nessa posição durante toda a entrevista. O assistente explicava para o catedrático o motivo da reunião e qualquer resposta deste era repetida a Cintra pelo assistente. Resposta que Cintra já ouvira. Uma prova eloquente de autoridade.
As companhias farmacêuticas viram um meio de ganhar muito dinheiro fazendo o bem. No tempo em que éramos estudantes de Medicina, visitamos um laboratório localizado na via Dutra, onde observamos, num grande salão, vários químicos estudando o chuchu. Broto de chuchu, chuchu passado, chuchu brotando, suas folhas, etc. Naquela época, dizia-se que chá de chuchu baixava a pressão arterial. Parece que nenhum produto ativo foi descoberto. Também naquela época a Medicina tomou conhecimento de que há anos, na Índia, havia uma planta que baixava a pressão arterial: Rauwolfia serpentina. Ela foi analisada, descobriram-se 17 alcaloides ativos, sendo 2 hipotensores (reserpina e resercidina) e um afrodisíaco (ioimbina). Dessas três substâncias, apenas a resercidina não é mais vendida no Brasil.
Portanto, os laboratórios estudam cientificamente todas as plantas que poderiam produzir um medicamento útil, para eles e para os doentes.
Uma vez uma paciente me mostrou e traduziu um artigo de uma revista alemã. Contava que, no século XIX, uma equipe de médicos alemães estava na África visitando uma aldeia. Um de seus membros entrou em insuficiência cardíaca congestiva. Não sabiam o que fazer. O pajé acalmou a todos. Fez um chá da Strophanthus kombe, e o doente “sarou”. Uma ou mais mudas dessa planta voltaram para a Alemanha, origem de um glicosídeo cardíaco, estrofantina, medicamento injetável que usei muitas vezes no Pronto- -Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Algumas tribos africanas utilizavam as sementes dessa planta como veneno para suas flechas.
Minha esposa é adepta de um programa muito interessante do canal pago Fox Life: Dr. Oz. Esse médico, cirurgião cardíaco, há anos diverte e instrui, espalhando importantes conhecimentos médicos. Ele acredita muito em chás e outros medicamentos fitoterápicos. Eu creio que os chás podem ser digestivos, calmantes, mas se eles tivessem algum princípio ativo importante esse já estaria isolado e aproveitado como remédio.
Atualmente, quando vamos a um congresso médico somos invadidos por uma série imensa de trabalhos sobre esse ou aquele assunto. Certa vez, o Dr. Celso Amodeo, do Instituto Pazzanese, teve a coragem de dizer em público que não confiava nesses estudos. Quase todos são estudos patrocinados por um laboratório farmacêutico, autor do Protocolo, estudando algum medicamento que eles querem difundir. O apresentador é remunerado pelo laboratório. Ora, a estatística não é uma ciência exata. É manipulável. E, como dizia o saudoso colega de nossa enfermaria, Dr. Luiz Martins de Alcântara, para o paciente que caiu nos 5% do intervalo de confiança, a desventura é 100%. Eu acredito parcialmente nesses estudos.
Concluiremos afirmando que a Medicina está crescendo de uma maneira alucinante. Em breve, teremos os remédios do futuro, ativos e bem tolerados, contra os fatores de crescimento, as interleucinas e similares.
A boa Medicina é e foi sempre baseada em evidências.
Jenner Cruz
Membro Emérito da Academia de Medicina de São Paulo