No país dos absurdos, os absurdos no futebol
Antonio Carlos Gomes da Silva
Há alguns meses cataloguei uma série de absurdos que, na minha opinião, decorrem de uma mentalidade tacanha, raiz do atraso no desenvolvimento deste maravilhoso país. Daí o título de País dos Absurdos.
Entre outros, alguns absurdos: lei “mais médicos”, lei das palmadas, leis trabalhistas que tolhem a produtividade, cotas raciais, maioridade penal aos 18 anos, salário para presidiário mesmo que não trabalhe, visita íntima para presidiário que resulta no aumento do seu ganho mensal, e por aí vai até o mais recente: acabo de ser multado por ultrapassar um… ciclista!
Neste ano passou a vigorar uma nova interpretação da participação das mãos e dos braços no futebol principalmente quando há o choque com a bola. Desde que aumente a área do corpo interrompendo a trajetória da bola, falta. Como geralmente ocorre na grande área, pênalti. ABSURDO.
Preliminarmente, faz-se necessário conhecer a 12ª das 17 regras do futebol de campo que versam sobre as faltas e incorreções.
Diz ela: “Um jogador que cometa intencionalmente uma das nove faltas seguintes será punido com tiro livre direto, cobrado do local onde ocorreu a falta”.
E em seu último item, o 9º: “falta: carregar, golpear, ou arremessar a bola com a mão ou o braço”.
“Se qualquer dessas faltas for cometida por um defensor dentro de sua grande área, será punido com um pênalti.”
Pois bem. Hoje, praticamente em todos os jogos oficiais, o árbitro assinala pênalti quando do encontro da bola com o braço ou a mão do defensor que esteja dentro da grande área. Repito, UM ABSURDO. A regra é clara, como diz um ex-árbitro, hoje comentarista de jogos pela TV, mas justifica tais pênaltis porque os braços não estão colados ao corpo, aumentando, assim, a área que pode bloquear a passagem da bola. Logo, o jogador agiu intencionalmente para beneficiar seu time. Ora, é impossível praticar qualquer esporte com os braços imobilizados junto ao corpo.
Por essa elementar razão, só existe uma possibilidade de falta quando do choque da bola com os braços ou com as mãos: a intenção do defensor em movimentá-los em direção à bola para obter vantagem. Mesmo assim, há quase um consenso em não punir quando esse movimento se der para proteger alguma parte sensível do corpo do defensor.
No entanto “bola na mão” (como se usa dizer) hoje é tratada como falta, ou pior, pênalti, porque os árbitros estão mais focados nessa situação quando ocorre na grande área.
Acostumados com a simplificação “bola na mão ou mão na bola é sempre pênalti”, no dizer dos boleiros, adotada em jogos de futebol society para evitar brigas, muitos torcedores, e até, pasmem, cronistas esportivos desconhecedores das regras do futebol costumam exigir a marcação de pênalti quando a bola vai em direção ao gol, mas tem sua trajetória interrompida pelo choque com o braço ou a mão do defensor. Portanto, incluem mais uma variável que inexiste nas regras: em direção ao gol. Não existe essa interpretação. Desde que não haja intenção, quer dizer, desde que seja casual, não é pênalti coisa nenhuma. Repito o bordão do tal ex-árbitro, isto é, a regra é clara: a condição sine qua non é a INTENÇÃO de interromper a trajetória da bola.
Contudo, o que vemos hoje em dia nos jogos de futebol é um festival de tapas e cotoveladas. Em quase todos os jogos, aqui no Brasil, ao menos um jogador atinge o adversário com uma cotovelada ou um tapa na cara, cuja consequência geralmente é um ferimento cortante com sangramento. Sob o pretexto de defender a bola, com a conivente opinião de muitos cronistas esportivos, o árbitro nem falta assinala na maioria das vezes. Verdadeiro contrassenso: de um lado concede um pênalti em toque involuntário, mas de outro deixa de punir uma agressão. Quanta incoerência!
Futebol vem do inglês foot, que significa pé. Logo, é jogado com os pés que não têm as excelsas qualidades das mãos. Portanto, com muito menos recursos os pés fazem dos futebolistas verdadeiros artistas. Mas quando usam os pés, e não as mãos ou os braços.
Hoje, os braços são usados tanto para impedir que o adversário jogue quanto para aterrá-lo ou para agredi-lo, com a desculpa esfarrapada “uso legal para proteger a bola”, já comentado. Alguns jogadores até parecem nadadores ao enfiar os braços ombro adentro do adversário para impedir que executem uma jogada. Verdadeira braçada de nado livre. Ora, a bola deve ser protegida com o corpo e com os pés, pois esta é a essência do futebol. Nunca com a participação dos braços. Outro ABSURDO.
Isso foi só o começo, porque com a necessidade de usar os braços para impulsionar o salto, os jogadores de futebol estão se transformando em lutadores do MMA (ou coisa que o valha). É um festival de tapas, murros e cotoveladas que poderá acarretar uma parada cardíaca no dia que acertar em cheio o pescoço do adversário na região do glomo carotídeo. Aliás já tivemos a morte de um goleiro (na África?) após chocar-se com um avante. Creio ter sido esse o motivo. E os complacentes árbitros dão apenas falta e raramente advertem o infrator. Pergunto: qual é a punição ao jogador de basquetebol que usa as pernas para dar uma rasteira no adversário? Eliminação do jogo!
Caso se mantenham essas ABSURDAS interpretações, particularmente a relacionada a “bola na mão” que resulte em um pênalti, falta capital que pode decidir a vitória ou a derrota de um time, sugiro que os jogadores ou amarrem seus braços no corpo ou façam uma operação, colocando uma prótese que permita desatarraxar os braços ao entrar em campo, voltando a recolocá-los nos ombros ao final do jogo.
Antonio Carlos Gomes da Silva
Médico e Membro da Academia de Medicina de São Paulo