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O menino de Manhumirim – Homenagem a Hudson Hübner França, por Edgard Steffen e Newton de Oliveira

17.12.2012 | Gerais

Ao sexto filho de João e Regina, além do próprio sobrenome, pespegaram-lhe o nome de um país — que, por sua vez, era designativo de um dos padrinhos-testemunhas —, talvez para compensar a pequenez do lugar do nascimento.
A cidade era tão pequena que sequer possuía serviço telefônico e calçamento de ruas. Chegaram a excluí­la do Guia 4 Rodas.
Tiraram Manhumirim do

Guia 4 Rodas.
Mas tem a Rua do Sapo
(Sapo de Baixo e de Cima)
com seus meninos descalços (…)
na rua que é toda sua.
Ele próprio andou descalço pelas ruas empoeiradas, engraxando sapatos, vendendo pipoca e doces na estação de
trem, entregando compras de um armazém de secos e molhados.
Manhumirim era um quase nada, mas tinha o Rio do Ouro.
É o rio em que brinquei criança,
rio da meninice,
rio que na velhice
encanta minha lembrança.
O ouro estava apenas no nome daquelas águas. Faltava aos bolsos da família. Limitados recursos financeiros levaram
o jovem a morar, com um irmão, em São Paulo. Também o obrigaram a estudar sozinho para ingressar em faculdade
(desde que fosse pública). Aprovado em 7º lugar na USP, foi considerado o 2º melhor aluno daquela turma. Formado,
foi para Sorocaba, de novo para morar com seu irmão, até amealhar clientela, casar e constituir família.
Com sua namorada — também mineira e professora —, casou-se para toda a vida. Juntos envelheceriam. Ao captar
os primeiros sinais de envelhecimento na Diva, ele registrou:
Por uns poucos cabelos brancos numa
cabeça tão longamente querida.
Como é curta a distância
na estrada do tempo.
Os meninos com jeito de infância,
Minha mulher com um penteado de que me esquecera.
Tiveram três filhos. A fatalidade levou, precocemente, o caçula. Os outros dois seguiriam o caminho paterno e tornaram-se médicos. O mais velho escreveria no prefácio de Poemas da Hora Escassa: “Meu pai é um homem que, como os outros
mineiros de montanhas duras, se apresenta com divisas muito claras e definidas, tácitas, sem embargo peremptórias. Além de mineiro, já deve
ter nascido médico…”.
A escassez de horas para compor seus poemas deveu-se à grande clínica, angariada pela competência, devotamento
aos doentes, convívio com alunos e incansável dedicação aos estudos. Toda manhã podia ser visto, na Biblioteca, imerso em livros e revistas de Medicina. Defendeu tese, tornou-se professor titular e alcançou o cargo de Diretor-Geral do
CCMB-PUCSP1.
Turista diferenciado, conheceu o Mundo; profissional e morador, nunca mais saiu de Sorocaba. Tornou-se sorocabano por opção e direito. A Câmara Municipal outorgou-lhe o título de cidadão. Enquanto a idade permitiu, jogou
tênis, futebol e basquete. Com seus poemas ágeis, diretos e criativos, foi grande colaborador no Suplemento Literário da
Associação Paulista de Medicina.
De prosa curta e incisiva, costumava ir direto ao assunto. Entrevistado na TV local sobre seus relacionamentos, não
teve pejo em declarar: “Tenho muitos conhecidos, porém um só amigo: Dr. Newton de Oliveira!”. Não era muito de
falar, mas, ao fazê­-lo — em Medicina ou Cultura —, conseguia tornar de fácil compreensão os mais profundos conceitos.
Talvez preferisse o silêncio.
Puxei a cadeira
mais junto do silêncio
para poder conversar.
Até as vésperas de suas fibras miocárdicas baquearem, frequentou academia e esteira, com a mesma regularidade com
que estudava. Conseguiu driblar a cardiopatia que, precocemente, levara parentes e amigos. Resistiu até os 83 anos. As
coronárias endurecidas pela idade não aceitaram cateterismos nem pontes de safena. No meio da noite, o coração do
médico-poeta parou.
No meio da noite
ouço um ruído.
Não sei
mas
parece que o silêncio soluçou.
Todos nós soluçamos em silêncio, em 6 de agosto de 2012, para respeitar o descanso, como ele mesmo pediu:
Vivi muito, vivi…
Quero, agora, apenas dormir.
Que mais eu posso querer na minha idade
senão
o conforto de morrer com dignidade?
Hudson Hübner França (1929-2012)

1
CCMB-PUCSP — Centro de Ciências Médicas e Biológicas da PUC de São Paulo.
Per Dei misericordiae requiescat in pace.
Nota dos autores: Os versos transcritos foram extraídos do livro Poemas da Hora Escassa, do Prof. Dr. Hudson H. França.