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Posição da Academia de Medicina de São Paulo em relação a Resolução CFM n° 1.995/2012

08.10.2012 | Gerais

O tradicional pensamento religioso, principalmente o cristão, e em particular o católico, considera a vida como uma dádiva divina, sendo só do poder de Deus o milagre de provê-la ou retirá-la. O desenvolvimento das ciências da saúde neste século e particularmente nos últimos cinquenta anos, trouxe intervenções que abalaram esses dogmas religiosos demonstrando que de modo artificial um ser humano poderia vir a ser criado.

Os conhecimentos de Mendel, do início do século vinte, se multiplicaram até as possibilidades oferecidas pelo atual saber genético que permite essa possibilidade. Com o desenvolvimento das pesquisas científicas sem uma maior preocupação com os métodos empregados, o que levantava a opinião de parte proeminente dos médicos e de setores da sociedade, levou a criação nos Estados Unidos da América do Norte, em 1974, da “Comissão Nacional para a proteção dos seres humanos em investigações biomédicas e do comportamento.” Essa comissão, em 18 de agosto de 1979, divulgou seu relatório conhecido como “Relatório Belmont” em razão do local onde se procederam aos trabalhos. Esse relatório enfatizava o respeito pela pessoa humana, a beneficência e a justiça.Nesse mesmo ano Beauchamps e Childress na obra “Principles of biomedical ethics” consideravam quatro princípios colocados sem precedência: a autonomia, a beneficência, a não maleficência e a justiça.O cardeal italiano, Elio Sgreccia, Presidente Emérito da Academia para a Vida, reconhecido como importante autor na área de Bioética, em 2003, realçou a importância de três princípios na relação médico paciente: a beneficência, a autonomia e a justiça.Não só o Código de Ética Médica do Brasil, em vigor desde 2010, como também o anterior, cuidaram com muita atenção do respeito devido pelo médico pela autonomia do paciente.

No mesmo tempo em que ocorreu o nascimento do primeiro “bebe de proveta” em 1978, surgia um movimento à procura do direito do paciente de ter seu desejo em relação à saúde, à vida e à morte respeitado pelo médico que lhe prestava assistência. Essa preocupação se configurou, posteriormente, no paradigma bioético. A sociedade mundial enfocava os avanços da medicina e se preocupava com o comportamento dos médicos. Depois de um período em que o desenvolvimento tecnológico e científico da medicina levou junto com outros fatores, a um prolongamento da vida humana, o cuidado com o término da existência do ser humano, passou a ser uma nova preocupação do comportamento ético do médico. O direito e o desejo do paciente lúcido, responsável, informado, consciente e capaz passou a ser considerado um dever a ser respeitado pelo médico em todos os momentos em que a relação médico paciente permita um diálogo. Tal diálogo caracteriza a vontade do paciente. Na ausência dessa possibilidade cabe ao representante do paciente proceder a informação requerida ou em casos de urgência ou emergência deve ser tomada a medida cabível. Procurando tomar medidas que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, o Conselho Federal de Medicina, em reunião plenária de 09 de agosto de 2012 aprovou a Resolução CFM n°1.995/2012 publicada no D.O.U. de 31 de agosto de 2012, Seção I p.269-270.

Assim ficou definida como: “diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestada pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”. Como toda e qualquer inovação que seja material, imaterial, ou abstrata, valores tradicionais da cultura opõe objeções. É o bioconservador que se opõe ao transumanista. Tal fato aconteceu com parte da Igreja católica e com algumas autoridades judiciárias, chegando a uma batalha judicial entre a Procuradoria do Cidadão do Distrito Federal e o Conselho Federal de Medicina, na qual foi proposta uma liminar impossibilitando a validade da resolução. Em outra decisão posterior essa liminar, foi derrubada, restando a validade da Resolução. Autoridades eclesiásticas da Igreja Católica, como Dom Antonio Augusto Dias Duarte, membro da Comissão de Bioética da Pastoral Episcopal para a Vida e a Família, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, também, trouxeram palavras de compreensão pelos fundamentos da Resolução do Conselho Federal de Medicina.

A Academia de Medicina de São Paulo, representando uma parcela prestigiosa da coletividade médica paulista, através dessas considerações, vem trazer sua posição apoiando à iniciativa do Conselho Federal de Medicina de transformar em Resolução o acatamento às manifestações de vontade do paciente.

Affonso Renato Meira
Presidente