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Saudades de Luiz Celso Mattosinho França

06.03.2017 | Gerais

Relembro aqui seis distintos momentos com Mattosinho. No primeiro, ainda estudante de Medicina, ouvia falar de Mattosinho como o máximo expoente da Patologia brasileira. Se houvesse alguma dúvida sobre resultado de exame de anatomia patológica, a última palavra era a sua. 

O segundo momento se deu vinte anos depois, quando entrei na Academia de Medicina de São Paulo e vi que o Mestre era humano e não apenas um ícone idolatrado da minha profissão. 

Luiz Celso Mattosinho França se tornou o meu querido amigo Mattosinho. 

Para logo percebi uma pessoa inteligentíssima, que gostava de conversar sobre qualquer assunto, e o fazia com grande sagacidade e ideias próprias, fosse qual fosse o tema da conversa. 

Aí veio o terceiro momento, início deste século, marcado pelas disputas na Academia de Medicina de São Paulo. Sempre estivemos unidos a comungar dos mesmos ideais. Mattosinho presidiu a Academia em conjuntura conturbada, sem nunca se desviar do maior e único princípio: a Academia acima de todas as coisas! 

O quarto momento me deixou deveras orgulhoso. Mattosinho não era somente uma glória viva brasileira, mas também o campeão mundial e imbatível em um fato que desafio o leitor a mostrar trabalho de Anatomia Patológica com mais casos clínicos examinados superior aos 1.187.380 analisados pelo Mattosinho. Em outras palavras, são quase um milhão e trezentas mil lâminas (com laudos anatomopatológicos) guardadas, desde a primeira até a última e posteriormente reunidas em livro, tudo digitado, catalogado, estudado estatisticamente pelo Mestre, em face dos diagnósticos estabelecidos. 

O quinto momento diz respeito ao imenso prazer de tomarmos whisky juntos, em várias reuniões e festas na Academia de Medicina de São Paulo e na Associação Paulista de Medicina. Boa bebida, muita cultura geral e capacidade de reconhecer as mais distintas opiniões. Se houvesse refregas, sempre animado, se imperasse a dúvida, buscava a solução com verve e com talento. Em torno de sua presença, muito festejada, gravitavam amigos e admiradores. Mattosinho tinha uma espécie de imã, na verdade, aura que o nimbava de largo carisma pessoal. 

O sexto e último momento remonta a três dias antes de ele ser internado para morrer. O encontro se deu em uma festa na APM, na Pinacoteca, ocasião em que tomamos um drinque e conversamos longamente. Dias depois telefonou-me dizendo: “estou no hospital, acho que desta vez não escapo”. 

Sabia que o fim se aproximava e sempre lúcido, consciente e espirituoso, foi assim até a última UTI. 

Morreu um dos maiores médicos do Brasil e do mundo. Madeira de lei, roble frondoso que tomba, mas deixa sementes em forma de livros e de seguidores acadêmicos. Deixa também, em torno da grande clareira aberta, muitas árvores que choram. 

Guido Arturo Palomba

Membro Emérito da Academia de Medicina de São Paulo e Diretor Cultural da APM