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Velhas brochuras, novos livros

23.09.2014 | Gerais

Nelson Guimarães Proença

Ah, meus livros antigos! Encontrados no fundo de caixas, guardadas no sótão. Velhas brochuras, que recordam os tempos de adolescência, os tempos de juventude. 

Eram tempos em que as brochuras se espalhavam pelas livrarias, ocupando vitrines e balcões de ofertas. Na contracapa, se destacava o preço, sempre atraente, ao alcance da modesta mesada paterna. Ao alcance, também, dos minguados proventos de um jovem que acreditava levar jeito para ser professor e ajudava alguns alunos em recuperação escolar. 

Quem se exibia nas vitrines? 

Ali estavam Ernest Heminghway, Erico Veríssimo, Aldous Huxley, muitos outros. Eram tantos os que me chamavam, que se ofereciam, com um apelo: “Me leve com você”. Apelo irresistível, sempre uma promessa de leitura aprazível noite adentro. Como não ceder a tão consagrados mestres da literatura? 

E lá ia eu, inteiramente rendido, duas ou três brochuras debaixo do braço, com as finanças novamente abaladas e o orçamento do mês comprometido. Mas com a certeza de que meus horizontes iam ser ainda mais alargados, guiado pelos mestres. 

Passaram-se os anos, passaram-se as décadas, mudou o século. 

As brochuras ficaram em caixas, nas muitas mudanças. Depois, foram parar no fundo dos armários. Capas estragadas, quase destruídas, páginas soltas, algumas delas desaparecidas, sensação de perda. O que fazer, com aqueles restos aparentemente inúteis? Queimar, enterrar, destruir? Ou doar as pobres brochuras mutiladas, mas a quem? 

Eis que, no fundo do cenário sombrio, começa a surgir uma luz, desenha-se uma figura, uma silhueta, logo fica mais próxima, destaca-se desse fundo e ganha nome: Iara! 

Uma criatura simpática, com tamanha habilidade nas mãos de artesã, que a torna única em nossa Campos do Jordão. Livros com folhas soltas e dispersas, às vezes já rasgadas, em suas mãos são transformados, adquirem ordem, recuperam a aparência perdida, tornam-se até mais imponentes. Suas capas, em brochura, ganham revestimento e passam a ser encadernações diferenciadas. 

Agora, novamente à noite, aqueles velhos amigos, a quem eu não encontrava há tanto tempo, voltam a estar comigo. E voltam para contar coisas de outros costumes, de outras terras, de outras culturas, de outras gentes. Retomamos nossas conversas, interrompidas por tantos anos: “Onde foi mesmo que havíamos parado?”. 

Dona Iara, a senhora não sabe como lhe sou grato. E não só eu, mas também Jorge Amado, John Steinbeck, Giovanni Guareschi, muitos outros. Todos novamente aqui, a meu lado, neste Vale dos Marmelos, agora dispostos a ficar, quem sabe, para sempre. 

Obrigado, Dona Iara. 

(Leitura feita na Sessão da Academia de Letras de Campos do Jordão, em 30 de novembro de 2013.) 

Nelson Guimarães Proença 

Professor Emérito da Faculdade de Ciências Médicas 

da Santa Casa de São Paulo, Membro da 

Academia de Medicina de São Paulo