Antônio Carlos da Gama Rodrigues
Antônio Carlos da Gama Rodrigues, também conhecido por Carlos Gama, nasceu na cidade de Cruzeiro (SP), em 16 de abril de 1904. Era filho de Antônio Gama Rodrigues, natural de Salvador (BA), e de Leduína Braga da Gama Rodrigues, natural de Lorena (SP).
Gama Rodrigues matriculou-se em 1914, no Ginásio São Joaquim, em Lorena, onde fez o curso secundário. Ingressou na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo em 6 de fevereiro de 1920, graduando-se em 1925, sendo discípulo do renomado professor de neurologia Enjolras Vampré. Sobressaiu-se durante todo o curso médico e, por ocasião de sua formatura, defendeu tese de doutoramento intitulada Cirurgia das Vias Lacrimais, em 27 de março de 1926, sendo aprovado com grande distinção, grau 10. Esse trabalho recebeu o prêmio Carlos Botelho, em 1926, da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.
Ainda enquanto quintoanista prestou serviço na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo como encarregado auxiliar da 4ª Enfermaria Suplementar, criada emergencialmente durante o movimento revolucionário de 1924; e na Assistência Pública, como auxiliar médico voluntário, onde mais tarde seria nomeado oficialmente auxiliar do posto médico da Assistência Policial. No desempenho dessas funções, mereceu menção verbal, mais tarde referendada por escrito, pelo então diretor da Assistência Policial, dr. Raul de Frias Sá Pinto.
Terminado o curso médico, fez longa viagem pela Europa e Oriente próximo. Ao regressar, instalou em Guaratinguetá (SP) o “Instituto Cirúrgico Gama Rodrigues”, hospital que manteve em funcionamento desde abril de 1926 até maio de 1928. Foi diretor e um dos cirurgiões desse hospital, tendo se destacado como cirurgião e médico. Nesse período também foi cirurgião da Santa Casa de Misericórdia de Guaratinguetá. Em virtude de serviços prestados à Santa Casa de Misericórdia de Lorena, recebeu desse
nosocômio o título de cirurgião honorário, em 2 de fevereiro de 1928.
Durante o tempo que residiu em Guaratinguetá, cooperou também com os médicos do Serviço Sanitário dessa região em várias campanhas educativas, além de tomar parte ativa em reuniões científicas.
Fechou o hospital que mantinha em Guaratinguetá em 1928, ocasião em que se transferiu para São Paulo, onde iniciou sua clínica particular. Em dezembro desse mesmo ano instalou o serviço de assistência médica para os empregados da Empresa Paulista de Laticínios Ltda. Entretanto, em 1930, a empresa foi desativada.
Carlos Gama, em 1928, convidado por Enjolras Vampré, professor da disciplina de clínica psiquiátrica e moléstias nervosas – mais tarde denominada de clínica psiquiátrica e neuriatria –, tornou-se assistente e ministrou durante três anos aulas sobre nevralgias do trigêmeo e alcoolização do gânglio de Gasser. Realizou as primeiras neurocirurgias em 1929 na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Juntamente com José Ribe Portugal (RJ) e Elyseu Paglioli (RS), sem se conhecerem, tornaram-se pioneiros da neurocirurgia brasileira.
Esses três cirurgiões gerais, Portugal (RJ), Carlos Gama (SP) e Paglioli (RS) foram autodidatas e se transformaram em neurocirurgiões, abrindo caminho a uma especialidade.
Em junho de 1930, Carlos Gama foi nomeado interinamente médico cirurgião do Asilo Colônia de Santo Ângelo, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Trabalhou durante quase um ano como cirurgião da Santa Casa de Misericórdia de Cruzeiro (25 de agosto de 1931 a 9 de julho de 1932), atendendo à Rede Sul-Mineira.
Em 5 de outubro de 1931 foi nomeado adjunto do Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Por ocasião da Revolução de 1932, foi designado pelo governo do Estado para atuar junto ao Serviço Sanitário e organizar o Serviço de Saúde de Guerra. Nesse local, mais tarde, foi comissionado superintendente da zona da Central do Brasil, de acordo com o comando superior do referido movimento.
Em novembro de 1933, seguiu para os Estados Unidos da América, onde fez um curso de especialização em neurocirurgia na Harvard Medical School, na cidade de Boston, Massachussets. Retornando ao Brasil foi médico dos alunos, professores e empregados do Liceu Coração de Jesus na capital (1934-1935), e médico-cirurgião do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (1935).
Antônio da Gama Rodrigues casou-se com Simy da Costa Mesquita Alkaim em 2 de fevereiro de 1935, matrimônio que lhe deu dois filhos: Marita Simy Gama (21/9/1936), casada com Armand Naggar; e Antônio Carlos da Gama Rodrigues Filho (28/7/1938).
Até 1935, Carlos Gama já tinha conseguido reunir 1.014 intervenções em neurocirurgia, cifra que por si só demonstrava o seu alto grau de especialização. Aliás, fez brilhante carreira universitária na cadeira de clínica neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que pode ser assim sumariada: assistente extranumerário (1936); 2º assistente interino (1938); e, por concurso, em novembro de 1938, obteve, com distinção, a média final 9,68 com a tese de livredocência intitulada Contribuição para o Estudo das Nevralgias do Trigêmeo. Em 1942 foi membro da comissão examinadora no concurso à docência-livre da clínica neurológica da FMUSP.
Durante as férias de 1940-1941, fez uma viagem de estudos à Argentina, permanecendo em contato assíduo com os serviços dos professores Manuel Balado, Pio Del Rio Hortega e Vicente Dimitri, dentre outros.
Durante a II Guerra Mundial foi convocado pelo Serviço de Saúde do Exército para ministrar várias aulas em cursos de medicina de guerra organizados na capital paulista.
Antônio Carlos da Gama Rodrigues tornou-se chefe da clínica neurológica da Santa Casa de Misericórdia em 1943, além de irmão remido e irmão benfeitor desse nosocômio. Dentre outros títulos, cargos e funções que teve salientam-se: membro do Conselho Consultivo do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz da FMUSP (desde 1933); membro da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Paraguai (correspondente, 1939); representante oficial do governo do estado de São Paulo e da FMUSP nas comemorações do 1º centenário da Sociedade de Medicina de Pernambuco (1941); membro da Sociedade de Medicina de Recife (honorário, 1941); membro da Associação Médica de Marília (correspondente, 1942); membro fundador da Associação Paulista de Medicina e, nessa instituição, organizador e presidente (1942) do Departamento de Neuropsiquiatria; presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, durante um mandato anual entre 1944-1945; fundador e organizador das primeiras regionais no Brasil e primeiro presidente da Secção Brasileira do International College of Surgeons (1949); e secretário da Saúde e Assistência Social do estado de São Paulo.
Carlos da Gama Rodrigues destacou-se como conferencista, apresentando temas em renomadas instituições, tais como na Associação Paulista de Medicina (1932); Sociedade de Medicina e Cirurgia de Assunción, Paraguai (“Tumores Císticos da Cisterna Magna Comprimindo o IV Ventrículo”, 1939); Academia Nacional de Medicina (“Contribuição para o Estudo das Ventriculografias Direitas”, 1940); e
Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (“Cirurgia de Hipófise”).
Participou ativamente de numerosos congressos nacionais e internacionais de cirurgia na qualidade de presidente de delegações brasileiras. Escreveu mais de 180 trabalhos científicos, muitos dos quais citados na literatura estrangeira.
Paulo de Godoy, seu amigo, disse que “Carlos Gama foi sempre um homem bom, mas principalmente um homem digno”. Nutriu elevado espírito público, organizando, com sucesso, em 1962, o 1º Congresso das Santas Casas do Estado de São Paulo. Segundo seu biógrafo Carlos da Silva Lacas, Gama Rodrigues “procurou amparar essas beneméritas instituições em todo o território brasileiro, recebendo gratidão popular. Figura das mais brilhantes da neurocirurgia brasileira, seu nome deve ser reverenciado como médico dos mais ilustres, dotado de espírito renovador, tendo realizado, também obra de valor na aproximação cultural dos cirurgiões de nossa terra com os de outros países. A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, com a morte de Carlos Gama, perdeu um de seus maiores e mais dignos servidores.”
Antônio Carlos da Gama Rodrigues faleceu na cidade de São Paulo, em 25 de agosto de 1963, aos 59 anos. O jornal “A Gazeta” notificou no dia seguinte seu passamento, que foi “vítima de grave desastre, provocado por motorista irresponsável que se evadiu.” Seu corpo esteve exposto à visitação no Hospital das Clínicas e foi sepultado no cemitério da Consolação, na capital paulista.
NOTAS:
Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
Antônio da Gama Rodrigues (1876-1955) foi um importante clínico e cirurgião do interior paulista. Além de médico, historiador e escritor, teve atuação política, sendo presidente da Câmara Municipal de Lorena (1926 e 1936); prefeito de Lorena e deputado estadual. Foi um dos primeiros a defender uma reforma agrária.
Enjolras Vampré (1885-1938) foi presidente da Sociedade Medicina e Cirurgia de São Paulo durante um mandato anual entre 1921-1922, e é o patrono da cadeira nº 54 desse silogeu.
José Ribe Portugal (1901-1992), natural de Cachoeiro de Minas (MG), graduou-se na Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro. Incentivado por Antônio de Austregésilo, tornou-se o “pai da neurocirurgia brasileira”, realizando as primeiras intervenções no Rio de Janeiro em 1928.
Elyseu Paglioli (1898-1985), natural de Caxias do Sul (RS), formado pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre, foi o pioneiro da neurocirurgia nesse estado.
Portugal, Carlos Gama e Paglioli foram audazes, inteligentes, criativos e desprendidos. Com grande capacidade de trabalho tiveram a oportunidade e souberam usá-la, tornando-se os pioneiros da neurocirurgia no Brasil. Defasados aproximadamente cinco décadas em relação à Europa e aos Estados Unidos da América, deram início a essa nova especialidade. Através de viagens internacionais e intercâmbio com neurocirurgiões de outros países foram incrementando seus conhecimentos, a ponto de seus seguidores fazerem com que a neurocirurgia brasileira, após décadas de evolução constante e vertiginosa, fosse respeitada e equiparada aos grandes centros do mundo.
Carlos da Silva Lacaz (1915-2002) foi presidente da Academia de Medicina de São Paulo durante um mandato anual entre 1962-1963, e é o patrono da cadeira nº 53 desse silogeu.