Celestino Bourroul
Celestino Bourroul nasceu em 13 de novembro de 1880. Era filho único dos primos Paulo Bourroul e Sebastiana Bourroul, de ascendência francesa, especificamente de Antibes, na região da Provence.
Celestino Bourroul inicialmente estudou na Escola do Padre Hipólito e, aos 13 anos, foi matriculado no Colégio São Luís de Itú (SP) que, desde 1867, recebia famílias de nível socioeconômico elevado. Sua inteligência e assiduidade nos estudos diferenciavam-no dos demais alunos, qualidades essas logo notadas pelos seus professores. Concluiu o curso de humanidades de forma exemplar e voltou a São Paulo, onde, inspirado no exemplo de seu pai, Paulo Bourroul, decidiu cursar medicina.
A fim de seguir sua vocação, matriculou-se na centenária Faculdade de Medicina de Salvador (BA), no início de 1899, preterindo a Faculdade Nacional de Medicina na cidade do Rio de Janeiro, em virtude do município albergar surtos periódicos de varíola e febre amarela.
Novamente, sobressaiu-se dentre seus colegas de turma devido à sua inteligência e excepcional aproveitamento escolar, graduando-se, com distinção, em 1904. Era o começo da trajetória de um dos mais conceituados médicos do Brasil.
Sua tese de formatura – praxe obrigatória à época – intitulou-se Mosquitos do Brasil, considerada inusitada. Esse trabalho foi fruto de uma pesquisa na ilha de Itaparica, onde criou um mosquito a partir da água das bromeliáceas. Descreveu sete novas espécies, sendo uma delas por ele descoberta, contribuindo assim, ainda como estudante, ao estudo da parasitologia. Recebeu a nota máxima, lamentando a banca examinadora não existir louvor superior para distingui-lo. Como prêmio, foi
contemplado com uma viagem à Europa.
Celestino Bourroul era católico fervoroso e, no preâmbulo de sua tese, fez uma bela homenagem à Virgem Santíssima.
Retornou a São Paulo em 1904 e seguiu para a França, onde aperfeiçoou seus estudos com o professor Grasset, de renome internacional. Complementou seus conhecimentos no Instituto Pasteur de Montpellier, onde foi estimulado pelo professor Rolart, famoso bacteriologista, para que organizasse um curso de microbiologia.
Transferiu-se para Berlim e estagiou no laboratório de anatomia patológica do professor Orth. Na sequência, partiu para Viena, onde fez estudos em clínica médica, radiologia e anatomia patológica.
Ao retornar ao Brasil, abriu consultório na cidade de São Paulo e começou sua aproximação dos intelectuais, cientistas e religiosos. Em consequência de sua educação e da fidalguia com que atendia as pessoas, recebeu, com o passar do tempo, dos propagandistas farmacêuticos, o epônimo de professor emérito.
A admiração era recíproca entre ele e Adolfo Lutz, cientista que o orientou no seu trabalho de formatura. Essa dupla serviria de modelo durante vários anos a pesquisadores do jaez de Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Artur Neiva. Os artigos que escreveu nos afamados centros médicos europeus da França, Alemanha e Áustria, contribuiriam para torná-lo conhecido e respeitado. Aos trinta anos, Celestino Bourroul já era um médico afamado.
Esposou, em 1912, Maria da Conceição Monteiro de Barros, que contava com 19 anos e era aluna da Escola Normal Caetano de Campos. Esse conúbio foi sólido por mais de 30 anos e gerou oito filhos. A atração de Celestino pela sua esposa era tal que, após o falecimento dela, jamais deixou de expressar seu luto.
Celestino Bourroul tornou-se catedrático da Faculdade de Medicina de São Paulo 5 de agosto de 1914, onde regeu a disciplina de história natural médica, posteriormente denominada de parasitologia. Nessa casa de ensino também foi diretor (1922), catedrático da disciplina de doenças tropicais e infecciosas em 1925, e, anos mais tarde, diretor do Departamento de Higiene.
Tornou-se representante da Fundação Rockfeller dos Estados Unidos da América após estabelecimento de convênio técnico-financeiro firmado em 1921.
Essa fundação, juntamente com o auxílio de Júlio Prestes, então presidente do Estado de São Paulo, patrocinou a construção a partir de 1928 do prédio da Faculdade de Medicina de São Paulo, obra acompanhada com grande zelo por Celestino Bourroul.
Sua inauguração se deu em 1930 e tornou essa instituição de ensino do mesmo nível dos padrões federais. Em 1934 foi integrada à Universidade de São Paulo e, em 1950, quando Bourroul era seu vice-diretor pelo terceiro mandato, foi considerada pelo Council on Medical Educations and Hospitals of the American Medical Association and Executive Council of the Association of Medical College dentre as escolas médicas de elevado nível de ensino.
Celestino Bourroul tornou-se chefe do Serviço de Clínica Médica do Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia em 7 de outubro de 1921. Ao lado de suas atividades administrativas, expressava seu humanismo entre seus pacientes, tratando-os carinhosamente. Comemorava com seus enfermos as efemérides cristãs. A 6ª Enfermaria de Homens que chefiava, organizou no Natal de 1937 uma comemoração, ocasião em que ele cumprimentou e confortou todos os pacientes em seus leitos.
Dentre as entidades a que pertenceu salientam-se: Associação Paulista de Medicina, Sociedade Francesa de Cardiologia, Academia de Medicina da Argentina, Academia Nacional de Medicina (honorário, 30/11/1922) e Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, entidade que teve a honra de presidi-la em dois mandatos anuais entre 1917-1918 e 1938-1939.
Antônio Cândido Camargo, Antônio Prudente e Celestino Bourroul, motivados pelo aumento do número de óbitos por tumores malignos e lutando contra o preconceito e o medo à época de enfrentar essa doença, tiveram a ideia de fundar a Associação Paulista de Combate ao Câncer (APCC) em 1934. Esclareceram e divulgaram a ideia à população durante três anos, vindo a lume se primeiro estatuto em 1936. Entretanto, apenas em 1943 obtiveram os primeiros donativos – 100 contos de Réis – e, em 23 de abril de 1953, a entidade começou a atender pacientes no Instituto Central – Hospital A. C. Camargo. Indicado para presidi-la, Celestino Bourroul só o faria em 1957, respondendo humildemente na ocasião: “Precisam de alguém com real prestígio. Eu não serei de grande utilidade”.
A APCC transformou-se na Fundação Antônio Prudente em 1974 e, em homenagem à dedicação prestada por Celestino Bourroul, seu nome foi dado à Escola de Cancerologia, entidade que abrange o ensino ministrado no Hospital do Câncer A. C. Camargo. Assim, os três visionários e protagonistas da Associação Paulista de Combate ao Câncer foram honrosamente imortalizados.
Celestino Bourroul foi professor por 36 anos (!) e afastou-se da cátedra de doenças tropicais e infecciosas em novembro de 1950, por indicação médica em decorrência de distúrbios cardiovasculares. Mesmo assim, manteve atendimento à tarde em seu consultório até 1955, e comparecia na enfermaria da Santa Casa de Misericórdia pela manhã, não deixando sua rotina de examinar os pacientes com o seguinte
argumento: “Quem cuidará dos que não podem pagar?”. Entretanto, poucos anos após, foi forçado a deixar essa prática com imensa tristeza e, com ela, o exercício da medicina que tanto amou e honrou.
Segundo sua biógrafa, a acadêmica Yvonne Capuano, “ele tinha como princípio a ética no amor ao doente. Baseava seu trabalho na bondade, na paciência, competência e amor a Deus. Nunca deixou que a fama afetasse sua personalidade simples e humana. Exigente no ensino, tinha um caderno de assiduidade, aproveitamento, nome e fotografia dos alunos, onde assinalava o curriculum anual de cada um. Embora enérgico, os alunos consideravam-no um mestre perfeito, orientando-os não só nos
problemas médicos como pessoais”.
Dentre as homenagens que se lhe fizeram, salientam-se a condecoração pelo imperador do Japão por ter atendido graciosamente a comunidade nipônica de São Paulo, e o título de professor honoris causa da Faculdade de Medicina de Montevidéu.
Celestino Bourroul, um dos mais notórios médicos brasileiros, baseou sua vida no estudo, trabalho, fé e humanismo caridoso. Ao final de sua existência escreveu: “A todos um ‘Deus lhes pague’ e um Adeus – até no céu onde nos encontraremos um dia, sem mais separação, para sempre”.
Entregou sua alma a Deus em 9 de outubro de 1958, um mês antes de completar 78 anos.
Ele é também honrado como patrono da cadeira nº 38 da augusta Academia de Medicina de São Paulo; numa avenida na cidade de São Paulo e numa escola estadual no município de Santo André que levam o seu nome.
NOTAS:
Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.