Durval Rosa Borges
Minha estória de médico confunde-se com a história da Escola Paulista de Medicina (EPM). Nasci na cidade de São Paulo (10 março 1943); filho de Durval Sarmento da Rosa Borges (médico, Recife 1912 – São Paulo 1999) e de Maria Albertina (São Paulo, 1921), filha de José Eugenio de Paula Assis (médico, Muzambinho 1894 – São Paulo 1979).
Completei os estudos primários na Escola Britânica de São Paulo e os secundários no Colégio Santa Cruz. Pilotei avião antes de poder legalmente dirigir automóvel; fiz meu voo solo no monomotor “Paulistinha”, em 1o de junho de 1960. Ingressei na Escola Paulista de Medicina (EPM) em 1962. Durante o curso de medicina fui diretor de imprensa do Centro Acadêmico Pereira Barreto, em época particularmente pouco propícia à livre expressão de ideias (1964-1965), e participei da organização de viagem recreativo-cultural de minha turma à Europa (dezembro de 1965 a março de 1966). O levantamento de fundos para a viagem incluiu a organização do espetáculo “O Remédio é Bossa”. Virou história no registro de Ruy Castro (Chega de Saudade. São Paulo: Companhia das Letras, 1990).
No dia 26 de outubro de 1964, no show “O Remédio é Bossa”, no teatro Paramount em São Paulo, “Os Cariocas” – um em cada canto da plateia – anunciavam as atrações. Quando suas vozes se juntaram para dizer o nome de Antonio Carlos Jobim e este apareceu em cena, 2 mil botões de rosa choveram das frisas, camarotes e galerias sobre o palco. Foi um grande momento para Tom, que se apresentava pela primeira vez, ao vivo, em São Paulo. Em outro momento do espetáculo, a luz escorria ouro sobre o cabelo e o violão de Marcos Valle enquanto ele cantava Terra de Ninguém. De repente, nos versos cruciais da letra, um refletor acendeu-se sobre um praticável em forma de queijo e uma baixinha, Elis Regina (num vestidinho branco, bem curto, que a deixava menor ainda), inundou o teatro com sua voz cantando: “Mas um dia há de chegar / E o mundo vai saber / Não se vive sem se dar / Quem trabalha é quem tem / Direito de viver / Pois a terra é de ninguém”. Tom deve ter levado um susto. Aquela baixinha era a mesma que se candidatara ao “Pobre Menina Rica” apenas três meses antes. Com trinta segundos de participação, ela conseguira calar todos os outros astros de “O Remédio é Bossa”. Nascia uma estrela – grande demais para caber nos palcos para pulgas do Bottle’s e do Little Club.
Formei-me médico em 1967, tendo sido o orador da turma, em cerimônia realizada no Teatro Municipal. Durante o ano de 1968 cumpri estágio obrigatório como médico recém-formado na Força Aérea Brasileira, no posto de 1o tenente médico. No período 1969- 1971 completei programa de residência médica em clínica médica e gastroenterologia, e fui aprovado nos exames do Educational Council for Foreign Medical Graduates (USA). Obtive na EPM, sequencialmente, o título de doutor e os cargos de professor assitente e pofessor adjunto. Realizei programa de pós-doutoramento com duas fases: uma no Departamento de Bioquímica da EPM com Leal Prado, seguida de outra no National Institute for Medical Research, em Londres. Obtive, a seguir, o título de livre-docente (1990) e o cargo de professor titular (1992).
No período de 1975 a 1983, paralelamente às minhas atividades acadêmicas, colaborei com meu pai na condução de laboratório clínico no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Àquela época predominava nos hospitais privados em São Paulo sistema no qual, após a coleta de material do paciente, as análises eram realizadas em laboratórios externos. Com o desenvolvimento da medicina hospitalar e, no caso específico da Beneficiência, da cirurgia cardíaca, a distância física entre laboratório e hospital passou a ser fator limitante. A implantação de um laboratório completo e autossuficiente dentro do hospital colaborou para a consolidação da atividade como especialidade médica; a interação entre o corpo médico do laboratório e o corpo clínico do hospital passou a ser de 24 horas por dia, 7 dias por semana.
De minha atividade associativa destaco o exercício na Associação Paulista de Medicina nos cargos de secretário-geral (1981-1982) e de diretor científico (1983-1986). Nessa última função fui editor da Revista Paulista de Medicina (volumes 102 a 105).
Em minha atividade de pesquisa na EPM coordeno grupo que estuda aspectos experimentais e clínicos da hipertensão portal hepática. Esta linha de pesquisa têm raízes nacionais (pelo assunto estudado) e repercussão internacional. Na vertente clínica estudamos características da hipertensão portal na esquistossomose mansônica; na vertente experimental estudamos, no fígado isolado e perfundido, a ação do sistema da bradicinina, peptídio vasoativo, descoberto no Instituto Biológico de São Paulo por Rocha e Silva, Beraldo e Rosenfeld. Minha atividade de pesquisa gerou mais de uma centena de trabalhos originais publicados em periódicos de circulação internacional, que receberam 12 prêmios e permitiram a formação de 21 mestres e 15 doutores, a maioria dos quais exerce atividade universitária. Fui editor de livros da especialidade (gastroenterologia / hepatologia) e sou, a partir da 20a edição (2001), editor do livro Atualização Terapêutica.
De minha atividade de ensino destaco ter sido sequencialmente preceptor do internato em gastroenterologia, presidente da comissão curricular do curso médico na EPM e primeiro pró-reitor de graduação da Unifesp. Em 1994 a EPM transformou-se em universidade temática (área da saúde). Como pró-reitor coordenei a estruturação da próreitoria e a implantação do Teste do Progresso e do Programa MD-PhD.
Minhas atividades administrativas incluíram a chefia da disciplina de gastroenterologia, do Departamento de Medicina, a coordenação do programa de pós-graduação em gastroenterologia da EPM. De minhas atividades de assessoria extramuros destaco a de membro do Comitê Medicina I da Capes; do Comitê Assessor-Medicina do CNPq e da Coordenadoria de Saúde da Fapesp .
Em 2005 a Unifesp iniciou processo de expansão que a transformou de universidade temática em universidade plena e multicampi. Fui convocado para coordenar a criação de uma fundação de apoio à universidade. A Fundação de Apoio à Unifesp foi instituída em 2005 e nela exerço o cargo de diretor-presidente. É fundação de direito privado, credenciada pelos ministérios da Educação e de Ciência e Tecnologia e velada pela Curadoria de Fundações do Ministério Público Estadual. Tem por objetivo apoiar a Unifesp em suas atividades-fim (ensino, pesquisa e transferência de conhecimento), assim como seu desenvolvimento institucional.
Sou membro da Academia de Medicina de São Paulo desde 1983 e comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico (2002).
Casei-me, em 1969, com Renée Esther Rosa Borges e temos quatro filhos: Albertina (médica), Mariana (médica), Durval Jr. (advogado) e Joana (advogada e empresária); e cinco netos: Pedro Henrique, Akira, Elisa, Antonio e José Guilherme.
Escrevi esta breve autobiografia, em construção, na primeira pessoa, mas lembro os versos de Olavo Bilac:
“Só do labor geral me glorifico.
Por ser de minha terra é que sou nobre.
Por ser de minha gente é que sou rico.”
NOTAS:
Biografia e foto foram fornecidas pelo autor.
Durval Rosa Borges faleceu no dia 01 de maio de 2020, aos 77 anos.