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Biografia

Ernesto de Souza Campos

Ernesto de Souza Campos, nasceu em Campinas, aos 21 de setembro de 1882.

Herdou de seus progenitores, doutor Antonio de Souza Campos e de dona Cândida Bitencourt de Souza Campos, as virtudes da renúncia, ciência, cultura e civismo, predicados essenciais de lidador imbatível sempre a unir, congregar, sonhar, programar, executar, erigir.

Deixou, ainda em tenra idade, a cidade natal, transferindo-se com os pais para o Rio de Janeiro. Aí iniciou os estudos no Colégio Americano, dando demonstração de ser aplicado e estudioso. Classificou-se em primeiro lugar durante o curso.

Estudou engenharia na Escola Politécnica, onde lhe calaram fundo as perorações de Cesário Mota Jr. Formou-se na turma de 1906.

Como partícipe da fundação do Grêmio Politécnico, em 1906, levou a centelha de um ideal, mais tarde, ao fundar e estruturar o centro acadêmico Osvaldo Cruz, em 1913, na então Faculdade de Medicina e Cirurgia, sediada no casarão do Brigadeiro Tobias e nos solares de Almeida Lima e Paes de Barros.

Construiu, no interior do estado, várias obras, cuja execução aprimorada lhe valeu as mais elogiosas referências. Seguiu anos depois para a Europa, desejoso de aperfeiçoar os conhecimentos e ampliar a cultura. De regresso do velho mundo, dedicou-se novamente à profissão de engenheiro, além de lecionar, embora com isso não se sentisse realizado.

Capacitara-se de que a sua verdadeira e legítima vocação o impelia para a biologia.

Alexandre D’Alessandro, nas memórias da Politécnica, histórias de sua história, anotou a turma de 1906 e os colegas de Ernesto: Achiles Nacarato, Alaor Prata Soares, Marcílio Malta Cardoso, Ranulpho da Mata Pinheiro Lima, Oscar Porto, João Fagundes Vasques, Moisés Marx, Maurílio Porto, Luís Delphino Ribeiro, Álvaro Rocha e Mário Cunha, 8ª turma, 12 componentes, romeiros da mesma peregrinação.

Ernesto Campos esposou Celestina Brito de Souza Campos, em 24 de junho de 1908, companheira dileta, com quem teve comunhão amorosa, integração, solidariedade, calor e afeto.

Embora homem feito, já com a família constituída, com não poucos encargos, não hesitou em imprimir novos rumos à carreira A passagem pela Casa de Paula Souza foi marcante e influenciou seus passos, sua obra imensa de planejamento e construção de edifícios, hoje cimélios da arquitetura, peças essenciais da memória histórica, tais como o prédio majestoso de Faculdade de Medicina de São Paulo, na colina do Araçá, o projeto do Hospital das Clínicas, a praça de esportes do centro acadêmico Oswaldo Cruz e a Cidade Universitária.

O sábio professor Bernardo Houssay, prêmio Nobel da Medicina, ao falar ser Ernesto de Souza Campos homem mais versado nas questões referentes ao moderno ensino médico, enalteceu: “precisaríamos de várias vidas para realizar o que fez em apenas uma”.

Polivalente, polifacetado, no desejo jamais sopitado de mais saber, evoluir, abarcar todos os ramos possíveis do conhecimento, vai sentir-se magnetizado, outra vez, quando da criação da Faculdade de Medicina, em 1913. Aluno da 1ª turma, de 1918, desde os primeiros instantes terá o respeito de seus colegas e mestres, verdadeiro elo entre os lentes e os alunos, fundador do centro acadêmico e seu 1º presidente, com reeleições por vários mandatos.

Ernesto, desde a aula inaugural da futura Casa de Arnaldo, na manhã de 2 de abril de 1913, tomou parte precípua em todos os magnos acontecimentos da vida do grande estabelecimento de ensino. Presidiu o centro acadêmico em sessões memoráveis, onde se fizeram ouvir o professor Emile Brumpt, de Paris, Fernando de Magalhães, Etheocles Alcantara Gomes, Rubião Meira, Alphonso Bovero e Olavo Brás dos Guimarães Bilac. Da mesma forma recebeu Oswaldo Cruz, patrono da agremiação dos moços, e presidiu o adeus à missão que foi à França na 1ª Guerra Mundial e, com ela, partiram Benedito Montenegro, Raul Vieira de Carvalho, Luciano Gualberto, este para o fronte itálico, e tantos outros.

Em suas Reminiscências, Souza Campos desfilou discípulos e professores, eventos, estudantes de antigos entusiasmos, assim como reviveu em crônicas perfeitas episódios com a nitidez de cenas gravadas para sempre na memória: “Arnaldo, fino, reservado e distinto, com fisionomia de nobres linhas; Edmundo Xavier, de austera catadura, rigoroso nos exames; Milward, espírito de sábio e coração de santo, ensinando química e glorificando Pizarro e Domingos Freire, relembrado a cada triquete; Bourroul, na parasitologia, a seguir magnificamente o roteiro de Brumpt que logo retornou à França; Ascendino dos Reis, cultura sólida e entusiasmo forte, que viera da Escola Normal para a cátedra de farmacologia; Cantídio de Moura Campos, mais tarde secretário da educação, substituindo na fisiologia a Ovídio Pires de Campos, já na clínica médica; Oliveira Fausto, nutrido de cultura gaulesa, jovial e expansivo; Alves Lima, cirurgião elegantíssimo, rápido em tudo, no dizer, na ação, perfeito homem de sociedade; Franco da Rocha, psiquiatra de reputação nacional, vasta cultura humanística e filosófica, escritor conceituoso e original, introduz no nosso meio o gosto pela ciência germânica. Si1vio Maia, grande obstetra que instalou a cadeira na Maternidade, reconcentrado de ar vago e distante, passa como uma sombra; da Bahia chega Oscar Freire, professor, escritor e orador de primeira água que aqui morreria tão prematuramente, e, da Itália, Alfonso Bovero, figura primacial desde os primeiros dias da Faculdade, tão grande pelo lado moral quanto pelo científico a imprimir normas indeléveis ao ensino das cadeiras básicas, metodologia científica, vértice e ápices de uma escola eterna. E mais Alexandrino Pedroso, franco e combativo, leal e desprendido, revivescência atávica dos velhos paulistas de outrora, até na fala cadenciada”.

Ernesto de Souza Campos esteve ao lado de Arnaldo Vieira de Carvalho, verdadeiro governador da cidade na pandemia gripal que assolou a cidade de São Paulo, e participou também dos funerais do vencedor do flagelo da febre amarela.

Esteve presente na criação da Revista de Medicina e dos primeiros jogos desportivos estudantis. Já formado, foi o obreiro maior do estádio dos moços, no Araçá, do conjunto de piscinas e quadras de tênis. Operoso, infatigável foi acompanhar dia a dia, junto a todas as gerações que pela Casa de Arnaldo vibraram e estudaram, as ações do seu amado centro acadêmico “Oswaldo Cruz”, em vida inteiramente dedicada à consecução dos ideais da mocidade, que se tornou merecedor do título de “presidente honorário”, prebenda só compartilhada por Arnaldo Vieira de Carvalho. Aliás Souza Campos o definia como “um homem integral no sentido técnico, científico e cívico“.

Ernesto de Souza Campos, cedo, em 1925, tornou-se catedrático. Teve carreira meteórica, tendo sido assistente de Walter Haberfeld, Ovídio Pires de Campos e Alphonso Bovero, atingiu as culminâncias na cadeira de histologia e, logo, em permuta com o erudito Carmo Lordy, foi mestre de microbiologia e imunologia, até sua jubilação.

Reto, pleno das doutrinas de metodologia científica aqui trazidas por Bovero, atingiu a cátedra jovem, mas já sedimentado com as diretrizes científicas da Universidade de John’s Hopkins, Baltimore, no serviço do professor Mac Callum (1920-1922), como assistente-instrutor de anatomia patológica. E se isso tudo não bastasse, passou 3 anos no Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos.

De seu tempo de estudos nos Estados Unidos da América do Norte trouxe, pelo respeito granjeado, apoio da Fundação Rockfeller, subsídio importante para a estruturação da Casa de Arnaldo.

Ernesto Campos em seus artigos demonstrava as dimensões do escriba escorreito, de memória prodigiosa, perquiridor incansável de nosso antanho tempo em que se evidenciam as qualidades de escritor e historiador. Com elas adentrou os umbrais da Academia Brasileira de Ciências; do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, sendo presidente no período 1950-1956; e da Academia Paulista de Letras, sendo recebido pelo egrégio Ernesto Leme, na cadeira que tem como patrono Pedro Taques, e em que foram antecessores Basílio de Magalhães e Fernando Nobre.

Em meio século de trabalho obteve diversos títulos e galgou maturidade nas atividades no magistério, na pesquisa científica, em missões culturais, na vida pública e na historiografia.

Sua obra foi maiúscula reunindo doze volumes, onze opúsculos, dezenas de ensaios científicos e temas de educação; centenas de artigos na imprensa; cinquenta e seis trabalhos sobre temas históricos; vinte e três biografias; quarenta e seis com temática ampla e variegada; teses e 49 publicações científicas.

Foi beletrista, cronista, humanista, membro de uma seleta elite intelectual e homem integral. Foi diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Galgou o posto de ministro de estado dos Negócios da Educação e Saúde, em 1946, e, nesse mesmo ano, também atuou como ministro interino da Justiça.

Como ministro da Educação teve sob seu comando a organização das universidades autônomas do Paraná, Bahia, Pernambuco, assim como as universidades católicas de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.

Foi embaixador especial do Brasil na Colômbia, além de realizar visitas oficiais na Venezuela, Peru, Equador, Chile, Argentina e Uruguai.

Se Arnaldo Vieira de Carvalho foi príncipe da cirurgia, condestável da medicina paulista, Ernesto de Souza Campos foi humanista nas sendas dos homens de Florença.

Faleceu em 1970, aos 88 anos, após uma profícua existência. Escreveu centenas de artigos e ensaios, muitos deles coligidos em volumes, dentre os quais destacam-se: Temas Educacionais (1947-1950, 180 artigos); História da Universidade de São Paulo (1946); “As Três Universidades da Cidade de São Paulo” (1954); Temas Universitários (1952): “O Novo Prédio dos Laboratórios da Faculdade de Medicina”; “O Problema da Centralização dos Cursos Propedêuticos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras”; “Um Ano de Administração na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP” (1938); “Universidades”; “Cidades Universitárias” (1946); “Universidade do Recife” (1948); “Educação Superior no Brasil” (1940); Temas Literários e Históricos; Para Minha Esposa e Meus Filhos (1957); Leonor de Lencastre (1958); Universidade Luso-Brasileira (1958); O Apostolado de Aviz (1960); Páginas Andinas (1963); No Limiar da Academia Paulista de Letras (1964); As Sete Noivas da Montanha (1965); O Tostão de Ouro e a Ordem da Rosa (1965); Diversos, em coletânea de artigos em dois tomos; A Torre e o Sino (1966); A Torre de Coimbra (1966); O Sorriso da Virgem (1966) e Santa Casa de Misericórdia, um volume com 14 brochuras.

NOTAS:

Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.