Eurico Branco Ribeiro
Eurico Branco Ribeiro nasceu na casa do Largo da Matriz, na cidade de Guarapuava, oeste do Paraná, em 29 de março de 1902. Era filho do paulista Arlindo Martins Ribeiro e da paranaense Hermínia Saldanha Branco, falecida dois anos depois. Arlindo teve mais nove filhos, dessa vez, em segundo casamento realizado com sua cunhada, Maria das Dores. Aos dez anos, Eurico Branco Ribeiro já escrevia para o jornal semanal “A Nação” de sua terra natal.
Aos 12 anos, colaborava no “A Comarca de Guarapuava”. Mudando-se para São Paulo, aos 13 anos, tornou-se redator da edição vespertina “O Estadinho” do jornal “O Estado de S. Paulo”, tendo participado também do primeiro grupo de redatores da empresa “Folha da Noite”, como repórter policial, advindo talvez daí sua enorme facilidade em descrever situações as mais inusitadas. Desde cedo, além das matérias triviais, começou a estudar francês, alemão e inglês com sua querida avó Alzira Saldanha Branco. Aliás, o hábito de falar inglês foi mantido por oito anos seguidos quando adulto, em reuniões semanais com amigos que apreciavam a mesma língua.
Enquanto se dedicava às atividades jornalísticas, pois além de transmitir conhecimentos, precisava reforçar sua mesada, estudou no famoso Ginásio do Carmo (1916-1917) e, depois, no Ginásio do Estado (1918-1921). Após ter contraído a gripe espanhola, assistiu a uma conferência de Ruy Barbosa, em 1919, no Teatro Municipal de São Paulo, que muito o sensibilizou.
Seguiu, posteriormente, o curso médico, formando-se pela Faculdade de Medicina de São Paulo, em 1927, tendo sido plantonista do serviço sanitário como acadêmico, com tese de graduação aprovada com Grande Distinção (grau dez) versando sobre As Águas Medicamentosas Naturais, tendo pesquisado cinco fontes do município de Guarapuava. Mas foi a partir de 1926, que começou sua dedicação à cirurgia geral.
Tornou-se assistente do renomado professor Benedicto Montenegro, que foi considerado sempre como “seu mestre”. Foi também cirurgião da Beneficência Portuguesa até 1946; do Hospital da Pedreira; do Sanatório Santa Catarina a partir de 1930; da Casa de Saúde Liberdade; da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários do Estado de São Paulo (Capfesp) e da Sociedade dos Choferes do Estado de São Paulo.
Desde sua fundação, em 31 de janeiro de 1939, foi diretor do Sanatório São Lucas, à rua Pirapitingui, no 80, no bairro da Liberdade, onde trabalhou até o final de sua vida, prédio adaptado da antiga residência de Alfredo Pujol e que possuía belíssima biblioteca, onde, com o tempo, se alojaram, entre outras, cerca de 200 coleções de revistas médicas nacionais e estrangeiras, além de milhares de livros. Posteriormente, uma ala do novo edifício foi inaugurada aos 18 de outubro de 1945, dia de São Lucas.
Nesse Sanatório estagiaram muitos médicos do Brasil e de vários países do mundo, mormente sul-americanos. Em verdade, esse nosocômio foi um verdadeiro hospital universitário, e Eurico, um catedrático sem cátedra, demonstrando que a excelência da medicina não se encontra apenas nas universidades.
Com sua enorme atividade galgou os cargos de presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e presidente do departamento de cirurgia da Associação Paulista de Medicina. Quando fora presidente da tradicionalíssima Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (1954-1955), o nome da entidade foi alterado para Academia de Medicina de São Paulo.
Foi também membro das seguintes entidades: Colégio Internacional de Cirurgiões; Colégio Americano de Cirurgiões; Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Sociedade Médica São Lucas; Sociedade dos Médicos da Beneficência Portuguesa (fundador, secretário e presidente); Sociedade Paulista da História da Medicina; Sociedade de Gastroenterologia e Nutrição de São Paulo; da Sociedade de Leprologia de São Paulo; Associação Argentina de Cirurgia; Sociedade dos Cirurgiões de Santiago do Chile (sócio honorário); Academia Brasileira de Medicina Militar; Sociedade de Cirurgia de Madrid; Sociedade de Gastroenterologia do Uruguai; Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba; sócio correspondente de mais de dez outras sociedades científicas; Colégio Brasileiro de Cirurgiões (mestre do Capítulo de São Paulo), além de diretor e redator por 45 anos dos “Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia”, anteriormente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, posteriormente editada pela “Fundação para o Progresso da Cirurgia” e, atualmente, pela Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência de São Paulo; e do “Boletim dos Sanatório São Lucas”. Foi um dos mentores da Legião Médica São Lucas, fundada na Argentina e que tinha sede no Brasil, também no Sanatório São Lucas.
Eurico Branco Ribeiro publicou mais de 200 trabalhos científicos em anais de congressos, de sociedades e em outras revistas médicas, condensando quase todos eles em seus Estudos Cirúrgicos, em seis volumes (1934-1952), versando sobre extensa temática técnico-clínico-cirúrgica absorvida durante sua vida, além de “A Cirurgia no Sanatório São Lucas”, com colaboradores nos volumes, 1939 a 1954 e 1955 a 1967.
Nesse assunto, destacamos o primeiro trabalho de Eurico que foi um relato sobre a saúde e condições no clima em Campos de Jordão, em 1924, publicado no “Diário de Medicina”. Em 1926, apresentou tese sobre “Higiene da Imprensa” no 3º Congresso Brasileiro de Higiene. Posteriormente, publicou “A Propósito de um Dente Heterotópico”; “Os Anúncios e a Saúde Pública”; “Sobre Mama Supranumerária” (1931); “Aspectos Cirúrgicos de Caseose dos Nervos na Lepra”; “Cirurgía Del Nervio Frénico en Afecciones Tuberculosas”; “Neurofibromatose ou Primeira Moléstia de Recklinghausen (1935)”; “Pesquisa da Alça Jejunal em Cirurgia Gástrica” (1940); “A Hérnia Inguinal em Infortunística” (1940); “Hipertrofia em Anel da Musculatura do Antro-Pilórico”; “Litíase do Apêndice” (1943); “Os Problemas do Tétano”; “Úlceras Múltiplas do Estômago”; “A Moléstia da Raquicentese”; “Quisto Epidermoide da Falangeta”; “Varicocele” (1946); “A Penicilina por Via Arterial nas Ostemielites” (1947); “Acidente de Trabalho e Hérnia Inguinal”; “Gastric Ressetion of the Ulcer and Cancer”; “Duodenal Diverticulum” e “Um Grande Mestre da Cirurgia no Brasil: Professor Emérito Benedito Montenegro” (1971), dentre outros.
Escrevia de tudo, por tudo e acima de tudo, era um mestre na comunicação escrita e falada, não deixando de apresentar nada daquilo que via e sentia em seus olhos e em suas mãos de artista. Realizou nada menos do que 31500 cirurgias em sua vida profissional, tendo sido considerado um dos maiores cirurgiões de gastrectomia do mundo(!) pois, sendo ambidestro, a realizava de “parede a parede”, no prazo máximo de 60 minutos, sempre com admirável destreza e precisão. Participou de inúmeros congressos médicos nacionais e internacionais em todos os cantos do mundo, ocasiões em que aproveitava para realizar não só um aprofundado “tour” científico e técnico, mas também um festival de acontecimentos artísticos e de congraçamento. Aliás esse era o seu lazer.
Sua dedicação à cultura geral e à médica, em particular, além de sua característica inata à escrita, fizeram com que adentrasse francamente pelos estudos históricos, descobrindo, por exemplo, nos arquivos públicos de São Paulo, a data da fundação da cidade de Guarapuava, que passou a ser festejada, escrevendo sobre a História de Guarapuava, em 1922, e o Esboço da História no Oeste Paranaense, ambos publicados pelo Instituto Nacional de Geografia, além de A Sombra dos Pinheirais (1925); Higiene da Imprensa (1926); Gralha Azul (1927); O Coração do Paraná (1929); Viagem às Sete Quedas (1939); O Primeiro Bandeirante (1946); Breviário dos Vinte Anos (1952); O Casamento Ideal (1956); Museus Municipais (1957); O Primeiro Casamento (1969); A Água da Esperança (1969), além de outras publicações mais simples. O produto da venda de suas obras, cerca de trinta, doou a instituições de caridade.
Planejou, durante 30 anos, escrever a vida de São Lucas, autor do terceiro Evangelho e dos Atos dos Apóstolos, particular amigo de São Paulo e patrono dos médicos, que seria realizada em dez volumes, mas a morte o levou após o quarto volume. Essa obra imortal levou o título de Médico Pintor e Santo e é subdividida em quatro volumes: I. Antes e Depois do Dia Fatal (1969); II. Argumentos para uma Tese (1970); III. De Autor a Personagem (1971) e IV. Simbologia e Evocação (1974).
Na obra “Médico, Pintor e Santo“, Eurico Branco Ribeiro refere que, já em 1463, a Universidade de Pádua iniciava o ano letivo em 18 de outubro, em homenagem a São Lucas, proclamado patrono do “Colégio dos Filósofos e dos Médicos”.
A escolha de São Lucas como “patrono dos médicos” e do dia 18 de outubro como “dia dos médicos”, é comum em muitos países, dentre os quais Portugal, França, Espanha, Itália, Bélgica, Polônia, Inglaterra, Argentina, Canadá e Estados Unidos da América.
Infelizmente, pouquíssimos médicos sabem que o dia 18 de outubro, dia de São Lucas, comemorado no Brasil como o “dia do médico”, foi uma conquista árdua graças ao empenho impávido, a inflexível tenacidade e a liderança de Eurico Branco Ribeiro.
Sobre o santo ainda publicou O Livro que Lucas não Escreveu (1969), Lucas, o Médico Escravo (1974). Tais estudos sobre o evangelista fizeram com que Eurico fosse considerado o maior entendido de Lucas no mundo, pois escreveu a verdadeira vida e não o romance do patrono dos médicos.
Ainda escreveu Fui um dos Setenta – novela dos tempos bíblicos (1977) – na qual encontram-se descrições da fase final da vida de Maria Magdalena. Escreveu ainda um condensado in memorian dedicado ao professor Itapura de Miranda e um estudo sobre o taumaturgo padre jesuíta Ruiz de Montoya, em 1973. Nesse mesmo ano, Eurico redigiu o esboço biográfico de seu pai, Arlindo.
Foi, porém, no Rotary Club de São Paulo – Centro, onde tomou posse como sócio em 1935, que Eurico assumiu inúmeros cargos, inclusive o de presidente (1945-1946), demonstrando grande capacidade de prestação de serviços à comunidade. Viajou pelo Brasil e pelo exterior, relacionando-se com muitas personalidades de diferentes etnias.
No Rotary publicou onze livros, tais como Rotary para mim é… (1942); Um Lema para Rotary (1942); Rotary, o Legado de Paul Harris (1948); Assim é o Rotary (1952); A Evolução do Objetivo do Rotary (1952); O Rotary em Evolução (1954); O Rotary aos 50 Anos (1956); 25 Anos de Rotary (1960); Pelas Avenidas do Rotary (1961); O Rotary Sexagenário (1965); Atividades Internacionais do Rotary (1965), e outros estudos menores, além de inúmeros relatórios.
Sob sua responsabilidade direta, vinha periodicamente a público a revista “Vida Rotária”, cujo no 278 – ano XXX – edição especial – foi dedicado à sua memória, tendo colaborado também com a revista “Brasil Rotário” e com o boletim “Servir”.
Participou ativamente da criação da Fundação dos Rotarianos de São Paulo quando, então, foi adquirido o colégio Rio Branco e também formada a Associação de Famílias de Rotarianos de São Paulo, época em que foi construído o edifício Rotary, à Avenida Higienópolis.
Para coroar sua vasta caminhada rotária, Eurico foi galardoado com a famosa medalha “Sócio Paul Harris”, em 1975, alta comenda do Rotary International.
Foi também ativo participante e presidente do clube dos 21 Irmãos Amigos, entidade física que congrega um representante de cada estado do país, tendo reativado o clube da cidade de Londrina.
Além de fazer uma magnífica conferência na Academia Paulista de Letras sobre o “Homem que Marcou o Dia de Natal” (1972), tomou posse solenemente nesse sodalício, na cadeira no 6, em 15 de setembro de 1974, cujo patrono é Couto Magalhães, sendo João Vampré o primeiro ocupante, e o segundo, antecessor de Eurico, o genial Plínio Salgado, autor da portentosa obra “Vida de Jesus”, entre outras. Tomou posse também na cadeira no 27, em 27 de novembro de 1975, na Academia Cristã de Letras, cujo patrono é São Lucas. Eurico foi ainda membro de diretoria da União Cultural Brasil – Estados Unidos; secretário do Pen Club de São Paulo, membro da União Brasileira de Escritores e fundador, tesoureiro e secretário da Sociedade Brasileira de Escritores Médicos (Sbem), atual Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames), filiada à Union Mondiale des Écrivains Médicins (Umem). Foi indicado patrono post-mortem da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina.
Sua atividade cívica foi multifária, cabendo-lhe também o título de fundador do Partido da Mocidade, uma das bases do futuro Partido Democrático, elaborando sua plataforma de lançamento. Eurico Branco Ribeiro promoveu a criação do Museu Visconde de Guarapuava e da Biblioteca Ruiz de Montoya, também em Guarapuava, em 1956.
À 16ª Conferência Distrital dos Rotary Clubs do Brasil, realizada em Belo Horizonte, em 1954, apresentou proposta relativa à criação de Museus Municipais para a preservação da memória de nossos municípios.
Publicou ainda um alentado estudo sobre “Um Museu Adequado para São Paulo” (Museu da Indústria), em 1962. Estimulou a criação de um museu de anatomia patológica no serviço do mesmo nome, que foi dirigido pelo professor Carmo Lordy, ex-catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e um Museu de São Lucas, inaugurado em 27 de fevereiro de 1962, ambos em seu sanatório, contendo coleção de quadros, imagens e livros sobre o patrono dos médicos. Dizia com razão Silvio Romero: “Povo sem tradições é árvore sem raízes, que qualquer vento derruba”.
O espírito caritativo fez com que Eurico Branco Ribeiro exercesse a presidência da Casa dos Velhinhos de Ondina Lobo por 27 anos consecutivos.
Eurico Branco Ribeiro recebeu diversas comendas e títulos honorários, destacandose a comenda da ordem do Mérito Médico do Governo Brasileiro; cidadão honorário de Curitiba; prefeito honorário de San Antonio, Texas (EUA); membro honorário da Umem; membro da associação dos Cavalheiros de São Paulo; sendo ainda detentor de muitas outras medalhas de entidades culturais.
Além de cirurgião de rara habilidade foi administrador de arguta competência e escritor de grande sensibilidade que soube interagir proficuamente nas múltiplas entidades de que participou. Marcou presença em sua família, sendo pai e esposo, além de mestre, esteta e homem caridoso.
Pois, “esse incrível Eurico”, no dizer de Oscar Pereira Machado, sempre foi estudioso, escritor e médico disciplinado. Foi também “o pai, a ação, o mestre, o esteta, o bisturi armado em coração, o presidente, o homem bom”, no dizer de Durval Rosa Borges.
Eurico foi adoecendo e nem acreditando que seu fim chegaria, fato que ocorreu em 1º de março de 1978, pouco antes de completar 76 anos, deixando sua esposa Maria Emília e suas filhas Sônia, Dulce, Gláucia e Alda. Dos irmãos pelo lado paterno, Eurico contou com a colaboração valiosa, em seu sanatório, de Luiz, também médico; Alzira, auxiliar geral, além de Sônia, sua filha, como administradora.
Com a morte de Eurico perdeu-se o homem simples, o médico, o diretor de hospital, o escritor, o filantropo, o civilista, o cavalheiro, o amigo, a máquina organizada para o trabalho e para o conhecimento. A Sbem, hoje a Sobrames, perdeu sua viga-mestra, mas que ficará guardada eternamente em sua memória.
Sua figura ímpar caracterizou uma época durante os anos em que viveu, a tal ponto que seus feitos resistem ao tempo e transcendem sua existência terrena. Ele vive na Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, da qual é seu Patrono oficialmente desde 1994.
Eurico Branco Ribeiro escolheu como lema de vida e ex-libris de seus livros a célebre frase de Hipócrates que, aliás, estava estampada no vitral de sua janela: “Conservarei puras a minha vida e a minha arte”. E ele dignamente assim o fez.
NOTAS:
Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.