Jacques Crespin
Jacques Crespin nasceu em 5 de abril de 1929, na velha cidade de Marselha, no sul da França. Foi o segundo filho do casal Haim Joseph Crespin e Mary Crespin, que se estabeleceram definitivamente em São Paulo, em 1936. Possui as nacionalidades francesa e brasileira.
Fez o curso secundário no Colégio Rio Branco. Sua formação superior ocorreu na Escola Paulista de Medicina (EPM), atual Unifesp , concluindo o curso em 1955.
No início, interessou-se muito pela clínica médica e, estimulado pelo professor Jairo Ramos , foi acadêmico interno de seu serviço em 1953, e em 1954, através de concurso (1o lugar), acadêmico interno da 2a Clínica Médica do Hospital São Paulo (Serviço do professor Octavio de Carvalho , dirigida pelo dr. Antonio José Gebara). No ano seguinte, foi interno-chefe no mesmo serviço.
Desejando fazer clínica geral e ter bons alicerces em pediatria, foi estagiário do ambulatório infantil da Clínica Infantil do Ipiranga, nos anos de 1953 a 1955, onde teve a felicidade de conhecer Augusto Gomes de Mattos, Maria Aparecida Zacchi e outros assistentes que muito o ajudaram.
Na EPM a pediatria estava, à época, em fase de transição, o que lhe deu a feliz oportunidade de ser aluno, simultaneamente de Pedro de Alcântara e Jacob Renato Woiski . Ambos, com a Clínica Infantil do Ipiranga, definiram a especialidade que iria seguir com paixão, a pediatria.
Pedro de Alcântara Marcondes Machado possuía vasta cultura médica e humanística; precursor da higiene mental da criança, suas aulas e conferências eram muito prestigiadas. Faleceu em 1979 e foi sucedido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo por seu filho, Eduardo Marcondes, que criou o Instituto da Criança e deu grande impulso às subespecialidades.
Woiski, chefe de clínica na EPM, foi um grande pediatra e puericultor; polêmico e emocional, não era de trato fácil, mas foi possível manter com ele excelente relacionamento e até amizade. Deixou a EPM e a enorme clínica particular que granjeou e mudou-se para Ribeirão Preto, onde regeu, durante anos, o Departamento de Pediatria da recém-inaugurada faculdade, com excelente equipe de dedicação integral, iniciando algo de pioneiro como a pediatria comunitária e a pediatria rural. Vítima da doença de Alzheimer, foi uma enorme tristeza visitá-lo e constatar suas condições.
Gomes de Mattos havia trabalhado durante anos com pediatras de grande renome, como Margarido Filho e Olinto Chiaffareli. Fundou a Clínica Infantil do Ipiranga, que a organizou em moldes universitários de hierarquia: 2o assistente, 1o assistente e chefe de clínica. Manteve por muitos anos a revista “Pediatria Prática”, antecessora da atual Revista Paulista de Pediatria. Fundou um Centro de Estudos e uma das melhores bibliotecas pediátricas do Brasil. Estimulou os primórdios da residência médica. Gomes de Mattos faleceu em 1978, após o que os mantenedores da Clínica Infantil do Ipiranga deram orientação totalmente diversa da inicialmente proposta. Assim, o idealismo e o espírito científico deram lugar a objetivos menores.
Mas, ainda faltava para Jacques Crespin, algo de muito importante para sua completa formação, numa época em que não havia residência médica e era necessário buscar alternativas: faltava-lhe a neonatologia. Foi a uma das melhores fontes: a Casa Maternal e da Infância “Dona Leonor Mendes de Barros” da então Legião Brasileira de Assistência, cujo diretor, o professor Domingos Delascio6 , professor titular de ginecologia e obstetrícia da EPM, de extraordinária visão, criou condições para que o pediatra estivesse presente à sala de parto e atendesse imediatamente o recém-nascido; isso em 1954, atitude, portanto inédita e pioneira.
Jacques Crespin teve a honra de frequentar a residência do professor Delascio, em cuja extraordinária biblioteca reuniam-se os neonatologistas da Casa Maternal e do Hospital Matarazzo para discussão de casos em encontros memoráveis. Após seu falecimento, seu nome foi dado a uma praça próxima à sua residência da Rua Honduras.
Enfim, médico formado, Jacques Crespin passou a exercer a pediatria na Clínica Infantil do Ipiranga, onde permaneceu durante 27 anos, até o momento em que a Instituição tomasse novos rumos. Lá passou de 2o assistente a 1o assistente; chefe da Unidade Pediátrica, presidente do Centro de Estudos, preceptor de internos e residentes; presidente do Conselho de Residência Médica e, através de acordo com a Faculdade de Ciências Médicas de Santos, seu professor-colaborador.
Foi pediatra, por concurso, da Casa Maternal e da Infância “Dona Leonor Mendes de Barros”; pediatra, por concurso, e chefe do ambulatório do Hospital Infantil “Darcy Vargas” da Legião Brasileira de Assistência. Tanto na Clínica Infantil do Ipiranga como no Hospital Infantil “Darcy Vargas”, desempenhou intensas atividades didáticas junto aos internos e residentes.
Concorreu e conquistou bolsa de estudos do Centro Internacional da Infância de Paris para o ano universitário 1959-1960, após o qual obteve os seguintes títulos: assistente do professor Pierre Royer do Centro de Estudos sobre doenças do metabolismo da criança – Hôpital des Enfants Malades; assistente do serviço do professor Julien Marie da clínica de pediatria social da Faculdade de Medicina de Paris, e estudante livre dessa mesma faculdade.
Durante sua permanência na França como bolsista, Jacques Crespin conheceu os maiores luminares da pediatria francesa e conviveu com o famoso professor Robert Debré. Escreveu o premiado trabalho “La tension artérielle de l’enfant dans la première année”, que fixou parâmetros até então inexistentes.
O Centro Internacional da Infância, que o acolhera como bolsista, convidou-o, trinta anos mais tarde, para fazer parte de seu Conselho de Administração, representando o Brasil e a América Latina. Exerceu esse cargo com muita honra, durante três anos, substituindo seu particular amigo Benjamin José Schmidt, eleito presidente da Associação Mundial de Pediatria.
À época de sua formatura e nos anos seguintes, havia poucos congressos e a atualização médica era feita nos próprios hospitais, mas sobretudo no Departamento de Pediatria da Associação Paulista de Medicina, que era a colmeia de grandes pediatras. Somente em 1970 seria fundada a Sociedade de Pediatria de São Paulo, que Jacques Crespin presidiu em 1974 e 1975. A agregação dos pediatras em torno de uma entidade séria e atualmente poderosa trouxe enormes benefícios para todos: convívio, constante atualização, revista própria e os já tradicionais congressos que superam em qualidade muitos congressos internacionais.
No exercício da pediatria, Jacques Crespin conheceu e admirou vários médicos e professores, dentre os quais o professor Pernetta, mestre de várias gerações através de seus livros e conferências; professor Virgílio Alves de Carvalho Pinto7 , introdutor da cirurgia pediátrica em nosso meio, e o seu discípulo, professor José Pinus; o professor Azarias de Andrade Carvalho, professor titular de pediatria da EPM; o professor Benjamin José Schmidt, professor da Pontifícia Universidade Católica de Sorocaba; o professor Drauzio Viegas, professor titular da Faculdade de Medicina do ABC, os dois últimos seus particulares amigos, a quem deve sábios conselhos, apoio e calor humano, e a dois grandes presidentes da Associação Paulista de Medicina, o gentleman Henrique Arouche de Toledo e o incansável Nelson Guimarães Proença8 .
No devagar-depressa do tempo, Jacques Crespin conheceu pessoalmente Fleming, descobridor da penicilina; Schwarz, descobridor da vacina contra o sarampo; Ortolani (do sinal de Ortolani); Luc Montagnier, identificador do vírus da Aids e conviveu com Albert Sabin, descobridor da vacina oral contra a poliomielite nas várias visitas que fez ao Brasil.
Ligado às suas raízes, Jacques Crespin sempre estimulou e acompanhou a vinda de vários professores franceses ao Brasil na qualidade de cofundador e presidente da Sociedade Franco-Brasileira de Medicina, juntamente com os professores Pacheco e Silva, Cantídio de Moura Campos e Benjamin Schmidt.
Jacques Crespin participou de 63 congressos médicos como membro titular e como organizador, secretário e presidente de mesas. Como professor colaborador da Faculdade de Ciências Médicas de Santos e presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo, proferiu 112 aulas ou conferências em vários serviços hospitalares, associações médicas e congressos.
É considerado um dos precursores no atendimento de adolescentes no Brasil e fundou, com outros pioneiros (Veronica Coates) a Associação Brasileira de Adolescência, que presidiu de 1993 a 1995.
Tem 145 trabalhos publicados em revistas e livros médicos, e editou dois livros: Puericultura, Ciência, Arte e Amor (em 3 edições: 1992, 1996 e 2007) e Hebiatria – Medicina da Adolescência (em colaboração com Ligia Reato, 2007).
Conquistou sete prêmios científicos: “Pinheiro Cintra” e “Legião Brasileira de Assistência”, ambos da Casa Maternal e da Infância “Dona Leonor Mendes de Barros”; “Menção Honrosa Especial” da Associação Paulista de Medicina; prêmios “Nestlé” do Centro Internacional da Infância; “Lutécia” da Sociedade Brasileira de Pediatria; “Margarido Filho” da Associação Paulista de Medicina e “Diploma de Dedicação Profissional” do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
Ao longo de sua carreira, Jacques Crespin recebeu várias medalhas e condecorações, dentre as quais se destacam: cavaleiro da Ordem das Palmas Acadêmicas do Governo de França; comendador da Ordem do Mérito de Educação e Integração; “Conseil Général d’Administration dês Hôpitaux Civils” de Lyon; “Professor Cantídio de Moura Campos” da Sociedade Franco-Brasileira de Medicina; “Ana Nery” da Sociedade Brasileira de Educação e Integração; Mérito Cultural Meiji da Associação Meiji do Brasil; “Marechal Rondon” da Sociedade Geográfica Brasileira; Grã-Cruz da Legião de Honra Giuseppe Garibaldi; medalha do 1o Congresso Nacional “A Saúde do Adolescente” da Academia Nacional de Medicina; e oficial da Ordem das Palmas Acadêmicas – Ministério da Educação Nacional, Pesquisa e Tecnologia do governo da França.
Além de seu grande amor pela infância, Jacques Crespin dedica especial carinho à família como instituição e valoriza muito a mulher, sobretudo aquelas que lhe confiaram seus filhos.
Amigo dos livros, aprecia a literatura e a poesia. Conviveu na adolescência com os poetas Paulo Bonfim e Hilda Hilst.
Casado há 50 anos com Judith Sereno Crespin, com ela forma a família com a qual sempre sonhou, tendo os filhos: Jaime Luiz Crespin, médico psiquiatra; José Claudio Crespin, administrador, advogado e bancário; e Joel André Crespin, advogado e tradutor; e os netos: Tamara, Camila, Philippe e Sophia. Judith, sua esposa, mereceu no livro “Puericultura” a seguinte dedicatória: “Vidas entrelaçadas no tempo e no espaço, semeamos e colhemos amor; e nos filhos o amor frutificou e contagiou este livro de ternura, a mesma ternura pelas minhas/nossas crianças. Grato pela compreensão e estímulo”.
Jacques Crespin exerce a medicina há 55 anos como vocação. Sua clínica particular foi muito prejudicada pelos famigerados convênios que destruíram o vínculo médico-paciente-família. Apesar de tudo, não tem qualquer frustração – considera-se feliz e realizado pessoal e profissionalmente.
Ao assumir a cadeira no 37 como membro titular da Academia de Medicina de São Paulo, sente-se extremamente gratificado e honrado por pertencer a um dos mais tradicionais e prestigiados sodalícios médicos do Brasil. Agradece sua eleição, comprometendo-se a tudo fazer por merecer a confiança que lhe foi concedida e a sempre dignificá-la.
NOTAS:
Biografia e foto foram fornecidas pelo autor.
Pequenas inserções e adaptações do texto ao perfil desta secção, assim como as notas de rodapé foram feitas pelo Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
Unifesp: Universidade Federal de São Paulo.
Jairo de Almeida Ramos é o patrono da cadeira nº 75 da Academia de Medicina de São Paulo.
Octávio de Carvalho é o patrono da cadeira nº 2 da Academia de Medicina de São Paulo.
Jacob Renato Woiski é o patrono da cadeira nº 20 da Academia de Medicina de São Paulo.
Domingos Delascio é o patrono da cadeira nº 57 da Academia de Medicina de São Paulo.
Virgílio Alves de Carvalho Pinto presidiu a Academia de Medicina de São Paulo durante um mandato bienal entre 1967-1968, e é o patrono da cadeira nº 40 desse sodalício.
Nelson Guimarães Proença é membro fundador da cadeira nº 22 da Academia de Medicina de São Paulo, cujo patrono é Adolpho Carlos Lindenberg.
Aids: Acquired immunodeficiency syndrome.
Antonio Carlos Pacheco e Silva presidiu a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, durante um mandato anual entre 1933-1934, e é o patrono da cadeira nº 127 desse sodalício.
Cantídio de Moura Campos presidiu a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, durante um mandato anual entre 1928-1929, e é o patrono da cadeira nº 128 desse sodalício.
Adendos finais do autor – “Homenagens: Ao assumir a vaga no 37 como membro titular da Academia de Medicina de São Paulo, presto respeitosa homenagem ao patrono da cadeira Manoel Dias de Abreu e ao antecessor Jair Xavier Guimarães, ambos magistralmente retratados por Helio Begliomini, titular e emérito da cadeira no 21 da Academia de Medicina de São Paulo. Lamento que, com tantas qualidades e títulos, Manoel Dias de Abreu não tenha conseguido ser agraciado com o tão sonhado prêmio Nobel.” “Quanto a Jair Xavier Guimarães, que conheci pessoalmente como meu professor, nunca será demais enaltecê-lo pelo respeito que merecia, pela honorabilidade que o cercava e pelo amor à medicina e à Escola Paulista de Medicina.”
O acadêmico Jacques Crespin faleceu em 16 de abril de 2013.