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Biografia

José Ória 

José Ória nasceu em 22 de fevereiro de 1905, na cidade São Paulo. Ingressou, em 1923, na Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, transferindo-se no ano seguinte para a Faculdade de Medicina de São Paulo, onde se graduou em 1928. 

Destacou-se como acadêmico, sendo monitor de histologia e embriologia até 1928, período em que se dedicou ao estudo do sangue e do tecido nervoso. Nessa época defendeu sua tese de doutoramento intitulada Sobre os Elementos Figurados do Sangue Circulante na Preguiça, Tatu e Tamanduá, aprovada com grande distinção. Esse foi o primeiro trabalho sobre hematologia comparada realizado em nosso meio, sob a orientação do grande mestre, professor Alphonso Bovero. Dessa época em diante procurou sistematizar os estudos de hematologia normal e aplicada à clínica, e iniciou os primeiros cursos de férias. 

A partir de 1929 tornou-se assistente efetivo, em regime de tempo integral, do Departamento de Histologia e Embriologia, iniciando, propriamente, as primeiras observações sobre a hematologia comparada e humana. 

José Ória orientou várias teses sobre assuntos hematológicos, destacando-se as de Eduardo Etzel (“Estudos Morfológicos do Sangue dos Cavídeos Silvestres”, 1930) e de Luiz Baptista (“Hematologia da Linfogranulomatose Inguinal”, 1930). 

Seus estudos sobre morfologia sanguínea permitiram que reunisse um arquivo de algumas milhares de lâminas, do qual se beneficiaram numerosos frequentadores do laboratório que passou a comandar. 

Galgou a condição de livre-docente em 1936, e dessa época em diante foram muitos os estagiários que passaram pelo seu laboratório, interessados nos cursos sobre temas hematológicos.

José Ória teve papel decisivo na organização da Secção de Hematologia do Laboratório Central do Hospital das Clínicas para o qual foi designado chefe, seu discípulo Michel Jamra. 

Foi colaborador e redator de várias revistas médicas nacionais e estrangeiras, dentre elas destacam-se: Arquivos de Cirurgia, Clínica e Experimentação; Revista de Neurologia e Psiquiatria; Revista de Ginecologia e Obstetrícia de São Paulo; Blood; Anatomical Record e Acta Anatômica

Publicou trabalhos sobre hematologia comparativa em aves, peixes e mamíferos. No homem, procurou frisar o conceito de anemia perniciosa, bem como demonstrar os plasmócitos do sangue, estabelecendo, também, o quadro diferencial das mieloses leucêmicas e leucemoides. 

Em 1937, em colaboração com Jairo Ramos , deu o primeiro curso oficial de aperfeiçoamento sobre hematologia, recebendo voto de louvor do Conselho Técnico e Administrativo da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo. 

Apaixonado pelos estudos hematológicos, foi um dos primeiros a praticar o mielograma em São Paulo, tendo publicado com Jairo Ramos e Bernardino Tranchesi, em 1938, valioso trabalho sobre o assunto. Preocupou-se, também com os aspectos estruturais da medula óssea em vários animais, principalmente a preguiça (Bradpus tridactylus). Descreveu com o professor Paulo Toledo Artigas, um novo sarcocistis oarasita do Tamanduá (Tamanduá tetradactyla). 

Em 1940 colaborou com o professor Carmo Lordy e João Thomaz de Aquino na publicação da obra Embriologia Humana e Comparada. José Ória foi membro da Associação Paulista de Medicina (APM), Sociedade de Biologia de São Paulo, The York Academy of Sciences, dentre outras associações médicas nacionais e estrangeiras. 

Além de ser o cientista de escol, José Oria foi também grande humanista. Amante da música erudita e das artes, foi uma personalidade polivalente, conforme descreveu Duílio Crispim Farina3 (Medicina no Planalto de Piratininga, 1981). Figura invulgar de homem, esteta, pesquisador, cientista e médico, José Oria foi formador de escola e fez emanar de sua personalidade brilhante e ímpar, uma atmosfera emocional e cultural que influenciou várias gerações. 

Eram célebres e concorridas as noitadas musicais que organizava no teatro da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), com apresentações de discos de Beethoven, Wagner, Chopin, Vivaldi, Schubert, Liszt, Bach e muitos outros clássicos. A programação desses encontros musicais era realizada com especial carinho e bom gosto, o que pode ser observado ainda hoje através dos seus libretos, nos quais José Oria comentava detalhadamente cada peça a ser ouvida. Seus comentários demonstram sua vasta e erudita cultura . 

José Ória destacou-se também como desenhista e fez diversas caricaturas que se tornaram célebres na história da FMUSP. 

Caricatura de José Ória, feita por ele mesmo em 1937.  

Caricatura feita por José Ória referente ao Departamento de Histologia e Embriologia no ano 1933. Da esquerda para a direita (setas): André Dreyfus, Carmo Lordy e José Ória. 

Teve uma produção científica vasta e lhe permitiu a obtenção de prêmios importantes, tais como: Prêmio Diogo de Faria, em colaboração com Jairo Ramos, com o trabalho “Clínica e Histopatologia do Coração em Portadores de Megaesôfago e Megacolo” (APM, 1939); Prêmio Diogo de Faria, em colaboração com Paulo Carvalhaes, com o trabalho “Citologia do Sedimento Biliar” (APM, 1944); e o Prêmio Alvarenga da Academia Nacional de Medicina de (1941) sobre “Hematologia Infantil”. 

De acordo com seu biógrafo Carlos da Silva Lacaz5 , José Ória era “autodidata e introduziu em nosso meio todos os conhecimentos já estabelecidos pelos clássicos da hematologia. Ensinou ativamente e soube dar um impulso sério e fecundo a uma especialidade desenvolvida fora de nosso país e que era estranhamente ignorada. Realizou verdadeiro milagre, criando a escola hematológica de nossa Faculdade. Estabeleceu critérios de classificação, julgamento e interpretação em hematologia. Sistematizou o modo de pesquisar dos jovens. Colaborou pacientemente com todos os que o procuravam. Perdia horas e horas com os jovens, ensinandolhes as noções fundamentais da histologia e da embriologia”. 

“No laboratório, sempre foi grande investigador, de acuidade intelectual exaltada, revelando as menores minúcias e, dando por fim, a chave do problema. Ao mesmo tempo em que fazia ver, ensinava a interpretar”. 

Michel Abu-Jamra , seu amigo e discípulo, refere que “tanto no lar quanto na sociedade, Ória era sempre o homem probo e carinhoso; culto e seguro de si mesmo, constituindo-se na integração mais completa a que pode almejar o homem. Realizou o ideal de perfeição, vivendo sempre como o homem humano. Ória viveu intensa e belamente e sua vida, no aconchego da família, dos amigos e da música; no laboratório de pesquisa e no anfiteatro das aulas”. 

“Espírito ágil e saltitante” assinala Michel Abu-Jamra, “tinha sempre um comentário sutil a apresentar sobre qualquer trabalho; comentário às vezes irônico, de leve sabor amargo. No julgamento dos homens e das coisas, adotava sempre um certo ceticismo voltaireano, como que pressagiando o quão pouco poderia esperar da vida que lhe deu o mínimo em troca de tantos esforços”. 

Com grande cultura humanística, amante da música que tanto o deleitava, investigador curioso e paciente, de uma grande vivacidade intelectual, José Ória foi, indiscutivelmente, uma personalidade invulgar no meio médico paulista. Faleceu muito jovem, em 1948, com apenas 43 anos. Seu nome é honrado com o patrono da cadeira no 125 da augusta Academia de Medicina de São Paulo. 

NOTAS: 

Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.

Jairo de Almeida Ramos foi presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, durante um mandato anual entre 1939-1940, e é o patrono da cadeira nº 75 desse silogeu. 

Duílio Crispim Farina é o patrono da cadeira no 78 da Academia de Medicina de São Paulo. 

Comentários de José Ória referentes à apresentação do disco de Mozart – Concerto em Ré Menor: Mozart, considerado hoje um dos maiores criadores de todos os gêneros musicais: ópera, sinfonia, sonata, concerto, etc., se tivesse vivido mais 15 ou 20 anos, teria ofuscado Beethoven. Como veremos, no seu concerto que hoje será executado, atinge a grandeza se não ultrapassa a do gênio de Bonn. Mozart nasceu em 1756 em Salzburgo (Áustria) e teve uma infância prodigiosa com seus passeios pelas cortes da Europa, exibindo-se como virtuose precoce. Compunha já em tenra idade, e basta dizer que aos 14 anos sua ópera “Mitridates” foi um sucesso. A sua mocidade, porém, não teve os encantos da infância. Entrechoques do destino, morte dos pais, casamento com Constancia Weber que mal entendia o gênio; doenças, adversidades de toda a sorte o aniquilam em fins de 1791. É enterrado na fossa comum aos 35 anos de idade, depois de mais de 20 anos de luta, que na grandeza tranquila de sua obra imortal mal se percebe. Foi o gênio da serenidade criadora, e o primeiro que deu sentido humano e de “humanidade livre na musica” (Paul Bekker). 

Carlos da Silva Lacaz foi presidente Academia de Medicina de São Paulo durante um mandato anual entre 1962-1963, e é o patrono da cadeira nº 53 desse silogeu. 

Michel Abu-Jamra da foi presidente da Academia de Medicina de São Paulo durante um mandato bienal entre 1969-1970.