Nicolau Pereira de Campos Vergueiro
Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, mais conhecido por Nicolau Vergueiro, nasceu em 24 de março de 1851, na fazenda Pirituba, na localidade de Faxina, hoje Itapeva (SP). Era filho de Luiz Pereira de Campos Vergueiro e de Balbina Alexandrina da Silva Machado. Seus avôs paternos foram Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e Maria Angélica de Andrade e Vasconcelos. Seus avôs maternos foram o barão João da Silva Machado e Ana Ubaldina do Paraíso Guimarães.
Nicolau Vergueiro seguiu em companhia de dois irmãos para a Alemanha, quando contava com 10 anos. Lá fez estudos primários e secundários, graduando-se em medicina pela Universidade de Berlim (Universität zu Berlin), em 1874, onde também realizou cursos de aperfeiçoamento em cirurgia e ginecologia. Colaborou em diversas revistas médicas e jornais da Alemanha, exprimindo-se no idioma germânico com mais facilidade do que em português, aliás, sotaque que não perdeu no seu regresso. Assim foi testemunhado por José Ayres Netto , em monografia editada em 1951 na Revista de Medicina e Cirurgia de São Paulo por ocasião da comemoração do centenário de nascimento de Nicolau Vergueiro: “Saudou-me com simpatia um senhor trajando fraque preto, tez morena, bastos bigodes, cabelos brancos ondeados e sotaque germânico”.
Em seu diploma constavam as assinaturas do príncipe Guilherme, imperador germânico, e de Teodoro Mommsen, o magnífico reitor da Universidade de Berlim.
Regressou ao Brasil aos 26 anos e logo partiu para o Rio de Janeiro, a fim de revalidar seu diploma, feito conseguido com a apresentação da tese Das Operações dos Pólipos Laringeanos, trabalho bem acolhido e impresso na Tipografia Acadêmica em 1876.
Nicolau Vergueiro estabeleceu-se em São Paulo e aí se casou com a sorocabana Messias Lopes de Sousa Freire (1861-1949), em 24 de março de 1881, matrimônio que lhes deu 10 filhos . Após seu casamento empreendeu nova viagem à Europa, permanecendo em Viena por aproximadamente dois anos.
Retornou a São Paulo em 1883, ocasião em que um de seus filhos encontrava-se persistentemente adoentado. Indo a Sorocaba e apreciando o clima daquela cidade, teve a ideia de instalar uma casa de saúde destinada a convalescentes. Concretizou seu sonho na chácara São Bento, constituindo-se a primeira instituição no gênero do interior da então província de São Paulo. Este empreendimento deu grande prestígio ao local e atraiu membros de tradicionais famílias da sociedade paulistana, tais como os Silva Prado, Souza Queiróz, Paes de Barros, Silva Rudge, Ribeiro dos Santos, Gama Cerqueira e os Almeida Prado, dentre outros.
Ao lado de Carlos José Botelho , seguidor da escola francesa, Nicolau Vergueiro passou a figurar como um dos cirurgiões mais reconhecidos do corpo clínico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, juntamente com Arnaldo Vieira de Carvalho e Luiz Pereira Barreto .
À época, na Santa Casa de Misericórdia havia um único pavilhão destinado à cirurgia de homens que a administração dividiu-o em duas alas: à esquerda era destinado a Carlos José Botelho e, à direita, a Nicolau Vergueiro. Ambos ainda estavam impregnados das ideias e métodos não somente de suas respectivas escolas, mas também das influências da Guerra Franco-Prussiana9 . Assim, havia uma acirrada disputa entre ambos: Botelho, filho intelectual da França, era ousado e hábil cirurgião. Operava um bócio com desembaraço, elegância e agilidade; Vergueiro, filho intelectual da Alemanha, era bem preparado, meticuloso e cauteloso. Cultuava a arte e era de outra índole, não admitindo experiências com os doentes, pois, para ele, não os considerava “materiais”. Conhecia bem a literatura médica germânica e utilizava técnicas que aprendera com renomados mestres, tais como Billroth, Bergman e Michulitz dentre outros. Chegou a frequentar diversas vezes a enfermaria do professor Rubião Meira . Gostava de experimentar remédios. À sua época surgiu o “electrargol”, que tinha ação em algumas infecções pulmonares, mas que era aplicado por ele em várias moléstias.
Nicolau Vergueiro tornou-se afamado em sua clínica privada. Cita-se um caso em que realizou uma craniotomia em um colega, e outro onde salvou a vida de um oficial do Exército ferido no ventre, fazendo com que o projétil, que se alojara no interior do estômago, fosse expelido sem o uso de terapêutica agressiva.
Foi ele também o precursor da teoria da infecção bucal, aconselhando o cuidado dos dentes para curar diversas moléstias.
Nicolau Vergueiro foi membro titular da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo. Provavelmente por ser retraído, frequentava pouco as reuniões desse sodalício. São de sua autoria os seguintes trabalhos: “Ueber die Aktive Ausbreitung Prophylaxie des Pest“; “A Febre Amarela”; “Considerações sobre o Relatório da Comissão Francesa presidida pelo Professor Marchaux”; e “Considerações sobre a Memória Apresentada pelo Dr. Emílio Ribas ao Quinto Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia Ocorrido no Rio de Janeiro, em 1903”.
Nicolau Vergueiro granjeou grande fama, sem, contudo, saber mantê-la pela inquietude de seu caráter. Tinha momentos em que se via só, dominando a clínica, e depois desaparecia. Foi diversas vezes para o interior, procurando fora da profissão meios para prover sua grande família.
Quando fechou sua casa de saúde, em Sorocaba, começou a se dedicar ao plantio de uva em sua chácara com a finalidade de desenvolver a indústria vinícola nessa cidade. Era aficionado pela viticultura. Importou dos Estados Unidos da América várias espécies de uvas adaptáveis ao solo brasileiro e, da Alemanha, o maquinário e vasilhames apropriados. Chegou a plantar 40 mil pés de videiras que produziram os famosos vinhos “Sangue Paulista” e “Caboclo”, os quais tiveram grande aceitação, pois, além de figurarem nos cardápios dos principais restaurantes, encontravam-se presentes no Hotel de França e na Bodega Paulista. Nesse particular escreveu a obra Os Estabelecimentos de Viticultura. Passou anos nessa atividade e longe da clínica que, quando a ela retornou, tornou-se esquecido de seus antigos clientes.
Segundo seu biógrafo Rubião Meira, Nicolau Vergueiro “era de família respeitável; tinha fisionomia respeitosa; era alto, moreno e usava bigodes pretos. Era inteligente, de caráter independente, falava com facilidade e sempre se vestia de forma elegante, com sobriedade. Usava longa sobrecasaca preta”.
Nicolau Vergueiro atuou como cirurgião, clínico, obstetra e até como otorrinolaringologista. Após ter conquistado renome em função de suas qualidades profissionais, voltou a residir em Sorocaba, onde atuou em saúde pública, chefiando o posto antitracomatoso. Posteriormente retornou à capital onde chefiou o posto antitracomatoso do Brás, situado à rua Monsenhor Anacleto, além de ter trabalhado como inspetor sanitário no final de sua vida.
Com relação ao tracoma fazia escritos e cartazes, além de outros meios de propaganda, a fim de divulgar à população os perigos do contágio da nefasta oftalmia tracomatosa. Nessa moléstia gostava de utilizar o “protargol”, além de fórmula por ele inventada, que era distribuída a baixos preços aos doentes que procuravam o almoxarifado do Serviço Sanitário. Quando essa distribuição não foi mais possível, assim se expressou Nicolau Vergueiro: “Não querendo privar os tracomatosos das grandes vantagens do nosso colírio, pedi ao professor Hottinger que, pela fábrica ‘Salus’, se encarregasse do mesmo e da sua venda. (…) Fui atendido, ficando a fórmula registrada como propriedade da firma, tendo eu, como única recompensa, a promessa do colírio ser exposto à venda por preço módico, ficando assim ao alcance dos tracomatosos, quase todos pobres”. Essas palavras bem expressam a magnanimidade de seu coração e a sua preocupação com os menos favorecidos.
Nicolau Pereira de Campos Vergueiro foi médico que soube honrar sua profissão, sobretudo pela beleza moral de seu caráter. Chegou a ter grande fortuna, que não se manteve por ocasião de seu falecimento, ocorrido na capital paulista, em 19 de novembro de 1924, aos 73 anos.
Seu nome é honrado como patrono da cadeira nº 86 da augusta Academia de Medicina de São Paulo; numa sala nas dependências da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e numa rua no centro da cidade de Sorocaba.
NOTAS:
Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
Teve ascendente homônimo que ficou ligado à história do Brasil durante o 1º Reinado, sendo senador por dez legislaturas consecutivas; integrante da Regência Trina Provisória e assumindo as pastas do Império, Fazenda e Justiça.
José Ayres Netto foi presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, durante dois mandatos anuais entre 1919-1920 e 1934-1935, e é o patrono da cadeira nº 105 desse sodalício.
Os seus filhos foram: Luiz Pereira de Campos Vergueiro (1882-1953); Lúcia Pereira de Campos Vergueiro (1885-?); Alice Pereira de Campos Vergueiro (1886-1969); Olga Pereira de Campos Vergueiro (1887-?); Roberto Pereira de Campos Vergueiro (1892-1937); Nicolau Pereira de Campos Vergueiro Júnior (1899-1950); Affonso Pereira de Campos Vergueiro (?-1939); Inêz Pereira de Campos Vergueiro (?); Horácio Pereira de Campos Vergueiro (1900-1963) e Geraldo Pereira de Campos Vergueiro (1901-?).
Carlos José Botelho foi membro fundador da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, tendo tido a honra de ser seu segundo presidente num mandato anual entre 1896-1897, e é o patrono da cadeira nº 55 desse sodalício.
Arnaldo Augusto Vieira de Carvalho foi membro fundador da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, tendo tido a honra de ser seu sétimo presidente, exercendo dois mandatos anuais entre 1901-1902 e 1906-1907, e é o patrono da cadeira nº 11 desse sodalício. Na verdade, Arnaldo Vieira de Carvalho era bem mais moço que Carlos Botelho e Nicolau Vergueiro, tornando-se discípulo e admirador de ambos, além de ser o aparador de arestas profissionais que existiam entre eles.
Luiz Pereira Barreto foi membro fundador e o primeiro presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, durante um mandato anual entre 1895- 1896, e é o patrono da cadeira nº 1 desse sodalício.
A Guerra Franco-Prussiana ou Guerra Franco-Germânica extendeu-se de 19 de julho de 1870 a 10 de maio de 1871. Foi um conflito ocorrido entre França e o Reino da Prússia no final do século XIX. Durante o conflito, a Prússia recebeu apoio da Confederação da Alemanha do Norte, da qual fazia parte, e dos estados do Baden, Württemberg e Baviera. A vitória incontestável dos alemães marcou o último capítulo da unificação alemã sob o comando de Guilherme I da Prússia. Também marcou a queda de Napoleão III e do sistema monárquico na França com o fim do Segundo Império e sua substituição pela Terceira República Francesa. Igualmente, como resultado da guerra, ocorreu a anexação da maior parte do território da Alsácia-Lorena pela Prússia, território que ficou em união com o Império Alemão até o fim da Primeira Guerra Mundial.
Domingos Rubião Alves Meira foi presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, durante meio mandato anual entre 1905-1906 e um mandato anual entre 1911-1912, e é o patrono da cadeira nº 51 desse sodalício.
Depreende-se que Nicolau Pereira de Campos Vergueiro foi, muito provavelmente, membro fundador da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, embora essa prerrogativa não tenha sido possível de ser obtida nas fontes pesquisadas.
Essa Comissão Francesa foi instalada na capital da República para estudar a febre amarela.
Emílio Marcondes Ribas é o patrono da cadeira nº 56 da Academia de Medicina de São Paulo.