Osório Thaumaturgo César
Osório Thaumaturgo César, mais conhecido simplesmente por Osório César, nasceu em João Pessoa (PB), aos 17 de novembro de 1895. Ainda muito jovem, tocava violino e tinha talento para a música. Veio para São Paulo em busca de melhores condições de estudo.
Com 17 anos matriculou-se na Faculdade de Odontologia e formou-se quatro anos depois. Não chegou a exercer a profissão e sustentava-se lecionando aulas de violino.
Iniciou o curso de medicina em 1918, mas teve que se transferir para a Faculdade de Medicina da Praia Vermelha no Rio de Janeiro, em 1920. Concluiu o curso com 30 anos de idade, em 1925. Nesse mesmo ano começou a trabalhar no Hospital do Juqueri (SP) e lá permaneceu por 40 anos.
A circulação de sua produção intelectual principia em 1919, quando levou a público um opúsculo intitulado Doutrinas Biológicas.
Osório César criou o grupo Cultura Musical e promovia reuniões de artistas onde se ouvia música, desenhava-se e transformavam-se os desenhos em pintura. Um dos participantes desse grupo foi o pintor Aldo Bonadei.
Osório César já era um homem maduro e com experiência em lidar com pacientes e com a arte quando publicou seu primeiro trabalho nas Memórias do Juqueri, em 1925: “A Arte Primitiva nos Alienados: Manifestação Esculptórica com Carácter Simbólico Feiticista num Caso de Síndrome Paranoide”. Nos seus primeiros anos como médico psiquiatra do Juqueri, sua produção era eclética, tendo vários trabalhos sobre anatomia-patológica e um sobre glândulas.
Osório César consta como um dos 24 membros fundadores da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo em 1927, e também da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro em 1928.
Quando, em 1929, publicou sua principal obra Expressão Artística dos Alienados – Estudos dos Símbolos na Arte, remeteu um exemplar a Freud que confirmou o recebimento através de carta, em que comentava sua satisfação pelo interesse do estudo da psicanálise no Brasil, documento infelizmente perdido no incêndio dos arquivos do Hospital do Juqueri. Assim, tornou-se amigo dos renomados psiquiatras Sigmund Freud e Carl Gustav Jung.
Na década de 1930 fez estudos em Paris, Alemanha, Itália e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em duas viagens, numa das quais participou do XV Congresso Internacional de Fisiologia em Leningrado e Moscou, sob a presidência de Pavlov. Em visita à França conheceu a assistência aos psicopatas do Centro de Psiquiatria e Profilaxia Mental no Hospital Henri Rousselle, instituição onde procurou encontrar o dr. Toulouse.
Em 1932, aos 37 anos, teve uma ligação afetiva com Tarsila do Amaral e com ela viajou para a União Soviética. Mesmo que essa ligação não tenha durado muito, foi intensa enquanto existiu e é reconhecida sua influência na fase social da grande pintora brasileira.
Sua ligação com a arte tornou-o um articulista dos grandes jornais de São Paulo no período de 1940-1960. Estudiosos da obra da pintora relatam a influência que ele exerceu sobre ela, particularmente na esfera social. Um dos seus quadros mais importantes, “Os Operários”, foi produzido depois dessa mudança. Osório César, em seu retorno, produziu alguns textos de exaltação comunista tais como “Onde o Proletariado Dirige” (1933) e “O que é o Estado Proletário” (1933). No ano seguinte publicou “A Proteção da Saúde Pública na União Soviética” no 16º aniversário da Revolução de Outubro.
Na prática clínica eram aplicados os conceitos psiquiátricos da época, entre eles a laborterapia. A terapia pela arte foi desenvolvida por Osório César ainda como estudante interno. Surgiram no seio do Juqueri as primeiras comunicações psicanalíticas, mas não havia a prática psicanalítica que só foi estruturada mais tarde com a chegada a São Paulo da dra. Adhelaide Koch (1936).
Segundo M. H. Ferraz, em 1938 foi criado no Juqueri um organismo paraestatal, a Instituição de Assistência Social a Psicopatas (Iasp), cujo objetivo era o atendimento mais rápido das necessidades materiais, jurídicas e pessoais dos doentes. Isso incluía as atividades artísticas: desenho, pintura, escultura, música e cerâmica que ficaram a cargo de Osório César. A Seção de Artes Plásticas deu origem a Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri (Elap) que foi constituída oficialmente em meados de 1949.
Todo material guardado de alienados mentais – pintura e escultura – de diversos locais do Juqueri foi resgatado pela dra. Maria Heloísa de Toledo Ferraz a partir de 1984. O resultado do seu trabalho foi à criação do Museu Osório César nas dependências do Hospital do Juqueri. Nise da Silveira é mais conhecida na área da produção artística dos pacientes psicóticos, no entanto, ela mesma reconhecia o pioneirismo de Osório César nessa área. De qualquer forma, ganha-se com a existência do Museu do Inconsciente no Rio de Janeiro e com o Museu Osório César em São Paulo.
Sua orientação política levou-o diversas vezes a prisão, inclusive uma vez em 1935, quando regressava de um congresso de fisiologia na URSS, sendo preso ainda dentro do navio em que retornava ao Brasil.
Sua opção política não impediu que trabalhasse no Hospital do Juqueri de 1925 até 1965, ocasião em que se aposentou. Como psiquiatra interessou-se pela anatomiapatológica das doenças mentais e tem vários artigos nessa área. Como clínico e artista pôde reconhecer habilidades e talento entre os pacientes com quem convivia.
Segundo Dalgalarrondo, “tudo indica que, no Brasil, ele foi o primeiro estudioso a dedicar-se de forma sistemática e aprofundada à análise tanto da arte produzida por doentes mentais quanto das manifestações religiosas e culturais da população abandonada nos hospícios. Osório César fez em São Paulo as primeiras junções entre a psiquiatria, arte e psicanálise”.
Osório Thaumaturgo César faleceu na cidade Franco da Rocha, aos 3 de dezembro de 1979, com 84 anos. Seu nome é honrado como patrono da cadeira nº 68 da augusta Academia de Medicina de São Paulo.
NOTAS:
Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
Retrato de Osório César, 1930. Óleo sobre papelão. Coleção Bertha e Isaac Krasilchik.