PortugueseEnglishSpanish
Biografia

Raul Carlos Briquet

Raul Carlos Briquet nasceu em Limeira, estado de São Paulo, em 8 de fevereiro de 1887. Era filho de Edouard L. Briquet e de Ana Rosa Constança Baumgart Briquet.

Teve três irmãos: Estela, Luis e Marinho. Casou-se com Cecília da Silva Briquet e teve dois filhos: Raul Briquet Filho e Marina Flavia Briquet Soares de Souza.

Graças à formação requintada de sua mãe desenvolveu uma cultura geral multifacetada, abrangente e profunda, não apenas no campo da medicina, como também na psicologia, filosofia, educação e artes. Em todos desempenhou papéis importantes, destacando-se como personalidade de ação na esfera científica e cultural. Foi formador de uma geração de médicos e cientistas, deixando um legado importante, através de seus ensinamentos, de sua atuação, de seus livros e artigos.

Raul Carlos Briquet estudou no Instituto de Ciências e Letras de São Paulo e na Faculdade Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro, diplomando-se em 1911. Revelou desde a mocidade tendências poliformes de sua inteligência. Defendeu a tese Da Psychophysiologia e Pathologia Musicaes, evidenciando o seu pioneirismo também na ciência psicológica. Concluindo seu curso, retornou a São Paulo, especializando-se em ginecologia e obstetrícia. Iniciou suas atividades profissionais como médico interno na Maternidade de São Paulo. Nessa instituição, que atendia cerca de mil gestantes anualmente, desenvolveu sua prática clínica, ao mesmo tempo em que se dedicava à pesquisa. Impunha orientação segura aos casos sob sua responsabilidade.

Briquet interessou-se pelo estudo de diagnóstico da gravidez, o que o levou a estudar o método diagnóstico desenvolvido por Abderhalden, com o próprio autor.

Como resultado de suas pesquisas publicou, em 1914, o trabalho “Diagnóstico da Gravidez pela Diályse-reacção de Abderhalden”, primeiro trabalho a ser publicado sobre o método, conforme afirmou o próprio Briquet. O trabalho já revelava um autor exigente e rigoroso em suas pesquisas, a par da produção científica mundial, como mostrava a longa lista de referências bibliográficas, característica, aliás, de todas as suas obras.

Em 1925, prestou concurso na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, onde, aprovado, assumiu a cátedra de clínica obstétrica e puericultura neonatal. Pioneiro do ensino da enfermagem em nosso meio, interessou-se pela formação de profissionais que auxiliassem o obstetra na assistência ao parto. Assim, a escola de obstetrizes recebeu de Briquet todo o apoio, tendo sido o curso em apreço programado para três anos, a fim de melhor atender o preparo das parteiras. Reunindo os dados dos cursos ministrados, como catedrático de referida clínica, organizou a publicação do livro Elementos de Enfermagem, em 1931. Um ano depois, publicou a obra Obstetrícia Operatória (1932), com a qual visava prestar serviço aos estudiosos e praticantes da tocologia, apresentando uma documentação iconográfica que era constituída por figuras e gráficos em número superior ao de qualquer tratado de operações obstétricas até então publicado. Este livro teve nova edição, em 1979, publicada por seus discípulos D. Delascio e A. Guariento.

Em 1927, juntamente com Franco da Rocha, Durval Marcondes e Lourenço Filho, participou da criação da Sociedade Brasileira de Psicanálise, primeira entidade associativa dos psicanalistas brasileiros, tendo ocupado o cargo de vice-presidente.

Briquet era requisitado como professor e conferencista. Por ser poliglota, tinha facilidade em conhecer o que se fazia e publicava em outros países, tornando-o num inovador e trazendo para seus cursos o que havia de novo e relevante na medicina e em outros campos do conhecimento.

Em 1934, com a criação da Universidade de São Paulo (USP), assumiu, por concurso, a cátedra já referida na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, bem como fez-se membro do conselho universitário. Em 1939 publicou o livro Obstetrícia Normal, que teve outras edições pelos autores D. Delascio e A. Guariento, em 1970, 1981 e 1987.

Em 1943, como diretor-geral dos cursos de enfermagem e socorros de guerra da II Região Militar, organizou a publicação do livro Manual da Socorrista de Guerra, definindo as atribuições específicas desse socorrista e possibilitando-lhe os conhecimentos indispensáveis ao desempenho de suas funções.

Em 1944, novamente com contribuições de médicos reconhecidos por seu mérito, publicou o livro Lições de Anestesiologia. Um ano depois, publicou o artigo “Asfixia do Recém-Nascido” (1945), evidenciando sua preocupação com o aumento do número de casos de asfixia em recém-nascidos e, um ano mais tarde, levou a público o livro Patologia da Gestação (1946) e o artigo “Hemorragia do Terceiro e Quarto Estágio do Parto”. A Antologia Médica Brasileira, organizada por ele e publicada em 1951, visou contribuir para o estudo da história da ciência no Brasil.

Assim, Raul Briquet criou uma escola de obstetrícia em São Paulo, orientando numerosos trabalhos da especialidade, tendo atuação fecunda no ensino e na arte obstétrica.

Com Lemos Torres, iniciou a assistência conjugada do cardiologista e do tocólogo nas gestantes cardiopatas. Aplicou a medicação sulfonamídica pela primeira vez nas infecções puerperais. Quanto ao emprego da analgesia no parto, foi sempre cauteloso, combatendo o abuso desnecessário e alertando seus discípulos sobre os efeitos prejudiciais da anóxia cerebral no desenvolvimento psíquico do futuro ser.

Restringiu a prática da interrupção da prenhez com fins terapêuticos na tuberculose pulmonar. Iniciou, em nosso meio, a assistência ao recém-nascido em berçários.

Planejou a “Maternidade Universitária”, com a colaboração de Rino Levi, obra essa que não foi, infelizmente, concretizada.

Como referiu Onofre Araújo, um de seus discípulos mais diletos, a vida de Raul Briquet foi cheia de benemerência e exaustivamente dedicada ao progresso da medicina e ao bem-estar da humanidade. Na prática obstétrica, ele estigmatizava o exagero da indicação operatória extrativa pelo fórcipe, bem como combatia a espera desmedida no período expulsivo demorado, pois tanto esta como aquela maneira de assistência contrastavam com a fragilidade do aparelho contensor do cérebro fetal.

Briquet sempre afirmava: a reputação e a dignidade do parteiro patenteiam-se, em essência, no respeito que tem pela vida do produto conceptual, mesmo na sua mais rudimentar expressão.

Ao mesmo tempo em que se dedicava às atividades médicas, Briquet estendia sua atuação a outros campos do conhecimento. Desde cedo o interesse pelas ciências humanas e sociais o levou a aprofundar-se nos estudos da psicologia, psicanálise, psicologia social e sociologia.

No início da década de 1930, juntamente com outros intelectuais, Briquet participou da criação da Sociedade Paulista de Filosofia e Letras, entidade que desempenhou papel importante na implantação dos alicerces da construção de uma universidade paulista.

Seu papel mais destacado, no entanto, como contribuição para as ciências humanas, foi a participação na criação da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, em 1933. Raul Carlos Briquet foi convidado a pronunciar a aula inaugural e a criar a cátedra de psicologia social, o primeiro curso em nível superior dessa matéria no Brasil. Nessa área de conhecimento publicou Tendências da Sociologia Contemporânea (1933). Seu livro Psicologia Social, resultante das suas aulas ministradas durante o curso, publicado em 1935, constitui a primeira obra nessa área no Brasil.

Como educador, foi um dos pioneiros da Escola Nova, tendo sido assinante do “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova” (1932), considerado um dos mais importantes documentos educacionais brasileiros. Nas suas conferências sobre Educação abordou temas os mais variados, como: “Ensino da Leitura”, “Do Método no Estudo”, “Lede e Meditai a Obra de Hipócritas”, “Disciplina do Gesto”, “J. Locke, Filósofo e Educador” e “Instrução Primária e Secundária no Brasil”, que foram reunidas no livro Palestras e Conferências, publicado em 1944, onde evidencia sua grande personalidade como educador. Em 1946, publicou o livro História da Educação – Evolução do Pensamento Educacional, baseado no curso oferecido na cadeira de educação nacional, da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo.

Sua atuação nas letras justificou sua posse na Academia Paulista de Letras, ocupando a cadeira nº 38, cujo patrono é Navarro de Andrade, onde também desenvolveu inúmeras atividades e contribuindo com vários artigos para a Revista da Academia.

Cultor apaixonado de toda a atividade que aprimorasse o espírito, cabe ainda mencionar a contribuição de Briquet nas artes. Exímio pianista, atento apreciador das atividades artísticas, pronunciou várias palestras sobre o assunto. Seduziam-no os grandes gênios como Michelangelo, Beethoven, Goethe e Shaw.

Por seu livro Palestras e Conferências (1944) recebeu, em 1946, o prêmio “Carlos de Laet” da Academia Brasileira de Letras, ao reconhecer a comissão julgadora os grandes predicados de inteligência e cultura do autor, destacando também a elegância, a erudição e a boa linguagem empregada.

Homem profundamente bom, nunca se mostrou rasteiro em suas ações. Professor de uma especialidade de valor social tão elevado, soube dignificar e honrar a profissão.

Acamado pela doença que dias após o retiraria do convívio de seus colegas e amigos, estava terminando a obra Patologia do Parto e do Puerpério, que foi editada como homenagem de seus assistentes e alunos da Faculdade de Medicina da USP.

Faleceu o eminente mestre aos 5 de setembro de 1953, aos 66 anos, perdendo a obstetrícia nacional um de seus vultos de maior projeção.

Em virtude de sua contribuição à psicologia, particularmente de forma pioneira à psicologia social, Briquet foi eleito, por unanimidade, patrono da cadeira nº 12 da Academia Paulista de Psicologia.

NOTAS:

Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.