Saul Cypel
Saul Cypel nasceu em Porto Alegre, no dia 16 de dezembro de 1942. É filho de Abram Cypel (industrial) e Clara Cypel (atividades do lar), imigrantes judeus vindos da Polônia pouco antes do início da II Guerra Mundial, ambos falecidos. Seu irmão Renato, médico psiquiatra, mais jovem, vive com sua família em Paris. Casou-se com Lia Rachel Colussi Cypel, em 1974 (psicanalista), e tem quatro filhas: Marcela (médica oftalmologista), Irina (publicitária), Eleonora (administradora de empresas) e Bruna (arquiteta); e seis netos: Ricardo, Beatriz, Santiago, Lais, Ana e Fernando.
Embora com vida modesta, seus pais tiveram o empenho de oferecer-lhe condições para buscar uma atividade profissional diferenciada, pautado por uma educação cuidadosa e de respeito às pessoas com quem se relacionava.
Seus estudos iniciais foram no Grupo Escolar Argentina, seguindo-se o Curso Ginasial e Científico (nomenclaturas na época), no Colégio Estadual Julio de Castilhos, ambos em Porto Alegre.
Saul Cypel prestou exame vestibular para medicina, em 1961, na Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre, sendo aprovado, tendo concluído o curso em 1966.
Esta faculdade, atualmente, foi federalizada passando a chamar-se Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
Desde o curso de graduação interessou-se pela pediatria e pela neurologia. E sua opção primeira foi em busca de residência médica, optando pela área pediátrica, inscrevendo-se e sendo aceito, em 1967, no Serviço de Pediatria do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (Ipase), dirigido pelo professor Luiz Torres Barbosa. Cumpriu os dois anos de formação e, ao final, participou do 1o Concurso de Especialista em Pediatria, em 1968, organizado pela Sociedade Brasileira de Pediatria, sendo aprovado.
Durante a formação em pediatria interessou-se pela neurologia em crianças. Em busca de conhecer os locais para a formação neurológica, durante as férias, em outubro de 1968, foi visitar o Serviço de Neuropediatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC – FMUSP), cuja direção era conduzida pelo professor Antônio Frederico Branco Lefèvre2 . Entusiasmado, fez a inscrição e dois meses após recebeu carta de aceitação. Apresentou-se em janeiro de 1969.
De fato, o estágio correspondeu às expectativas. Desenvolveu-se em tempo integral, iniciando-se pelo aprofundamento em neuroanatomia e semiologia neurológica, básicas para a compreensão das atividades clínicas futuras. Foram dois anos intensos em que além das atividades médicas pode conhecer pessoas, colegas e funcionários da instituição e estabelecer relacionamentos que mantém até o presente.
Ao mesmo tempo em que fazia a formação neurológica, devido às condições de especialista em pediatria, foi convidado pelo professor Fernando Proença de Gouveia e contratado pela Clínica Pediátrica do Hospital das Clínicas (FMUSP) para trabalhar no Posto de Hidratação como médico assistente. Pouco a pouco foi assumindo o atendimento das crianças com manifestações neurológicas no Pronto-Socorro de Pediatria e nas consultorias das crianças internadas na enfermaria pediátrica. Em decorrência do volume de casos e da necessidade de assistência foi contratado pela Clínica Neurológica como médico assistente, sendo depois efetivado por meio de concurso, ficando responsável pelas visitas com médicos residentes no Pronto-Socorro e Enfermaria Pediátrica.
Em 1972, realizou doutoramento com a tese: “Contribuição para o Estudo Clínico do Diagnóstico Diferencial entre a Polirradiculoneurite e a Polineuropatia Diftérica em Crianças”, pelo Departamento de Neurologia da FMUSP, tendo como orientador o professor Antônio Lefèvre, obtendo aprovação.
Ainda, em 1972, foi colaborador na Pesquisa “Exame Neurológico Evolutivo” publicada em livro pela Editora Sarvier e orientada pelo professor Antônio Lefèvre. Neste trabalho foram avaliadas 200 crianças na faixa etária dos três aos sete anos, buscando estabelecer-se padrões de desenvolvimento para cada uma das idades em diversas funções neurológicas.
Em 1975, foi secretário geral do III Congresso Brasileiro de Neuropsiquiatria Infantil e III Congresso Latino-Americano de Neuropsiquiatria, realizado na cidade de São Paulo.
Implantou, em 1976, o atendimento para crianças com dificuldades escolares no Ambulatório de Neurologia Infantil do Hospital das Clínicas da FMUSP, sob sua direção, com a participação dos médicos residentes do Departamento de Neurologia.
Em 1978, preocupado com o maior entendimento de Funções Nervosas Superiores (Funções Corticais), que lhe permitisse melhor compreensão do desenvolvimento infantil foi buscar estágio no exterior.
A escolha foi Londres, Inglaterra, onde solicitou pós-doutorado no Institute of Neurology, na London University. Lá permaneceu como research assistent por dois anos, frequentando as atividades de neuropsicologia no Hospital Maida Vale com a doutora Maria Wyke, e também no The National Hospital for Nervous Diseases – Queen Square com a doutora Elizabeth Warrington. Teve a oportunidade de ouvir o professor MacDonald Critchley nas suas magistrais aulas sobre as funções corticais. Concomitantemente, participava das visitas clínicas neurológicas do Hospital Infantil Great Ormond Street conduzidas pelo doutor John Wilson.
Neste período, desenvolveu pesquisa em escolas de ensino fundamental londrinas com crianças de seis e sete anos, com e sem dificuldades de aprendizado escolar, utilizando para diagnóstico diferencial o Exame Neurológico Evolutivo, resultante da pesquisa anteriormente mencionada.
Os dados obtidos nesta última pesquisa foram utilizados como tese no primeiro concurso de livre-docência em neurologia infantil, na FMUSP, com o título de “Avaliação Neurológica e de Alguns Aspectos do Comportamento em Crianças de 6 e 7 anos com e sem Dificuldades no Aprendizado”, apresentada em 1983, à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sendo aprovado.
No mesmo ano houve sua indicação como orientador de pós-graduação em neurologia pelo Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
A partir de 1980 foi publicado o livro “Neurologia Infantil” pelos professores Antônio Lefèvre e Aron Diament4 , compêndio que recebeu o Prêmio Jabuti. Com o falecimento do professor Lefèvre, Saul Cypel passou a integrar as novas edições juntamente com Aron Diament, tendo sido publicadas até o momento cinco edições, sendo a última, em 2010.
Em 1985, elegeu-se presidente do Capítulo Paulista da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil (AbenepiI), em gestão de dois anos. E, a seguir, em 1989, foi eleito presidente nacional da Abenepi e, nesta condição, em 1991, realizou o X Congresso Brasileiro de Neurologia e Psiquiatria Infantil, em São Paulo. A este evento atenderam 1800 participantes, sendo considerada excelente e de alto nível a programação científica, com a presença de convidados internacionais, entre eles: Berry Brazelton (USA), Michel Soulè (França), Maria Wyke (Inglaterra), Natálio Fejerman (Argentina), proporcionando a todos especial interação profissional e pessoal. Foi obtido resultado financeiro muito satisfatório, o que permitiu a compra da sede própria da Abenepi.
A dedicação ao aprendizado escolar permanecia em curso e, em 1990, já havia convidado a psicóloga Emília Ferreiro do Instituto de Estudos Avançados da Universidade do México, para um encontro da Abenepi, incluindo dirigentes da Secretaria do Estado da Educação de São Paulo, sobre o tema: “Psicogênese da Língua Escrita”, abordando como se desenvolvia o processo de aquisição da leitura e escrita na criança. Este foi um marco na compreensão e no estabelecimento de estratégias educacionais, públicas e privadas, passando a orientar e corrigir interpretações equivocadas a respeito da produção dos escolares.
Em 1991, com a colaboração da Kellogg Foundation, criou o Instituto de Desenvolvimento e Aprendizado Escolar (Idea), ONG5 com a finalidade de atendimento para crianças de escolas públicas da cidade de São Paulo, que estivessem apresentando alguma dificuldade no aprendizado escolar. Concomitantemente, o Idea organizou Cursos de Capacitação para professores alfabetizadores.
Prosseguiu com suas atividades relacionadas ao Desenvolvimento Infantil procurando estabelecer relação das várias etapas e aquisições funcionais com a estrutura neurobiológica. Consequência disso, foi convidado a apresentar relatório sobre o desenvolvimento infantil, organizando e atualizando os conhecimentos sobre o tema, por solicitação da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV). Esse relatório foi apresentado ao Conselho Curador da Fundação e escolhido como a área temática de eleição para os futuros investimentos daquela instituição.
Saul Cypel foi convidado como coordenador do Projeto da Primeira Infância da FMCSV, em 2007, que incluía as crianças de zero a três anos, mais tarde chamado de Primeiríssima Infância. O projeto incluía transmitir aos pais a sua importância no desenvolvimento da criança, esclarecendo suas funções, iniciando-se a partir da gestação. Passando a atuar em municípios paulistas em convênio com as prefeituras locais (prénatal, parto e puerpério, ambulatórios de pediatria e creches). Os resultados foram excelentes e os programas permanecem até o presente momento, acontecendo em cerca de 60 municípios como base teórica e prática dos programa atuais. Prosseguiu suas atividades na Fundação até 2014.
Editou, em 2005, o livro “A Criança com Déficit de Atenção e Hiperatividade e as Funções Executivas”, para pais e profissionais, atualizando conceitos e buscando esclarecer as razões pelas quais a criança com dificuldades de atenção estariam apresentando as alterações comportamentais devido àquele prejuízos funcionais.
Convidado, participou na Unicef6 , em 2014, na sede da OMS7 /UN, em Nova York, do Seminário “Enriching the Brain – From Research to Action – Missing Linkage: Understanding the Multiple Influences on Brain Development”, em companhia de outros relatores internacionais, com representantes de escritórios internacionais da Unicef. Esse encontro foi importante, pois, pela primeira vez, a Unicef promovia o tema do desenvolvimento infantil com objetivos de incentivar ações preventivas.
Saul Cypel é membro do Comitê de Especialistas e de Mobilização Social para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância (SUS8 – Ministério da Saúde – 2012).
Todas as atividades profissionais mencionadas foram permanentemente concomitantes à atividade fundamental do exercício em clínica privada nestes 50 anos de trabalho clínico, com atendimento neurológico de crianças e adolescentes. Destaca-se pela sua conduta de um olhar ampliado e humanizado para com seus pacientes acrescido das informações multidisciplinares. Visto que estes sempre estavam inseridos em suas famílias, dedica atenção especial para a participação dos pais, procurando esclarecê-los e orientá-los nas interações com seus filhos, principalmente nos casos lesionais e os de frequentes problemas comportamentais, o que o distingue como característica pessoal.
Durante a vida profissional mostrou interesses filantrópicos e frequentemente foi requisitado para prestar serviços à comunidade por meio de cargos técnicos em instituições, palestras em escolas, entrevistas em jornais, rádio e TV de distintas partes do país, fazendo-o com disponibilidade e transmitindo informação de conteúdo científico de modo acessível para aproveitamento prático dos participantes.
Nesta trajetória profissional, sempre contou com o suporte na vida familiar especialmente da esposa Lia Rachel, companheira constante, que esteve presente com o apoio e incentivo decisivos para esta caminhada. Imensa gratidão, extensiva às quatro filhas, sempre próximas e afetuosas e que com suas vivências o ensinaram a ser pai.
NOTAS:
Biografia e foto foram fornecidas pelo autor.
Pequenas inserções e adaptações do texto ao perfil desta secção, assim como as notas de rodapé foram feitas pelo Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
Em decorrência das recomendações dos órgãos estatais de saúde pública de não aglomeração por causa da pandemia do cononavírus, a posse ocorreu em reunião virtual, através da Plataforma Zoom.
Antônio Frederico Branco Lefèvre (1916-1981) é o patrono da cadeira nº 30 da Academia de Medicina de São Paulo.
Fernando Proença de Gouveia (1929-2019) foi membro titular, emérito, presidente (1989-1990) e primeiro ocupante da cadeira nº 36 da Academia de Medicina de São Paulo, tendo por patrono seu pai, Ignácio Proença de Gouvêa (1892-1956).
Aron Judka Diament é membro titular e emérito da cadeira nº 30 da Academia de Medicina de São Paulo, tendo como patrono Antônio Frederico Branco Lefèvre (1916-1981).
ONG: Organização não Governamental.
Unicef: Fundo das Nações Unidas para a Infância.
OMS: Organização Mundial da Saúde.
SUS: Sistema Único de Saúde.