Silvano Mário Attílio Raia
Silvano Mário Attílio Raia, mais conhecido por Silvano Raia, nasceu em São Paulo (SP), em 1o de setembro de 1930. Graduou-se em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP), em 1956.
Dos 8 aos 10 anos de idade viveu na Itália para aprender o idioma. Foi aluno do Colégio São Luís, frequentando os cursos ginasial e colegial (científico). Recebeu o Prêmio Anchieta como melhor aluno do curso.
Entre os cursos ginasial e colegial passou um ano nos Estados Unidos da América (EUA) para aprender o idioma. Ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em 1951. Ainda calouro venceu o concurso para professor de zoologia do Curso Preparatório ao Vestibular Oswaldo Cruz .
Em 1952, durante o período de férias, entre o primeiro e o segundo ano, recebeu uma bolsa de estudos para um estagio de três meses na Universidade de Heidelberg (Alemanha), onde sistematizou um método para estudo microscópico dos grânulos de zimogeno dos ácinos pancreáticos, publicado na revista “Mikroskopie”.
Em 1954, no fim do terceiro ano, foi convidado pelo professor Edmundo Vasconcelos, a frequentar seu serviço na segunda Enfermaria de Clínica Cirúrgica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC – FMUSP). Desde então, foi seu auxiliar instrumentador, participando de todas as suas demonstrações cirúrgicas, no Brasil e no exterior.
Em 1955, durante o quinto ano do curso médico, realizou uma gastrectomia parcial, assistida por todos os seus colegas de turma (sala Gudin).
Logo depois de formado, Silvano Raia foi, sucessivamente, responsável pelo ensino curricular da FMUSP sobre aparelho digestivo das disciplinas de embriologia e histologia (1957-1961); anatomia descritiva e topográfica (1960-1962); fisiologia (1958-1959); anatomia patológica (1960-1964) e clínica cirúrgica (1967-1982).
Em 1964, estimulado pelo seu interesse nas doenças do fígado, até então pouco conhecidas no Brasil, viajou para Inglaterra, onde, durante três anos, frequentou a Liver Unit do Royal Free Hospital, em Londres, chefiada pela professora Sheila Sherlock, e a seguir, o serviço, do professor Roy Calne, em Cambridge, pioneiro do transplante de órgãos.
Durante o estágio na Inglaterra descreveu uma técnica radiológica, com duplo contraste, para diagnóstico de divertículos do duodeno, publicada na revista “Gut”, e uma técnica histoquímica inédita para identificação e separação, em nível celular, das bilirrubinas indireta e conjugada, publicada, como único autor, na revista “Nature”.
Em 1965, durante sua estada em Londres, retornou por um mês ao Brasil para defender sua tese de doutorado na FMUSP, com a monografia “Ligaduras Gastroesofágicas para Tratamento Cirúrgico das Varizes de Esôfago Sangrantes na Esquistossomose Mansônica”.
Em 1966, durante seu estagio na Inglaterra, foi convidado para apresentar uma conferencia sobre a nova técnica histoquímica e suas possibilidades clínicas na Universidade de Paris, no serviço do professor Jean Pierre Benhamou; na Universidade de Roma, no serviço do professor Pietro Valdoni; e no serviço do professor Pietro Mallam, na Universidade de Milão.
Em 1967, obteve o título de PhD4 pela Universidade de Londres. Sua tese, aprovada com distinção, tratou da nova técnica histoquímica que, mais tarde, no Brasil mereceu o Prêmio Lafi de 1966, conferido em 1968.
Ainda em 1967, retornou ao Brasil e ingressou no Serviço de Cirurgia de Moléstias do Aparelho Digestivo, da Terceira Clínica Cirúrgica do Hospital das Clínicas de São Paulo, chefiado pelo professor Arrigo Raia5 . Nesse serviço, constituiu o Grupo de Cirurgia do Fígado e da Hipertensão Portal, que, mais tarde, se transformaria na Unidade de Fígado do HC – FMUSP.
De 1970 a 1972 estimulou jovens médicos, clínicos e cirurgiões a viajarem para o exterior, a fim de adquirir conhecimentos em especialidades relacionadas à cirurgia do fígado. Viajaram: Jorge Kalil (imunologia) para Paris, no serviço do professor Jean Dausset , futuramente vencedor do Prêmio Nobel; Luiz Carlos Gayotto (anatomia patológica) para Londres, no serviço do professor Peter Scheuer; Dalton Chamone (hemostasia) para Bélgica, no serviço do professor Marc Verstraet; Sergio Mies (técnica cirúrgica) para Denver (EUA), no serviço do professor Thomas Starzl. Com esses jovens especialistas e adotando a modalidade de liderança emergencial, desenvolveu, na Unidade de Fígado do Hospital das Clinicas de São Paulo, as bases da cirurgia do fígado, ainda incipiente no Brasil.
Com esse grupo normatizou as diferentes ressecções cirúrgicas de parênquima hepático; valorizou a técnica de ligadura das varizes de esôfago (tema de sua tese de doutorado), contraindicando a anastomose esplenorrenal no tratamento da hipertensão portal causada pela esquistossomose mansônica (estudo prospectivo incluindo 100 casos operados, com seguimento de 10 anos, publicado na revista “Gastroenterology”); e realizou, em suínos, mais de 200 cirurgias experimentais para sistematização da técnica do transplante de fígado.
Em 1978, obteve o título de livre-docente em cirurgia experimental pela FMUSP, apresentando a tese “Assistência Hepática Temporária. Fluxo de Comunicação com Receptor Anepático”.
Em 1978, meses mais tarde, Silvano Raia obteve o título de livre-docente em clínica cirúrgica pela FMUSP, apresentando a tese “Descompressão Portal Seletiva na Esquistossomose Mansônica”.
Em 1981, por força de um mandado de segurança, inscreveu-se e venceu o concurso para professor titular de cirurgia experimental na FMUSP. A medida legal foi necessária, uma vez que, à época, somente podia se inscrever candidatos possuidores do titulo de professor adjunto conferido, sem concurso, pelo professor titular da disciplina.
Em 1983, assumiu o cargo de professor titular em clínica cirúrgica da FMUSP, passando a chefiar o Serviço de Cirurgia do Fígado e Hipertensão Portal do HC – FMUSP.
De 1982 a 1986, foi diretor da FMUSP. Durante seu mandato recriou as disciplinas de anatomia descritiva e topográfica; criou as disciplinas de cirurgia geral, clínica geral e de informática. Além disso, reestruturou os cursos paramédicos; criou os Laboratórios de Investigação Médica (LIM) e instituiu a Fundação Faculdade de Medicina (FFM).
Em 1985, sempre apoiado pela equipe que constituíra, realizou com sucesso, o primeiro transplante de fígado com doador falecido da América Latina.
Em 1988, Silvano Raia realizou o primeiro transplante de fígado com doador vivo (intervivos) da literatura. Essa técnica, publicada na revista “Lancet”, inicialmente proposta para uso pediátrico, foi mais tarde empregada também para adultos, principalmente no Oriente Médio, onde, por motivos religiosos e culturais, é proibido o transplante com órgãos de doadores falecidos. A Global Observatory on Donation and Transplantation refere que até 2019, 52 mil pacientes já tinham sido submetidos a um transplante de fígado por essa técnica.
Em 1991, ingressou como membro titular da Academia Nacional de Medicina ocupando a cadeira nº 307 .
De 1993 a 1995 foi secretário da Saúde da Prefeitura de São Paulo.
Em 2000, tendo realizado 560 transplantes de fígado no HC – FMUSP, aposentou-se compulsoriamente nessa instituição de ensino.
De 2002 a 2006, chefiou a Unidade de Transplante do Hospital Israelita Albert Einstein, realizando 500 transplantes e dedicando-se ao ensino pós-graduado em transplante de fígado. Organizou quatro cursos com mais de 1.000 alunos de 22 estados do Brasil, que progressivamente disseminaram esse procedimento em todo país.
Em 2008, foi nomeado diretor científico do Programa de Formação em Telemedicina de novos centros de transplante de órgãos, em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês.
Em 2011, foi nomeado coordenador executivo do Conselho Técnico Consultivo do Comitê Estratégico do Ministério da Saúde, passando a ser responsável pelo Programa de Desenvolvimento de Equipes de Captação de Órgãos e Transplantes (Portaria no 439/GM/MS – 14 de março de 2011).
Em 2015, foi nomeado pelo Ministério da Saúde, coordenador executivo das ações para desenvolvimento, capacitação e assistência de novas modalidades de transplantes, como multivisceral, de face e de intestino, bem como para apoiar o desenvolvimento de novas equipes para transplante (Portaria no 1.040 – 23 de julho de 2015)
De 2012 a 2018 desenvolveu um projeto de pesquisa multidisciplinar denominado CIPETRO (Centro Integrado de Pesquisa e Ensino em Transplante de Órgãos), reunindo 5 LIMs da FMUSP e o CEGH-CEL (Centro de Estudos do Genoma Humano e Células Tronco da USP), visando aperfeiçoar métodos já estabelecidos para transplante de órgãos e desenvolver técnicas inéditas.
De 2017 a 2019 foi presidente da Seção de Cirurgia da Academia Nacional de Medicina, coordenando vários simpósios sobre cultura médica em geral e outros mais específicos sobre transplantes de órgãos.
Desde 2018 coordena, em colaboração com os professores Mayana Zatz, Jorge Elias Kalil Filho, Elias David Neto, Maria Passos Bueno e outros pesquisadores, o projeto “Sistematização do Método de Xenotransplante Suíno de Rim, no Brasil”. Visa obter órgãos adicionais para transplante atendendo a demanda reprimida e diminuir, assim, as listas de espera. Em 2017, existiam no Brasil, 126 mil pacientes em hemodiálise, dos quais 1.299 faleceram à espera de um transplante de rim. Em se tratando de técnica inédita na literatura, o coordenador apresentou o projeto e obteve sua aprovação junto aos setores religiosos, jurídicos e administrativos (Serviço Nacional de Transplantes).
Em 2020, foi eleito membro honorário da Academia de Medicina de São Paulo.
Silvano Raia é membro das seguintes entidades: College of Surgeons (1967); membro fundador da Sociedade Latino-Americana de Hepatologia, da qual foi também presidente (1968); American College of Surgeons (1974); Royal Society of Medicine (1966); Associação Paulista de Medicina (1957); Sociedade Brasileira de Anatomia (1961); Sociedade de Gastroenterologia e Nutrição de São Paulo (1967); Sociedade Brasileira de Gastroenterologia (1974); Sociedade Brasileira de Hepatologia (1974); Associação Médica Brasileira (1975); Sociedade Brasileira de Patologia (1974); e presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia (1982-1983). Orientou a formação acadêmica de 35 discípulos, dos quais cinco atingiram o cargo de professor titular.
Orientou 12 teses de mestrado, 13 de doutorado e três de livre-docência. Participou de 36 bancas examinadoras, das quais seis para professor titular.
Silvano Raia publicou 106 trabalhos no Brasil e 47 no exterior; escreveu 17 capítulos de livros, no Brasil, e cinco no exterior.
Proferiu 296 conferências, no Brasil, e 46 no exterior. Apresentou 250 comunicações em congressos, no Brasil, e 38 no exterior. Ganhou 13 prêmios.
Em 1956, Silvano Raia durante o sexto ano do curso médico, venceu a prova de salto equestre, permitindo assim que a medicina ganhasse a competição MackMed, há 5 anos vencida pelo Mackenzie.
Nos últimos 40 anos, tem o aquarismo marinho como hobby, tendo construído no seu escritório três tanques para corais e peixes exóticos.
NOTAS:
Biografia e foto foram fornecidas pelo autor.
Pequenas inserções e adaptações do texto ao perfil desta secção, assim como as notas de rodapé foram feitas pelo Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
Em decorrência das recomendações dos órgãos estatais de saúde pública de não aglomeração por causa da pandemia do cononavírus, a posse ocorreu em reunião virtual, através da Plataforma Zoom.
Oswaldo Gonçalves Cruz (1872-1917) é honrado como patrono da cadeira nº 99 da Academia de Medicina de São Paulo.
Edmundo Vasconcelos (1905-1992) é honrado como patrono da cadeira nº 47 da Academia de Medicina de São Paulo.
PhD, em tradução literal, quer dizer Philosophy Doctor. Esse título não é concedido somente a “doutores em filosofia”, mas também utilizado geralmente para se referir a quem realiza um doutorado no exterior.
Arrigo Antonio Raia é membro honorário da Academia de Medicina de São Paulo.
Jean-Baptiste-Gabriel-Joachim Dausset (1916-2009) foi galardoado com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1980, juntamente com Baruj Benacerraf (1920-2011) e George Davis Snell (1903-1996).
A cadeira nº 30 da Academia Nacional de Medicina tem como patrono Jorge Soares de Gouvêa (1883- 1861).