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Como nasce um neologismo, por Acad. José de Souza Meirelles Filho

04.04.2011 | Tertúlias

Embora sejam numerosos novos vocábulos em qualquer idioma, creio ser
raro um neologismo em que se registra o dia e hora exatos em que foi criado. Ainda
que o neologismo a relatar não conste nos dicionários, acredito que não tardará a ser
incorporado oficialmente ao nosso idioma. É o seguinte.


Num belo dia nos idos da década de 40 eu estava como residente
encarregado do “plantão da porta” do PS do Hospital das Clínicas. A função era
atender todos os casos, tratar os que fossem de minha competência e encaminhar os
demais aos respectivos especialistas. Para esta tarefa contávamos com o inestimável
auxílio do João-pé-de-valsa, competente auxiliar de enfermagem que frequentemente
nos encaminhava o paciente já com um diagnóstico provisório quase sempre correto. –
–“Doutor, chegou uma fratura de fêmur ou hemorragia gástrica ou aborto incompleto,
etc.”.


Nesta noite, o João apareceu na sala dos médicos meio frustrado,
anunciando que chegara uma ambulância que trazia uma jovem inconsciente e ele não
sabia do que se tratava. Pedi que a encaminhassem à sala de exames acompanhada da
mãe a fim de prestar esclarecimentos sobre o caso. A pobre senhora, aos prantos,
relatou que a louca da filha após ter rompido com o namorado tentou o suicídio
ingerindo… manga com leite! Após a ingestão do mortal veneno a paciente perdeu os
sentidos e continuava desmaiada. Lá estava ela, inerte, esperando a morte a fim de
atirar seu cadáver às portas do namorado ingrato!


Delmonte Bittencourt, nosso companheiro de residência, estava presente
na sala e acompanhou o drama. Culto, inteligente, era o excepcional cirurgião que
juntamente com Virginelli constituíram o braço direito do Prof. Zerbini. Acredito não
ser ele membro da Academia por nos ter deixado tão cedo. Aliás, falando em cirurgia
cardíaca, tive oportunidade de testemunhar quando de plantão no.PS do HC, uma
cirurgia cardíaca pioneira ainda na década de 40. Ruy Ferreira Santos ao atender um
menino baleado com o projétil alojado no coração e em estado pré-agônico,
rapidamente abriu-lhe o tórax e o miocárdio, retirou a bala, estancou a hemorragia e
salvou-lhe a vida.


Voltando à nossa suicida.


Bittencourt comoveu-se com o estado da mãe e com autoridade, gentileza
e seu inegável senso de humor, disse a ela que não precisaria se preocupar. Tratava-se
de uma doença descrita recentemente por dois cientistas alemães chamados Billie e
Pack. Doença que recebera o nome dos seus descobridores é facilmente tratada com
aplicação de uma injeção especial, logo sua filha estará bem. Tiveram que conter a boa
senhora para que ela não se atirasse aos pés do Bittencourt cobrindo-os com lágrimas
de gratidão.


“Síndrome de Billie e Pack” nos pareceu uma denominação bastante
apropriada. Passamos a usa-la ao invés do que erradamente denominávamos de HY
(hysteria) quando atendíamos casos com grande componente emocional. O termo em
breve transpôs os limites do PS, passou a ser adotado em todo o hospital já então com
corruptela, passando a ser denominado, bilipaque. Daí para se espalhar pelos
consultórios da cidade não demorou como também não demorou para ultrapassar os
limites da cidade, do estado, logo alcançando todo o Brasil, já com nova corruptela,
passando a ser chamado de piripaque. Este termo é usado hoje por todas as camadas
sociais, inclusive pela imprensa, rádio e TV. A expressão é tão popular que não me
surpreenderia se logo passasse a figurar numa próxima edição do Aurélio ou do
Houaiss.


Como testemunha do fato, reivindico o crédito deste neologismo para o inesquecível Delmonte Bittencourt.