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Heidelberg, por Acad. Manoel Ignacio Rollemberg

16.04.2012 | Tertúlias

“Se um dia tiver que escolher entre o mundo e o amor…
Lembre-se: se escolher o mundo, ficará sem o amor,
mas se escolher o amor, com ele conquistará o mundo!”
Albert Einstein


O Best Seller do historiador C. G. Sweeting, com a biografia de Hans Baur, piloto de uma das figuras mais controversas da História, descreve com riqueza de detalhes a tomada de Berlim nos momentos derradeiros da Segunda Guerra Mundial. Na mesma proporção do avanço dos exércitos russos, o comandante das tropas aliadas — general Eisenhower, em sentido inverso, ordenava a retirada das tropas americanas. Fato que mereceu enorme crítica na época, cujos desdobramentos são sobejamente conhecidos. O então chanceler soviético Molotov prolatava sua teoria expansionista, a qual “rezava”: “para dominar a Europa, há que se conquistar a Alemanha, e, para dominar a Alemanha, é preciso conquistar Berlim…”.
Não sem razão que, nesta situação, os aliados exigiram parte de Berlim, criando uma situação esdrúxula: para chegar a Berlim ocidental, tinha-se de atravessar a Alemanha comunista, segundo os soviéticos — República Democrática da Alemanha, separada da outra pelo inominável “muro”!
Ficou célebre uma visita do presidente Kennedy a Berlim ocidental, que, à borda do muro recentemente construído, declarou “Ich Bin ein Berliner!” (“Eu sou um berlinense!”), como a afirmar que não toleraria sua invasão e consequente tomada.
Fez-me lembrar outra particularidade daquela hecatombe. Os exércitos americanos sitiaram Heidelberg, cidade histórica às margens do rio Neckar, sede de uma universidade de fama mundial, com um passado histórico riquíssimo, ao lado de uma topografia invejável. Quem não se lembra da opereta “O Príncipe Estudante”, de Sigmund Romberg? Conta-se que o general americano, profundo admirador da cidade, enviou seus emissários para negociar com o oficial alemão, que àquela altura estava à mercê dos canhões adversários, a fim de render-se, pois não admitia a possibilidade de bombardear a cidade que tanto
admirava. Se a versão é real ou não, a verdade é que sua conquista foi feita sem um único tiro, permanecendo a belíssima cidade em todo o seu esplendor, intocável até hoje.
É uma cidade de estudantes. Nos dias de festas, ela se transforma: a estudantada torna repletas as ruas, o chope corre solto e a alegria é geral e contagiante.
Em um congresso de Cirurgia Torácica, participei de uma mesa na qual se achavam dois ilustres mestres: um professor de Chicago e outro de Heidelberg. Como de hábito, após a sessão convidamos os conferencistas para almoçar com os demais participantes. Tocou-me levar o professor alemão. Fomos conversando em inglês, e, lá pelas tantas, nem me lembro o porquê, ele disse que falava também francês. Aquilo soou estranho, já que são notórias as animosidades entre alemães e franceses. Ficamos no inglês mesmo, pois a língua de Voltaire não tinha lá muitos adeptos.
Fomos a uma churrascaria, cuja especialidade era “picanha fatiada”. O garçom colocava na mesa uma pequena chapa, alimentada por um braseiro, cortava e assava a carne em finos cortes, o que fez enorme sucesso, com a confissão do mestre de Heidelberg de: “nunca ter saboreado coisa igual…”. Ali, entre um chope e outro, foi nos contando que, após a reunificação da Alemanha e a célebre queda do muro de Berlim, foi encarregado pelo governo alemão para fazer o levantamento das condições dos hospitais e, em última análise, da assistência médica na parte oriental alemã. Segundo sua informação, havia um
único hospital muito bem montado exclusivamente para a “Nomenklatura”, a elite dirigente, sendo que, para o restante da população, o serviço era muito precário. Isso em um país onde a assistência médica alcançava nível de excelência para toda a população da parte ocidental, como pude sentir ao ser atendido em uma emergência médica na então Berlim ocidental. Ele também nos informou que, na época, o governo alemão ainda iria gastar uma fortuna para conseguir equacionar o atendimento médico naquela região, pois teriam de refazer praticamente tudo.
Fico aqui a pensar na desigualdade da ênfase dada por nossos dirigentes à assistência médica no meu país. À nossa “Nomenklatura” está reservada uma assistência especialíssima, extensiva às famílias com uma dotação orçamentária generosa, indefinidamente. É a nossa democracia!
À noite, fomos a uma recepção, a convite do Professor Ricardo Beiruty, um dos organizadores do conclave, no suntuoso apartamento de seus pais, muito a propósito na rua dos Franceses. Como originários da Argélia, tinham como segunda língua o francês. Aliás, acabou sendo a língua mais ouvida no encontro. Fomos apresentados a uma senhora de meia-idade, extremamente simpática, falando um francês escorreito e mostrando em seu semblante, apesar da idade, sua beleza, que na mocidade deveria ter sido fascinante. Foi então que soubemos tratar-se da esposa do ilustre professor alemão. Aí compreendemos seu entusiasmo pela língua de Moliére. Ficamos a matutar do que é capaz o amor por uma mulher bonita. Consegue-se superar todas as diferenças e questiúnculas. Ainda bem!