Qualidade da medicina no Brasil. Aonde vamos?, por Acad. Nelson Guimarães Proença
Vou discursar sobre tema extremamente delicado, que precisa ser abordado com o máximo cuidado. Trata-se da qualidade da Medicina que é oferecida à população, quer na área do Serviço Público, quer através de Planos de Saúde. Vamos a ele.
O exercício da Medicina exige hoje, mais do que nunca, permanente esforço para acompanhar a evolução do Conhecimento.
Em consequência, iniciativas que visem oferecer Educação Médica Continuada (EMC) têm lugar assegurado, no dia a dia do médico.
Para médicos filiados às Sociedades Especializadas, com Título de Especialista já conquistado, é indispensável o comparecimento aos múltiplos eventos que suas Sociedades promovem: Jornadas, Seminários, Cursos de Atualização, Congressos, pois recebem informações sobre o que há de mais recente, no âmbito de sua especialidade.
Em que pese o esforço despendido para acompanhar o que é novo, pouco ou nenhum tempo resta para acompanhar o avanço que ocorre na Medicina, em geral. Temos de reconhecer que, mesmo dando o máximo de nós para nossa especialidade, estamos progressivamente distanciados dos avanços da Medicina, como um todo! Seria possível acompanhar esses avanços?
Para a maioria dos médicos, a resposta é uma só: “Acompanhar toda a Medicina, simplesmente, não dá!”. Não obstante, creio que é possível, sim, acompanharmos razoavelmente essa evolução. Explico por que vejo essa possibilidade a partir de uma experiência pessoal.
No começo de 2007 iniciei uma nova fase de minha vida profissional, ao mudar de residência, de São Paulo para Campos do Jordão. Por décadas eu havia dividido meu dia entre o ensino da Medicina, em Faculdade, e o atendimento a pacientes, em consultório privado. Com o tempo, senti falta de um mais frequente diálogo, de uma mais constante troca de experiências, de uma habitual discussão de casos entre Colegas. Sobretudo, do interesse em acompanhar e discutir o que há de novo na Medicina.
Como o ambiente entre os médicos era receptivo, realizamos uma reunião, no final de 2008, para ser discutida a possibilidade de organizarmos algum tipo de Educação Médica Continuada. Foi então aprovada interessante proposta: organizaríamos um programa de jornadas mensais, a ser desenvolvido a partir de 2009, aberto à participação dos médicos da cidade que por ele manifestassem interesse. Até mesmo, dentro do possível, abrindo perspectiva para a participação de médicos de cidades vizinhas. Foi assim que nasceu o Projeto ATUALIZE.
Desde o primeiro instante, ATUALIZE encontrou apoio por parte do Diretor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Prof. Dr. Ernani Rolim. A matéria foi levada à Congregação da Faculdade, na qual recebeu aprovação.
Explica-se por que houve tão pronta convergência de opiniões. A Faculdade havia acabado de firmar parceria com a Secretaria
de Estado da Saúde, de São Paulo, para viabilizar o projeto, que foi denominado EDUCA SUS. Os professores da Faculdade participariam da produção de programas de EMC, que seriam transmitidos através da televisão, para São Paulo e para o Brasil.
Dentro do significado da parceria firmada. ATUALIZE se ajustava perfeitamente.
O Projeto ATUALIZE despertou interesse da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, recebendo entusiástico apoio por parte do então Secretário, Prof. Dr. Luiz Roberto Barradas Barata (hoje já falecido), que inclusive compareceu à Primeira Jornada, realizada em fevereiro de 2009, para fazer a palestra de abertura. O interesse da Secretaria persiste até hoje, pois o atual Secretário, Prof. Dr. Giovanni Guido Cerri, fez a abertura em fevereiro de 2011.
Também houve participação da Associação Paulista de Medicina (APM), através de seu Presidente, Dr. Jorge Curi. A parceria foi aprovada em reunião da Diretoria. Por intermédio da APM, também a Associação Médica Brasileira, tendo como Presidente o Dr. José Luiz Gomes do Amaral, ficou solidária. Destaque-se que ambas as entidades representativas dos médicos, AMB e APM, mais o Conselho Federal de Medicina, na ocasião, haviam firmado um protocolo de colaboração com o Ministério da Saúde, que exatamente visava melhor qualificação do atendimento médico na rede pública, através de programas de EMC.
Com tão boa origem, o Projeto ATUALIZE recebeu, assim, apoio institucional! Uma espécie de plano-piloto. Por ter sido aprovado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo como Curso de Extensão Universitária, dá direito a Certificado aos participantes, sendo este concedido aos que comparecem a um mínimo de 70% da programação. Já a Associação Paulista de Medicina e, por seu intermédio, a Associação Médica Brasileira fazem o respectivo comunicado às Sociedades
Especializadas, para efeito da contagem de pontos, tendo em vista a renovação periódica do Título de Especialista. No triênio 2009-2011, foram realizadas 30 Jornadas, cobrindo todas as áreas da Medicina.
Tudo muito bem organizado e funcionando bem. Maravilha? Sim, mas não tanto! O lado positivo foi indiscutível. Os médicos que mais frequentaram o ATUALIZE foram exatamente os que já têm Título de Especialista e, por hábito, já comparecem aos eventos programados pelas respectivas Sociedades Científicas.
Mas ocorreram surpresas, que precisam ser avaliadas de um modo melhor. A primeira: médicos que exercitam a Clínica Geral compareceram em número limitado, abaixo da expectativa. Outra surpresa: embora fosse uma oportunidade posta ao alcance dos médicos que atendem o Sistema Único de Saúde, o SUS, foram raros os que compareceram às Jornadas. Portanto, dois dos principais públicos-alvo que pretendíamos atingir não reagiram positivamente para aproveitar a oportunidade oferecida.
Chegamos agora ao ponto delicado do tema que estamos abordando.
Percebe-se claramente que, hoje, os médicos de nosso País estão se dividindo, qualitativamente, em duas categorias. Há os que avançam em sua profissão e há os que permanecem estacionários. Estes últimos são médicos que vivem às custas de plantões em hospitais de Pronto Atendimento (os quais, geralmente, mantêm convênio com o SUS), ou que estão diretamente contratados pelo SUS, através dos Sistemas Municipais de Saúde, ou, ainda, atendem aos Planos de Saúde da Medicina alternativa. Muitos desses médicos não alcançaram ingresso em programas de Residência Médica, ou não conseguiram estágios de
espacialização, indo diretamente para a vida prática. Em geral, não frequentam quaisquer eventos científicos. Não têm oportunidades para fazer EMC e, até mesmo, não mostram disposição para aproveitá-las, quando as oportunidades surgem. É um grupo que se mantém estagnado. Dada a velocidade com que avança o Conhecimento neste século XXI, o cenário que descrevemos tenderá a se acentuar com o decorrer dos anos.
É uma realidade que não pode ser ignorada e que exige resposta. Isso é particularmente importante para a área do Serviço Público. Destaque-se que o SUS tem hoje a seu serviço 281.481 médicos, um universo profissional enorme, distribuído por todo o País (Revista do CFM 2011, 202:7). A maior parte deles presta atendimento através da municipalização do SUS, portanto está a serviço de Prefeituras Municipais. É recomendável que, no limite de suas atribuições, o Município procure exigir de seus médicos a participação em eventos de EMC, mas também é recomendável que, em contrapartida, seja encontrada uma forma razoável de retribuição para as horas dedicadas a essa finalidade, tais como: folgas compensatórias, acréscimo salarial, carreira funcional, entre outras.
Algo precisa ser pensado, decidido e aplicado, pois o que está em jogo é a qualidade da Medicina oferecida à população.
Estamos iniciando 2012. Não seria um bom ano para começarmos a mudar?