Última Tertúlia Acadêmica de 2023 tem como tema a sobrevivência polar
A última edição de 2023 da Tertúlia Acadêmica – evento científico promovido pela Academia de Medicina de São Paulo – aconteceu na última quarta-feira, 13 de dezembro, na sede da Associação Paulista de Medicina. Desta vez, o tema abordado foi “Sobrevivência Polar: Shackleton e o Endurance”, com a pesquisadora e cirurgiã pediátrica Daniela Silvestre.
Como de costume, o encontro foi aberto pelo presidente da AMSP, Helio Begliomini, que apresentou a palestrante, dando uma breve introdução sobre seu percurso. “Daniela é médica especializada em Cirurgia Pediátrica, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Pediátrica, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Áreas Remotas e já percorreu todos os continentes do mundo. É um prazer recebê-la aqui”.
Ao iniciar a apresentação, a palestrante elucidou sobre a lendária história que seria contada ao longo da tertúlia, apontando seu fascínio pelo tema e exibindo imagens de viagens realizadas por ela com o intuito de se aproximar da experiência vivida pelos tripulantes do Endurance – navio que ficou encalhado na Antártica, fazendo com que seus tripulantes fossem submetidos ao terrível frio polar, com uma temperatura de até 70° abaixo de zero por mais de 500 dias.
A expedição
De acordo com a palestrante, a viagem realizada com o Endurance para a Antártida foi empreendida pelo comandante Ernest Shackleton, que já havia liderado outras três expedições pelo continente, viagens essas que levaram cientistas a realizarem grandes descobertas.
Antes que o percurso fosse iniciado, Shackleton procurava por homens dispostos a embarcar nesta arriscada jornada; um dos anúncios feitos por ele nos jornais de Londres (1913), dizia: “Procuram-se homens para viagem arriscada, salário pequeno, muito frio, longos meses de completa escuridão, perigo constante, retorno duvidoso, honra e reconhecimento em caso de sucesso”.
“No dia 8 de agosto de 1914, a viagem saiu da Inglaterra e chegou dois meses depois em Buenos Aires, onde reuniu a outra parte da tripulação. O navio partiu de Buenos Aires rumo ao Oceano Atlântico, passando por ilhas na Geórgia do Sul. Neste trajeto, alertas foram feitos sobre o risco de a embarcação ficar presa no gelo do Oceano. No entanto, a rainha Alexandra deu ordens para prosseguir”, contou a pesquisadora.
Conforme salientado na palestra, em fevereiro de 1915, durante o trajeto, o Endurance ficou preso em uma grossa camada de gelo que cobria as águas do mar em pleno verão antártico. “Apesar dos esforços feitos pelos 28 homens que estavam na embarcação, não foi possível seguir viagem”, destacou.
Para a estudiosa, a rotina que Shackleton estabeleceu para os tripulantes foi um dos principais alicerces para garantir a sobrevivência de todos. Segundo ela, o capitão motivou as pessoas a praticarem atividades sociais, culturais e esportivas, como leitura de livros, narração de histórias, música, teatro e futebol.
“No entanto, o inverno chegou. Já era julho, a temperatura que era baixa, diminuiu ainda mais. Nesta época, não era possível ver a luz do dia, apenas escuridão. Shackleton decidiu que todos deveriam se abrigar no local mais quente do navio, a fim de que ninguém morresse congelado. Em um dos seus trabalhos, ele deixou uma frase marcante – ‘O que o gelo pega, o gelo prende’ – fazendo referência a este momento”, argumentou Daniela Silvestre.
Busca por ajuda
Em novembro de 1915, depois de meses no mesmo lugar, o gelo começava a derreter, mas não o suficiente para que o Endurance saísse do lugar. Conforme relatado pela conferencista, havia três botes salva-vidas no navio; o capitão decidiu procurar o mar aberto, montando uma expedição e escolhendo apenas alguns homens com características específicas: os enfermos e os que poderiam causar possíveis conflitos na sua ausência.
A viagem em busca de socorro durou nove dias, até que fosse encontrada a Ilha do Elefante. Era apenas um rochedo malcheiroso, visto que, no local, as focas depositavam seus dejetos e não havia pessoas que pudessem oferecer ajuda. “Como não havia muito o que fazer, Shackleton, com a ajuda das pessoas que o acompanhavam, montou outra pequena embarcação e partiu com mais cinco homens, deixando na ilha aqueles que não suportariam a jornada; avisou para eles que, caso não retornasse até 31 de agosto, poderiam tentar partir”, narrou a palestrante.
De acordo com a médica, várias direções foram cogitadas, porém o líder do grupo, Ernest Shackleton, optou pelo percurso mais distante e o mais provável de que houvesse sucesso por conta do vento e da correnteza favorável. Mais 16 dias se passaram até a chegada na Geórgia.
“Quando desembarcaram na Geórgia, perceberam que estavam do lado errado, não tinha nada no local. Eles cruzaram montanhas e percorreram a pé um percurso de 35 km. Mas, do grupo de seis, apenas três seguiram tentando buscar ajuda. Já cansados e hipotérmicos, encontraram a Estação Baleeira da Geórgia do Sul. Os homens que ficaram na metade do caminho foram resgatados e expedições foram em busca dos que ficaram na Ilha do Elefante, chegando lá no dia 30 de agosto; e posteriormente resgataram os outros que ficaram no Endurance”, salientou a estudiosa.
Para ela, algumas das principais lições que este fato ensina estão relacionadas à esperança contínua, à resiliência, perseverança e parceria entre a equipe. Ela acredita que sem esses pontos seria impossível que todos os homens retornassem com vida.
Texto: Ryan Felix (sob supervisão de Giovanna Rodrigues) – Associação Paulista de Medicina
Fotos: Alexandre Diniz